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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
28/06/2018 15/06/2018 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
Disney
Duração do filme
118 minuto(s)

Os Incríveis 2
Incredibles 2

Dirigido e roteirizado por Brad Bird. Com as vozes de Holly Hunter, Craig T. Nelson, Sarah Vowell, Huck Milner, Samuel L. Jackson, Catherine Keener, Bob Odenkirk, Brad Bird, Sophia Bush, Phil LaMarr, John Ratzenberger, Barry Bostwick, Adam Rodriguez, Kimberly Adair Clark, Paul Eiding, Jonathan Banks e Isabella Rossellini.

Sentadas em um canto da sala após uma festa, duas mulheres bebem vinho e conversam sobre as posições que ocupam no mundo: ao passo que uma delas se contenta em permanecer nos bastidores, criando todos os produtos que o irmão apresentará ao mundo enquanto se estabelece como o rosto público da empresa da qual são sócios, a outra expressa como insiste em ocupar espaço semelhante ao do marido, com quem divide a profissão. Ambas, porém, reconhecem como o tabuleiro é arrumado para privilegiar seus parceiros masculinos e torná-los mais poderosos. Trata-se de uma cena breve, mas que busca apresentar uma discussão séria e cada vez mais atual – e que surge não em um filme voltado para o público adulto, mas na continuação de uma das melhores animações da história da Pixar: Os Incríveis 2.


Escrito e dirigido pelo mesmo responsável pelo original, o brilhante Brad Bird (também criador de meu filme favorito do estúdio, Ratatouille, do subestimado Tomorrowland e do jovem clássico O Gigante de Ferro), Os Incríveis 2 retoma a história da família de super-heróis exatamente a partir do ponto em que a deixamos em 2004: surpreendidos pelo ataque do Escavador (Ratzenberger), o Sr. Incrível (Nelson) e sua esposa Mulher-Elástica (Hunter) logo colocam suas máscaras e partem para a ação, instruindo seus filhos Violeta (Vowell) e Flecha (Milner) a tomarem conta do bebê Zezé. Condenados pela mídia por deixarem um rastro de destruição durante a batalha, os Incríveis acabam sendo abandonados também pelo governo e se descobrem sem dinheiro ou emprego, sendo finalmente abordados pelo multimilionário Winston Deavor (Odenkirk), que, ao lado da irmã Evelyn (Keener), se oferecem para ajudá-los a conquistar a opinião pública e derrubar a lei que os proíbe de atuar como heróis.

E é aí que a obra nos surpreende com a escolha da Mulher-Elástica para assumir a tarefa de voltar ao trabalho, entregando a esta o protagonismo que em Os Incríveis pertencia ao marido – que, por sua vez, assume a tarefa de cuidar da casa e das crianças. Neste sentido, a ideia de Bird de usar um trem em perigo como missão de estreia da heroína é perfeita, já que um resgate similar havia sido parte da apresentação do Sr. Incrível no longa anterior. Ao mesmo tempo, o roteiro reconhece como as mulheres que preservam suas carreiras depois da maternidade acabam sendo cobradas por isso, tendo que se desdobrar para evitar julgamentos – o que resulta numa breve e perfeita piada que traz a Mulher-Elástica ao telefone tendo que ajudar o filho a encontrar um par de sapatos ao mesmo tempo em que tenta salvar as vidas de dezenas de pessoas.

Por outro lado, a animação reconhece a graça potencial de acompanhar um indivíduo como o Sr. Incrível em seus esforços para tomar conta dos filhos e na sua compreensão gradual das dificuldades enfrentadas pela esposa ao longo dos anos. Além disso, é interessante observar como o sujeito ressente o papel que é levado a desempenhar, a inveja que sente da companheira e – o mais importante – seu empenho em ao menos tentar ser um bom marido ao manter uma fachada de tranquilidade ao apoiá-la. O irônico é que, ao estruturar a narrativa a partir dos paralelos entre os dois, Bird acaba forçando que estes disputem um pouco o espaço e o tempo na tela, o que quase impede que a Mulher-Elástica se consolide como a protagonista. Se somarmos a isto a falta de frescor do roteiro (que aqui e ali chega a reciclar certos elementos do original) e a preguiça na construção de certas piadas (como no momento em que ouvimos a esposa de Gelado e que nem tenta criar algo novo), o resultado deixa um pouco a desejar com relação à obra de 2004.

