Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
03/05/2013 | 01/01/1970 | 4 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Imagem/Fox | |||
Duração do filme | |||
104 minuto(s) |
Dirigido por Antônio Carlos da Fontoura. Com: Thiago Mendonça, Laila Zaid, Bruno Torres, Daniel Passi, Sandra Corveloni, Marcos Breda, Bianca Comparato, Conrado Godoy, Nicolau Villa-Lobos, Sérgio Dalcin, Ibsen Perucci, Edu Moraes, Leonardo Villas Braga.
Somos Tão Jovens é, como filme, uma versão do próprio Renato Russo: a princípio desajeitado e parecendo querer impressionar com uma maturidade que ainda não se encontra toda lá, o longa dá vexames ocasionais e irrita em certos momentos, mas, quando nos damos conta, estamos de fato envolvidos por seu carisma, impressionados com seu alcance e chegamos a lamentar sua partida súbita.
Aproveitando os bons créditos iniciais para guiar o espectador rapidamente pela infância do músico, a narrativa finalmente nos deposita na Brasília de 1976, quando um Renato Russo (Mendonça) ainda adolescente se mostra encantado por poesia, filosofia e música. Algum tempo depois, ao descobrir os Sex Pistols, ele se deixa envolver pelo efeito libertador do punk rock em um país ainda dominado pela ditadura e aos poucos se torna elemento seminal do cenário musical da capital do país em um momento no qual bandas que marcariam a década de 80 começavam a dar as caras (entre elas, Plebe Rude e Capital Inicial, num período abordado no documentário Rock Brasília). Mantendo uma relação instável com a amiga/interesse romântico ocasional Ana (Zaid), Renato também enfrenta desentendimentos com o parceiro de banda Fê Lemos (Torres) ao mesmo tempo em que se vê atraído pelo irmão deste, Flávio (Passi).
Escrito por Marcos Bernstein (Central do Brasil, O Outro Lado da Rua, Zuzu Angel), o roteiro de Somos Tão Jovens escapa da armadilha mais comum em cinebiografias e evita conferir um caráter episódio à história, que aqui soa fluida e natural mesmo recontando passagens da vida do protagonista espalhadas por vários anos. Aliás, o design de produção faz um competente trabalho de recriação de época de forma econômica através, na maior parte das vezes, de elementos específicos do cenário (como toca-discos, sofás e telefones) – o que, claro, não desculpa alguns tropeços lamentáveis como o cenário que representa a sala de estar da família Manfredini e que parece ter saído de uma sitcom barata da década de 70. Além disso, algumas das pontes musicais empregadas como transições de tempo soam por vezes óbvias e artificiais, parecendo apenas como oportunidades vazias de utilizar o repertório do Legião Urbana.
Igualmente problemática é a tendência do veterano cineasta Antônio Carlos da Fontoura de marcar a introdução de personagens importantes com closes óbvios – e o que mais chama a atenção é aquele utilizado no instante em que Flávio Lemos entra na narrativa, quando, depois de ser apresentado a várias pessoas, Renato ouve o nome do futuro parceiro de banda, que se torna o único a ganhar um primeiro plano rápido e desajeitado. Isto, porém, nem se compara à cena absurdamente constrangedora que traz uma conversa entre Russo e Herbert Vianna (Moraes, numa imitação digna de Zorra Total) numa tela dividida atroz. E só não reclamarei dos momentos nos quais o protagonista diz coisas como “Que porra de país é esse?”, “Que gente esquisita” e “tédio com um T bem grande” porque Forrest Gump fez algo similar, mas infinitamente mais patético, com John Lennon.
Mas estes problemas são as espinhas no rosto do adolescente com alma de poeta – e mesmo que, de tão inflamadas, às vezes nos distraiam do que está sendo dito, elas acabam desaparecendo sob as várias virtudes do garoto/filme. Neste aspecto, o elenco merece créditos mesmo que, aqui e ali, uma composição caricatural surja do nada (como aquelas oferecidas por Sandra Corveloni – tão incrível em Linha de Passe – e Marcos Breda) – e além do eficiente Bruno Torres, que transforma Fê Lemos em um antagonista necessário, mas jamais unidimensional, há a excelente Laila Zaid, que compõe Ana com sensibilidade fundamental para que entendamos a dependência que Russo passa a sentir com relação à sua companhia. E já que mencionei Renato, é inevitável apontar que a performance magistral de Thiago Mendonça confere coração e alma à narrativa. Capturando os trejeitos, os tiques faciais e as inflexões características do cantor (como sua enunciação marcada das palavras em inglês), o ator se transforma em Renato Russo sem parecer estar apenas imitando o sujeito – e ao vê-lo roer as unhas, por exemplo, não só nos lembramos de outro maneirismo do músico como percebemos seu tumulto interior. Trata-se, enfim, de uma composição fenomenal. Mais: absolutamente linda.
Perdendo pontos por demonstrar uma triste covardia diante do autoproclamado pansexualismo de Renato, já que o traz beijando Ana, mas apenas trocando olhares e bem comportadas carícias com outros homens (demonstrando como Russo, há 20 anos, era mais corajoso que boa parte dos artistas em 2013), Somos Tão Jovens comprova sua eficácia como narrativa ao chegar ao fim em um ponto perfeitamente aceitável da trajetória do personagem e, ainda assim, deixar a sensação de que poderíamos acompanhar o músico por mais alguns anos de sua vida – e é igualmente indicativo o fato de, ao vermos o verdadeiro Renato Russo, o aceitarmos como uma continuação legítima daquele criado por Thiago Mendonça.
Que, aliás, provavelmente devastaria os fãs do Legião caso viesse a protagonizar uma outra produção que acompanhasse o líder da banda até seu trágico fim (isto é um elogio) – e mesmo que ver a agonia de Renato Russo não seja algo que me atrairia particularmente, qualquer desculpa para ouvir seus versos novamente seria bem-vinda.
07 de Maio de 2013