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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
21/06/2018 26/05/2017 3 / 5 5 / 5
Distribuidora
California Filmes
Duração do filme
107 minuto(s)

O Amante Duplo
L'amant double

Dirigido por François Ozon. Roteiro de François Ozon e Philippe Piazzo. Com: Marine Vacth, Jérémie Renier, Jacqueline Bisset, Myriam Boyer, Dominique Reymond.

Eu detesto cotações – as infames “estrelinhas”. Além de achar ofensivo reduzir uma obra a um número, este é o único elemento que considero completamente subjetivo na crítica cinematográfica. Posso usar conceitos extraídos de princípios teóricos, estéticos e de linguagem para embasar um argumento, mas como posso justificar a diferença entre um filme 3 ou 4 estrelas? Além disso, há obras que provocam reações ainda mais complexas e que desafiam totalmente uma cotação ou mesmo a distinção entre o “aprovado” e o “reprovado”. Um caso que ilustra bem esta complexidade é O Amante Duplo, novo trabalho do cineasta François Ozon, pois posso afirmar com convicção que gosto e não gosto do filme – ao mesmo tempo.


Parece impossível, mas não é: O Amante Duplo é um longa que oferece interpretações (e, consequentemente, inspira reações) diametralmente opostas dependendo do que o espectador julga como sendo sua proposta: se o filme reconhece os clichês e convenções que emprega, mas os utiliza com o objetivo de se divertir com eles e consigo mesmo, é maravilhoso; se os inclui na narrativa por achar que funcionam, levando-se a sério, é um fracasso colossal. Aliás, mesmo que ele não esteja sendo irônico, é legítimo apreciá-lo como exercício de estilo enquanto rejeitamos este mesmo estilo como sendo de uma risível sexualidade kitsch.

A trama, claro, poderia ter sido concebida pelo Brian De Palma da primeira metade da década de 80: Chloé (Vacht) é uma garota atormentada por frequentes dores de estômago que os médicos já descartaram ter origem física. Angustiada e deprimida, ela procura a ajuda do psiquiatra Paul Meyer (Renier), que, ao longo dos meses seguintes, consegue conduzi-la a uma situação de estabilidade emocional, apaixonando-se por ela no processo. Depois que passam a morar juntos, Chloé começa a suspeitar de que o namorado esteja escondendo algo importante, comprovando a desconfiança ao descobrir que ele tem um irmão gêmeo, o também psiquiatra Louis.

Mas falar de O Amante Duplo é discutir seus primeiros minutos, que já estabelecem o tom da narrativa através, primeiro, da sequência de créditos, que traz os cabelos de Chloé sobre seu rosto como um véu preto, de luto; segundo, do plano que abre a trama em si e que é seguido por um raccord (um corte que cria continuidade entre os planos) genial não apenas em seu aspecto simbólico, mas também por denotar a coragem de Ozon em dar início ao seu filme com uma imagem e com um corte que ele sabe que deixarão o espectador boquiaberto e que não poderão ser superados por nada que virá depois (e não são). Claro que eu jamais me atreveria a descrevê-los aqui e, com isso, correr o risco de tirar seu impacto, mas aponto apenas que o detalhe da lágrima escorrendo é o arremate essencial.

Aliás, Ozon nunca foi um diretor que apreciasse a sutileza, algo que está patente aqui: das paredes com cores chapadas às fusões que colocam Chloé e Paul com os rostos colados durante suas sessões, o longa abraça o extremo não só em aspectos de seu design de produção, mas na maneira como retrata os encontros sexuais de Chloé e Louis, fazendo com que 50 Tons de Cinza, em comparação, pareça Frozen. (Basta dizer que o fato de a parceira estar menstruada não diminui a vontade de Louis de fazer sexo oral.) Já a trama é uma colagem de clichês dignos de uma novela: há gêmeos malvados, coincidências absurdas, recortes de jornal que revelam segredos e um mistério que só não é esclarecido rapidamente porque a protagonista parece nunca ter ouvido falar do Google – a não ser quando precisa encontrar um endereço.

Ozon se diverte, também, com os simbolismos que cria (na maioria das vezes, óbvios – propositalmente ou não), desde a diferença entre as plantas presentes nos consultórios dos irmãos (uma tem terra em seu vaso; a outra, não) até, como não poderia deixar de ser, os vários momentos nos quais vemos múltiplos reflexos dos personagens (eu abordei a obsessão de cineastas com espelhos na segunda parte da crítica de Cisne Negro). Da mesma maneira, há um comentário quase metalinguístico na forma com que Chloé é vista entre as obras de um museu, parecendo mais um dos objetos expostos do que uma segurança, o que reflete como o próprio diretor expõe sua atriz para o público.

Mas, no final das contas, o grau de apreciação do espectador por O Amante Duplo dependerá mesmo da resposta que julga como a correta para a pergunta “eu estou rindo do filme ou com ele?”, já que o impulso de rir é frequente durante a projeção. Ainda assim, mesmo que eu considerasse a graça involuntária, não poderia deixar de aplaudir em algum nível uma obra que abraça o camp e o ridículo de um thriller sexual oitentista com tamanha sinceridade e empáfia.

Não acredito em guilty pleasures, pois, se gosto de um filme, não me sinto “culpado”. E mais importante: certamente consigo explicar os motivos por trás deste sentimento mesmo que reconheça todos os problemas da obra. Mas se acreditasse... bom, O Amante Duplo sem dúvida alguma seria um deles. Assim, retornando ao dilema das estrelinhas discutido no início, o máximo que posso fazer para conciliar as reações extremas que este longa provoca é optar pela média entre as cotações máxima e mínima, atribuindo-lhe um três que vale ao mesmo tempo por cinco e por um.

Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Cannes 2017.

26 de Maio de 2017

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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