Mas não muito. Afinal, é difícil negar a energia conferida ao trabalho pela trilha de Michael Giacchino, que mais uma vez cria temas com influência clara do jazz para sugerir a individualidade daqueles personagens e o charme de seu mundo. Do mesmo modo, Bird e a equipe de animadores da Pixar concebem sequências de ação dinâmicas que exploram as possibilidades ilimitadas do digital no que diz respeito aos posicionamentos e movimentos de câmera, surpreendendo o espectador tanto em passagens grandiosas (como aquela que ocupa a maior parte do terceiro ato) quanto em outras de menor escala (como o fantástico confronto entre um personagem e um guaxinim). Além disso, o design dos ocupantes daquele universo é um presente à parte, ilustrando o cuidado da Pixar com cada pormenor– desde as olheiras e a barba por fazer do Sr. Incrível até os trejeitos e tiques faciais de Winston, que remetem claramente aos de Bob Odenkirk, responsável por sua voz (aliás, um dos detalhes mais divertidos do filme reside na personagem Voyd, que, apesar de ter a voz de Sophia Bush, é escancaradamente uma versão digital de Kristen Stewart, reproduzindo seu modo de morder os lábios, inclinar a cabeça, mexer no cabelo e mover os olhos enquanto fala).

Neste aspecto, outro ponto digno de nota em Os Incríveis 2 é, como não poderia deixar de ser, seu design de produção, que usa a década de 60 como ponto de partida para o visual geral da narrativa e a pincela com elementos futuristas – desde o trem inaugurado pelo prefeito até a moto da Mulher-Elástica. Como se não fosse o suficiente, os animadores adicionam maneirismos fascinantes na concepção dos personagens e que ajudam a transmitir com mais eficiência seus sentimentos: notem, por exemplo, como Violeta comprime os lábios em desafio ao jogar algo no triturador ou o olhar cúmplice que troca com a mãe diante da imaturidade dos homens da família. De maneira similar, percebam como o cabelo de Flecha assume uma cor mais escura quando molhado ou como o Sr. Incrível parece se queimar ao remover o waffle da torradeira e constatarão por que a Pixar segue como a líder indiscutível de sua indústria.

E o mais admirável é que, além de todas estas virtudes e de sua competência como entretenimento, Os Incríveis 2 ainda encontre espaço para incluir discussões importantes em sua narrativa, criticando a forma como a mídia molda a opinião pública para demonizar ou endeusar alguém e refutando, quase nominalmente, qualquer aproximação com os textos sociopáticos de Ayn Rand (algo que, pelo jeito, se tornou um ponto de honra para Brad Bird desde que alguns críticos sugeriram que a escritora/filósofa havia influenciado o original). Claro que em certos momentos o cineasta apenas atira certos tópicos no filme sem se preocupar em expandi-los, como no comentário passageiro feito por Violeta sobre como os ricos jamais são punidos de fato ou mesmo ao trazer o vilão Hipnotizador discursando sobre como somos prisioneiros das telas que nos cercam. Em contrapartida, Bird é corajoso ao apontar como a desobediência civil é quase uma obrigação diante de leis e atitudes absurdas por parte dos poderosos (algo que serve tanto para os Estados Unidos quanto para o Brasil nos dias de hoje), sendo igualmente relevante perceber como o protagonismo de personagens femininas é instrumental ao servir como prova e exemplo da capacidade e da necessidade das mulheres ocuparem mais e mais espaços de liderança, já que não só a Mulher-Elástica manifesta ter sido influenciada pela Embaixadora (Rossellini) como influencia, por sua vez, a jovem Voyd.

Lançado nada menos do que 14 anos depois do primeiro longa, Os Incríveis 2 é uma daquelas continuações que respeitam o original sem sentirem a obrigação de basicamente repeti-lo – e, assim, ficarei feliz caso a série venha a ganhar novos capítulos, mesmo que estes demorem outros tantos anos. Afinal, uma das muitas vantagens das animações é que seus personagens não precisam envelhecer nunca.

Observação: há um detalhezinho bobo no fim dos créditos e só.

30 de Junho de 2018

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Assista também ao videocast sem spoilers sobre o filme:

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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