Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
01/01/1970 | 01/08/2015 | 4 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
78 minuto(s) |
Dirigido e roteirizado por Maria Finitzo.
“Eu já não compro mais nada; eu uso minha imaginação.”
Foi ao ouvir esta frase sendo dita de passagem, quase sem ser notada, que percebi que teria que escrever sobre o documentário que a trazia, In the Game. Produzido pela mesma Kartemquin que 20 anos antes havia realizado o inesquecível e seminal Basquete Blues (e também responsável por Life Itself, sobre meu mentor e amigo Roger Ebert), este recente longa dirigido em 2014 pela cineasta Maria Finitzo acompanha o time de futebol feminino de uma escola pública de Chicago, a Kelly High School, situada em uma região da cidade povoada predominantemente por imigrantes latinos (em sua maioria, mexicanos). Focando em algumas alunas/jogadoras e no técnico da equipe, Finitzo segue seus passos durante quatro anos, alternando entre as novas formações do time e os caminhos traçados pelas ex-jogadoras depois de formadas.
Elizabeth, por exemplo, é filha de um casal que, buscando um futuro melhor para a família, cruzou ilegalmente a fronteira entre o México e os Estados Unidos há quase duas décadas, abrindo uma lojinha e lutando para manter uma qualidade mínima de vida que ressalta como a palavra-chave no tão propalado “sonho americano” é mesmo a primeira. Capitã do time, a garota está em seu último ano e costuma acordar às 4h30 da manhã para chegar no colégio duas horas antes do início das aulas a fim de poder treinar com as companheiras nos corredores do prédio e na inadequada quadra de basquete, já que não contam com um campo próprio e nunca conseguem horário para usar os espaços dedicados aos esportes mais populares (como o basquete, claro). Enquanto isso, a artilheira Alicia retorna para casa todas as noites para preparar o jantar das irmãs enquanto a mãe trabalha no terceiro turno de seu segundo emprego, ao passo que Maria, outra veterana da equipe, se divide entre quatro empregos para tentar pagar o curso preparatório para que possa tentar cursar Arquitetura, uma vocação que descobriu por acidente.
E há, também, o técnico Stan Mietus, um imigrante polonês que, ex-aluno da Kelly High School, flertou com uma carreira de atleta profissional até arrebentar o joelho durante uma partida, retornando então para seu antigo colégio para treinar o time de futebol feminino – função que mantém há 30 anos. Orgulhoso por jamais cortar qualquer atleta da equipe e por permitir que todas as jogadoras possam participar das competições, ele sabe que, por mais dedicadas que as garotas sejam, pouco podem fazer diante de adversárias que representam instituições bem maiores e que têm, inclusive, condições de atrair as melhores esportistas da cidade, não sendo exatamente um choque testemunhar a derrota que sofrem de oito a zero na primeira fase das eliminatórias do campeonato municipal.
O curioso, contudo, é notar como Stan mantém a serenidade diante dos percalços enfrentados por sua equipe, já que reconhece – e isto é fundamental e a alma de In the Game – como cada treino e cada partida é uma oportunidade de preparar as moças para os obstáculos infinitamente maiores que encontrarão depois que se graduarem. Aliás, não é à toa que estas buscam, nas lembranças de seu tempo no time e nos ensinamentos do antigo técnico, a motivação necessária para que sigam perseverando diante de um mundo que parece determinado a resigná-las a goleadas recorrentes.
Sensível e capaz de imensa empatia, a diretora constrói uma importante intimidade com aquelas pessoas, que se abrem para a câmera com uma franqueza que expõe a inocência de seus sonhos que sabemos impossíveis (incluindo Stan) e também uma compreensão comovente de que levam existências que começaram na miséria e que, mesmo com um esforço descomunal, poderão aspirar no máximo a um padrão de vida pouco menos árduo do que aquele mantido por seus pais. É enlouquecedor, por exemplo, constatar como os cortes de verbas feitos pelos governos municipal, estadual e federal parecem sempre exigir sacrifícios maiores das escolas dos bairros pobres do que daquelas que atendem regiões mais abastadas, o que, a partir de certo ponto, chega a obrigar os alunos a levarem papel higiênico, giz e materiais de limpeza para o colégio, que, além disso, é forçado a demitir professores, funcionários e seguranças.
E ainda assim Stan e suas jogadoras persistem treinando, jogando e sonhando, exibindo expressões de encantamento sempre que chegam aos campos de futebol bem cuidados de suas adversárias e que em nada lembram o terreno cheio de pedras e cacos de vidro que, disponível diante da Kelly High School, não conta com a verba necessária para ser convertido em um espaço funcional.
Sem jamais retratar suas personagens e suas trajetórias com maniqueísmo narrativo, Maria Finitzo não apela para trilhas dramáticas ou engrandecedoras, permitindo também que a montadora Katerina Simic faça um trabalho que, mesmo episódico por natureza (algo impossível de se evitar em um filme de 78 minutos que cobre quatro anos de história), leva o espectador a sentir estar testemunhando a passagem fluida de um período determinante na vida daquelas jovens e que traz também desafios e tragédias para o próprio Stan, que, apesar de tudo, insiste numa postura estoica que pode ser fruto de uma natureza introspectiva, do desejo de manter uma fachada encorajadora para suas atletas ou de ambos.
Expondo o conceito de “meritocracia” como a farsa que é – e que serve apenas para massagear os egos de quem já nasceu com inúmeras vantagens ao mesmo tempo em que atua como modo de manter pacificados os que vieram ao mundo enfrentando todos os impedimentos (com o perdão do – apropriado – trocadilho) e que são convencidos de que precisam apenas se “esforçar” -, In the Game é, como Basquete Blues, uma obra que usa o esporte como fio condutor de um recorte pungente do percurso doloroso, mas inspirador, de jovens mulheres que, mesmo diante das gigantescas barreiras à sua frente, agarram-se à possibilidade de que algum dia, num descuido dos poderosos oponentes, alcançarão talvez não uma vitória, mas a breve e agridoce alegria de um gol de honra.
19 de Junho de 2018
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