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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
09/02/2007 01/01/1970 5 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
130 minuto(s)

Pecados Íntimos
Little Children

Dirigido por Todd Field. Com: Kate Winslet, Patrick Wilson, Jackie Earle Haley, Jennifer Connelly, Gregg Edelman, Noah Emmerich, Raymond J. Barry, Phyllis Somerville, Sadie Goldstein, Ty Simpkins, Helen Carey, Jane Adams e a voz de Will Lyman.

Em certo momento de Pecados Íntimos, uma garotinha observa atentamente várias mariposas ricocheteando desnorteadas em uma lâmpada da via pública, mostrando-se fascinada com a ação ilógica e auto-destrutiva dos insetos. Não é à toa que o cineasta Todd Field inclui esta imagem em seu segundo filme (o primeiro foi o intenso Entre Quatro Paredes), já que ela serve como metáfora perfeita para as atitudes de seus personagens, cujos impulsos e desejos, por mais irracionais que sejam, são levados a cabo mesmo sob pena de resultarem em desastre para todos os envolvidos.


Escrito por Field e Tom Perrotta a partir do livro deste último, Pecados Íntimos nos apresenta a Sarah (Winslet), uma jovem mãe que abandonou temporariamente suas ambições acadêmicas para cuidar da filha pequena. Freqüentando um parque próximo à sua casa, ela observa suas reprimidas e alienadas amigas (uma loira, uma ruiva e uma morena) enquanto estas emitem julgamentos preconceituosos sobre tudo e sobre todos, numa rotina que a sufoca cada vez mais. É então que ela conhece Brad (Wilson), um bacharel em Direito que, sem conseguir passar na prova da Ordem dos Advogados, permanece em casa cuidando do filho enquanto sua esposa trabalha como documentarista de uma rede de televisão. Aos poucos, Sarah e Brad se tornam próximos e passam a se desejar, o que arrisca destruir a existência relativamente tranqüila que levam e que só é perturbada pela preocupação com a notícia de que Ronnie McGorvey (Haley), um ex-presidiário condenado por se expor para uma garota menor de idade, está morando nas redondezas.

Análise delicada sobre a condição humana, Pecados Íntimos oferece um olhar complexo e sensível sobre o conflito constante entre nossos desejos e nossa Razão (ou, se preferirem, a velha guerra entre Id e Superego): torturados por impulsos que os colocam em guerra com algumas das convenções mais sólidas de nossa Sociedade (como a fidelidade conjugal), os personagens deste filme freqüentemente cedem às tentações que lhes cruzam o caminho, já que a irresponsabilidade da ação impensada traz consigo o prazer de sentir vivo, jovem e audacioso. Não que eles percam de vista a seriedade de suas atitudes – como poderiam, se são obrigados a conter o desejo por estarem ao lado das crianças que tiveram com outras pessoas? (Mesmo quando conseguem ficar sozinhos, a lembrança do adultério é evocada por simples objetos, como uma cadeirinha de criança no banco traseiro do carro.)  Porém, somos criaturas complexas que, muitas vezes e mesmo contra todas as probabilidades, não hesitam em arriscar a estabilidade de uma vida plenamente satisfatória em prol de uma emoção momentânea mais intensa.

Mas o que Sarah e Brad buscam, é preciso dizer, não é o mero prazer do sexo: esgotados pelos conflitos e dificuldades que todo casamento traz, eles sentem uma necessidade colossal de estabelecer um contato “real” com alguém; precisam sentir que há ao menos uma pessoa que ainda se interesse por seus sonhos e se preocupe com seus dilemas. Sim, Brad é casado com uma mulher belíssima e inteligente (Connelly, sempre maravilhosa), mas, a partir de certo ponto, torna-se difícil manter vivo um relacionamento que parece ter se tornado uma mera parceria comercial que envolve discussões constantes sobre orçamento e corte de gastos. Assim, quando Sarah confere importância a uma partida de futebol americano disputada por Brad, o sujeito se embriaga com o sentimento de ser novamente valorizado por uma mulher – mesmo que seja com relação a algo tão prosaico.

Obrigado a assumir uma vida de adulto ainda muito cedo, depois de perder a mãe, Brad passa horas observando um grupo de skatistas adolescentes como se lamentasse a juventude que sacrificou sem perceber – e quando Sarah surge em seu caminho, ele parece encará-la como uma oportunidade única de agir inconseqüentemente, apenas pela satisfação de se deixar levar pelo momento (e Patrick Wilson, depois da bela performance em MeninaMá.com, volta a impressionar com seu trabalho neste filme). Enquanto isso, Sarah, um pouco mais racional (mas não muito), percebe com clareza que seu interesse por Brad é, em grande parte, fruto de sua carência afetiva, já que seu marido é um homem frio e inacessível – e ela chega a se mostrar disposta a sacrificar seu desejo físico por Brad apenas pela oportunidade de ficar ao seu lado. Isto, é claro, logo desaba quando eles finalmente se entregam um ao outro, quando, mais uma vez, ela se deixa contaminar por inseguranças e carências, tornando-se obcecada, ainda, com a aparência de sua rival (algo que Winslet, atriz talentosíssima, retrata com incrível sensibilidade). Sempre há algo que comprometa nossa felicidade: se não temos alguma coisa, a desejamos; se já a temos, receamos perdê-la.

