por Pablo Villaça
Alan Rickman tinha 69 anos de idade. Como Bowie. Mas tinha também mil faces.
Eu o descobri em 1988 com o resto do mundo. Sentado no balcão do cine Jacques, em Belo Horizonte, me vi fascinado diante do sofisticado vilão que falava com uma dicção perfeita, adorava pausas de efeito ("You asked for miracles. I give you the F... B... I.") e pensava com agilidade ("Clay. Bill Clay."). Sua expressão de pânico ao despencar do Nakatomi humanizava o tipo de personagem que costumamos ver morrer de forma distante e impessoal. Sua longa queda rumo ao chão era retratada de forma quase sádica por John McTiernan. Ao ouvir o ruído de seu corpo atingindo o solo, percebi que parte de mim gostava de Hans Gruber.
É isso que faz um grande ator: desperta simpatia por qualquer personagem - mesmo que ao mesmo tempo o odiemos.
Anos depois, ele faria exatamente isso com aquele que o apresentaria para toda uma nova geração de cinéfilos: Severo Snape. Ao vê-lo com o penteado liso e escorrido e um modo estudado de soltar cada sílaba, como se as palavras saíssem da boca de Snape com uma dose extra de veneno, lembrei da fascinação despertada por seu primeiro vilão. E percebi que, por mais que odiasse Snape, eu não conseguia realmente ODIÁ-LO em caixa alta. A velha humanidade acrescentada por seu intérprete não permitia.
Assim, à medida que J.K. Rowling foi lançando seus livros seguintes (aqueles que vieram depois do primeiro filme), eu lia as ações de Snape no papel e torcia por sua redenção e para vê-lo se revelar mais do que um lacaio de Voldemort. A caracterização de Rickman tornou a criação de Rowling melhor e mais complexa. E desconfio fortemente de que Snape teria sido significativamente diferente nos livros finais caso outro ator o tivesse encarnado no Cinema.
No meio tempo, claro, Rickman ofereceu muitas performances marcantes: divertiu com sua vilania excessiva no Robin Hood de Kevin Reynolds; quase redimiu o fraco Closet Land com seu carisma invejável; explorou seu timing cômico como o impaciente mensageiro divino de Dogma; confirmou seu talento para a comédia ao exibir o embaraço de um ator esnobe preso a um personagem absurdo em Heróis Fora de Órbita; e, claro, comoveu e divertiu como o dividido marido de Emma Thompson em Simplesmente Amor.
Também se destacou em obras como Razão e Sensibilidade, Sweeney Todd e Perfume e, não podemos nos esquecer, quase roubou a cena apenas com sua voz melancólica (e, consequentemente, hilária) como o Marvin de O Guia do Mochileiro das Galáxias.
Sim, Alan Rickman realizou muito. E ainda assim foi cedo demais. Não é qualquer ator que consegue levar tantas pessoas às lágrimas ao dizer apenas cinco palavras. Rickman, claro, não teve problema algum em realizar este feito.
As palavras?
"You have your mother's eyes."
Obrigado por tudo, Snape.