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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
14/06/2018 01/03/2018 4 / 5 / 5
Distribuidora
Imovision
Duração do filme
126 minuto(s)

Dovlatov
Dovlatov

Dirigido por Aleksey German. Roteiro de Aleksey German e Yulia Tupikina. Com: Milan Maric, Danila Kozlovsky, Helena Sujecka, Artur Beschastny, Elena Lyadova, Anton Shagin, Svetlana Khodchenkova, Piotr Gasowski, Eva Gerr e Hanna Sleszynska.

Ao longo dos últimos 30 anos, o escritor russo Sergei Dovlatov ganhou uma notoriedade entre leitores ocidentais que provavelmente o surpreenderia caso tivesse vivido para aproveitá-la, já que durante boa parte de sua carreira foi impedido até mesmo de publicar seus contos por um Estado que o encarava como subversivo. Aliás, é justamente este duro período de sua trajetória que o filme que traz seu nome no título busca retratar.


Ambientado na Leningrado de 1971, Dovlatov apresenta ao espectador um artista capaz de trocar socos em uma discussão sobre poesia e com um senso de humor irreverente e afiado. Sonhando em se tornar escritor desde a infância, passando pelos anos em que trabalhou como carcereiro, ele se entrega a uma frustração cada vez maior ao perceber que todos os seus esforços para conseguir ser publicado acabam esbarrando na política ou em sua própria recusa de comprometer a qualidade de seus textos para atender às exigências dos editores por um material mais superficial (“É mais honesto roubar um carro do que escrever um poema por dinheiro”, alguém diz em certo instante) – e mesmo contando com o apoio da família (incluindo o da esposa, de quem está temporariamente separado), Dovlatov (Maric) aos poucos começa a cogitar a possibilidade real de jamais ter a chance de ser lido por um público maior do que aquele formado pelos amigos.

Aliás, o sentimento de comunidade é algo que o diretor Aleksey German evoca com eficiência, enfocando discussões literárias e existenciais entre o protagonista e artistas como o poeta Joseph Brodsky (Beschastny) que são construídas através de longos planos que percorrem espaços como o escritório de uma editora, um parque que hospeda um mercado ilegal de livros e os cômodos de uma casa na qual ocorre uma pequena festa literária. Nestes momentos, o filme projeta um calor humano que contrasta fortemente com o clima constantemente gelado e claustrofóbico sugerido pela ótima fotografia, sendo inspirador ver aqueles homens e mulheres torcendo uns pelos outros.

Embora não tenha apreciado o trabalho anterior de German, Sob Nuvens Elétricas, aqui sua condução é impecável, traçando um retrato complexo de Dovlatov que evita as armadilhas manipuladoras de uma hagiografia. Enriquecido também por uma recriação de época soberba, o longa tem uma produção grandiosa, mas que jamais se julga mais importante do que os pequenos detalhes de caracterização dos personagens – e alguns dos momentos mais belos do filme são aqueles intimistas, como o olhar de profundo amor que o personagem-título lança à filha ao carregá-la depois de uma festa (o ator Milan Maric, por sinal, é uma revelação).

Como não poderia deixar de ser, o filme também aborda o contexto político e histórico em torno das atribulações de Dovlatov, retratando-as através de diálogos ou mesmo ao empregar composições de quadros reveladoras – como a que traz um pelotão marchando em uma direção enquanto o escritor se coloca ostensivamente virado para o lado oposto. Além disso, o momento mais sublime e devastador da obra é aquele no qual os operários que constroem um túnel encontram acidentalmente as ossadas de mais de 30 crianças mortas durante um bombardeio nazista da Segunda Guerra (o fato de seus brinquedos estarem intactos torna tudo ainda mais comovente).

Assim, é preciso aplaudir a inteligência de German ao contrabalançar estas passagens mais pesadas, que incluem a frustração e o desespero crescentes do escritor, com outros de eficiente bom humor (como o sonho que Dovlatov tem com Brezhnev e Fidel Castro).

E ainda que Sergei Dovlatov tenha conseguido, mesmo que tardiamente, realizar seu velho sonho, é inspirador testemunhar sua história. Afinal, como ouve em certo momento da projeção, “requer grande coragem manter a integridade quando não se é ninguém”.

Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Berlim 2018.

18 de Fevereiro de 2018

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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