Mas se Sarah e Brad ainda estão vivendo o processo de entregarem-se a um impulso que poderá resultar em dor e tristeza, o trágico Ronnie McGorvey já está na fase da punição: pedófilo condenado, ele lamenta seus desejos e tenta levar uma vida comum (um dilema também abordado no ótimo O Lenhador, com Kevin Bacon), mas parece incapaz de controlar os próprios impulsos. Embora jamais tente justificar as ações do personagem (seu efeito nocivo sobre uma garota já psicologicamente fragilizada leva o espectador a desprezá-lo, em certo momento), o roteiro de Field e Perrotta busca ilustrar suas demais facetas, como o amor de Ronnie pela mãe. Além disso, somos constantemente levados a nos identificar com o sujeito em função da perseguição que este sofre por parte de Larry (Emmerich), um ex-policial determinado a mantê-lo amedrontado. Da mesma maneira, ao utilizar a câmera subjetiva na cena que se passa em uma piscina pública, Field força ainda mais esta aproximação entre Ronnie e o espectador, já que o comportamento da multidão chega a ser repulsivo em sua natureza de manada ameaçada (ainda assim, confesso que não sei se, individualmente, eu agiria de maneira diferente – algo que admito com constrangimento). Além disso, a personalidade infantilizada do personagem, realçada pela magnífica interpretação de Jackie Earle Haley, desperta pena: como não ficar comovido ao testemunhar sua necessidade de ouvir coisas boas sobre si mesmo, ainda que estes elogios sejam absurdamente inócuos (como sua disposição em comer tudo que sua mãe lhe oferece)?

Aliás, nosso olhar benevolente acerca de Ronnie deve-se, em grande parte, à nossa simpatia por sua mãe, vivida pela excelente Phyllis Somerville: quando ela diz que o filho não é uma pessoa má apenas por ter feito algo ruim, seu amor pelo rapaz surge de forma tocante, intensa – e seu desespero palpável nas poucas palavras escritas em um bilhete torna difícil nossa tarefa de conter as lágrimas. Da mesma forma, a preocupação de Brad com o pequeno Aaron e de Sarah com sua filha Lucy são elementos fundamentais em Pecados Íntimos, que traz, como subtema óbvio, os sacrifícios que todos fazemos por nossos filhos, que se tornam imediatamente as pessoas mais importantes de nossas vidas assim que chegam ao mundo: se entregar-se a um impulso possivelmente auto-destrutivo é algo que naturalmente exige coragem, abraçá-lo depois de se tornar pai (ou mãe) passa a requerer também uma dose imensa de egoísmo – e às vezes precisamos de um choque de realidade para percebermos que isto é inaceitável.

Apesar de algumas transições de cena mais elaboradas (a seqüência na piscina, que ilustra a passagem do tempo, é um bom exemplo), Todd Field oferece uma direção geralmente discreta, que não procura chamar atenção para si mesma, preferindo concentrar-se em seus personagens. Mesmo assim, é possível notar a forma inteligente com que o cineasta mantém Richard (Edelman) e Kathy (Connelly), os companheiros de Sarah e Brad, sempre como figuras distantes, com as quais temos pouca intimidade, refletindo exatamente o sentimento do casal principal. Também é admirável a idéia de utilizar o Narrador não apenas para descrever um ou outro incidente, mas como janela importantíssima para a alma dos personagens – e a elegância da narração chega a despertar a sensação de estarmos lendo um livro, o que é notável.

Ridiculamente traduzido no Brasil como Pecados Íntimos, o filme de Todd Field ilustra nosso eterno despreparo para lidar com as grandes questões da vida ou mesmo com nossos menores impulsos: podemos envelhecer e nos tornarmos pais e mães, mas, no fundo, continuamos sempre buscando um equilíbrio e uma felicidade quimérica que, justamente por assim ser, é simplesmente impossível de ser alcançada. Somos, assim, “crianças pequenas” (o título original), mas não menos admiráveis; afinal, como diz uma personagem do longa, sabemos que eventualmente tudo o que temos e somos chegará ao fim – e, apesar disso, continuamos a viver.

09 de Fevereiro de 2007

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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