Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
22/09/2006 | 14/04/2006 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
104 minuto(s) |
Dirigido por David Slade. Com: Ellen Page, Patrick Wilson, Sandra Oh, Jennifer Holmes, Gilbert John.
Houve um tempo em que ingenuamente acreditei que a forma mais autêntica para se conhecer alguém era através de contatos virtuais. Era a época dos BBS (na era pré-Internet no Brasil, por volta de 93, 94), das “redes de telemensagem”, dos chats esticados através dos “bancos de horas” e dos chamados EMUBs (Encontros Mensais dos Usuários de BBS). Em parte, sim, coisas de nerds, mas também uma tentativa de acreditar que, sem a distração da beleza ou da feiúra de nossos interlocutores, seríamos capazes de enxergar a essência destes – afinal, sem um rosto para despertar julgamentos instantâneos, talvez estas novas amizades se sentissem livres para finalmente se comunicarem aberta e francamente.
Obviamente, a fantasia durou pouco: bastava ir a um dos EMUBs para constatar que, na maior parte das vezes, a garota que se apresentava como sensível e inteligente era uma coisinha falastrona e superficial ou que o sujeito que dizia ser capaz de discutir O Poderoso Chefão de trás para diante não sabia sequer quem era Mario Puzo. O fato é que, em vez de permitir uma conversa livre dos pré-julgamentos estéticos, a Internet popularizou a falsidade ideológica: você não pode fingir ser bonito ou musculoso, mas pode se passar por profundo conhecedor da poesia de Mário Quintana ou por especialista em cultura turca. Se, durante um bate-papo virtual, alguém cita The Clash, uma rápida busca no Google te permite citar a letra de “White Riot” (All the power is in the hands / Of people rich enough to buy it) – mas se a conversa gira em torno das Spice Girls, basta outra procura para que você possa esnobar seus conhecimentos sobre “Spice Up Your Life” (Chicas to the front / Uh uh! Go round!). Quer uma prova? Simples: eu acabei de fazer isso.
Além disso, com a facilidade de procurar por seus “grupos de interesse”, já que as grandes salas de chat são divididas por temas, regiões ou faixas etárias, pessoas mal intencionadas descobriram, na Internet, um campo fértil para a caça – e as freqüentes prisões de pedófilos que usavam a rede para atrair suas vítimas comprovam isso.
Ah, mas não é assim que tantos pedófilos justificam suas ações – através da alegação de que suas vítimas não são tão inocentes quanto parecem e que, na realidade, foram eles os seduzidos? Como corretamente diz o roteirista Brian Nelson (através de seus personagens, claro), em certo instante de Menina Má.com, é muito fácil jogar a culpa sobre os ombros da criança. O fato é que desejar ser (ou, na impossibilidade de ser, ao menos parecer) mais velho é algo comum entre os adolescentes – e a sofisticação claramente artificial (e até engraçadinha, convenhamos) de tantas jovens reflete este esforço para soar mais “madura”, “vivida”. Assim, seduzir uma garota destas não é tarefa difícil para um homem sem escrúpulos ou caráter: basta fingir se impressionar com a precocidade de sua presa e a satisfação da vítima com a própria “maturidade” fará o resto. Porém, como Hayley brilhantemente explica em outro momento do filme, “só porque uma garota sabe imitar uma mulher, isto não significa que ela está pronta para fazer o que uma mulher faz” – e cabe ao adulto reconhecer esta diferença.
Pois Menina Má.com (ou, em inglês, “hard candy”, gíria usada para descrever garotas abaixo dos 18 anos) estabelece, na jovem Hayley, um símbolo de vingança contra homens como Jeff, que convenientemente se deixam “seduzir” por suas vítimas: depois de convidá-la a ir até sua casa, o fotógrafo é drogado e imobilizado pela menina que, então, dá início a um intenso jogo psicológico para levá-lo a confessar seus crimes do passado (que podem ou não envolver a morte de uma adolescente). Numa estrutura similar à do excepcional A Morte e a Donzela, o filme se concentra principalmente nos embates verbais entre Jeff e Hayley – e, embora não tenhamos muitas dúvidas sobre a fascinação (eufemismo) do sujeito por adolescentes, tampouco temos evidências para julgá-lo culpado por assassinato. Assim, a questão mais intrigante apresentada pelo longa diz respeito à dimensão dos planos de Hayley: o que ela tem em mente? O que pretende fazer? E por quê? (Em um dos poucos diálogos ruins do filme, ela diz representar “todas as meninas feridas” por Jeff, mas esta explicação não é suficiente para saciar nossa curiosidade.)
Inicialmente vestida com um casaco vermelho que inclui um capuz, Hayley torna-se, quase literalmente, a Chapeuzinho que finalmente punirá seu predador (o “lobo” Jeff) – e a jovem Ellen Page (a Kitty Pryde de X-Men 3) oferece um desempenho espetacular como esta improvável justiceira: sua transformação, ao longo da projeção, é algo que merece aplausos, já que, de mocinha de olhar inseguro, ela subitamente se revela um mistério a ser contemplado. Quem é Hayley? Este é seu nome real? Por que ela se mostra tão determinada a castigar Jeff? E por que ela acredita ter encontrado, no fotógrafo, o responsável pelo desaparecimento da tal garota? E, afinal de contas, qual sua ligação com esta? É uma atuação admirável que se torna ainda mais impactante pela juventude da atriz, que, aos 17 anos, se passa sem problemas por uma menina de 14.
Patrick Wilson, por sua vez, consegue a proeza de levar o espectador a se identificar com seu personagem; afinal, não sabemos com certeza se ele é ou não pedófilo e/ou assassino, mas sabemos que está sendo barbaramente torturado e que se encontra em posição de total vulnerabilidade – e é com sua situação que nos identificamos. Além disso, sua degradação emocional ao longo do filme é retratada com imensa intensidade e com uma sensibilidade surpreendente: quando Jeff chora ao ser confrontado com algumas revistas pornográficas que escondia em sua casa, somos levados a indagar se as lágrimas são fruto de sua frustração por ter sua intimidade e seus segredos expostos ou se surgem como verdadeiro lamento ao reconhecer sua doença.
Procurando estabelecer com maior clareza a diferença de idade entre Jeff e Hayley, o cineasta David Slade demonstra inteligência não apenas na escalação de Wilson e Page, mas também ao trabalhar com seus atores em determinadas características físicas e de composição que salientam este fato: ao retratar Jeff com óculos, barba e uma careca incipiente ao mesmo tempo em que mostra Hayley sempre sem maquiagem e com cabelos curtos que a rejuvenescem ainda mais, o diretor cria, no espectador, um incômodo mais forte com relação ao par – algo fundamental para que mergulhemos na situação que virá a seguir.
Outro bom elemento do trabalho de Slade diz respeito à forma dinâmica com que conduz a narrativa: reconhecendo a natureza teatral do roteiro (apesar deste ter sido escrito diretamente para o Cinema, ao contrário do já citado A Morte e a Donzela), o cineasta procura compensar a falta de ação através do movimento constante da câmera, de mudanças abruptas de ângulo, de cortes rápidos e de saltos inesperados no eixo, além de investir corretamente em um domínio absoluto de primeiros e primeiríssimos planos, já que, aqui, o mais importante é que possamos examinar minuciosamente as expressões faciais dos atores. Em contrapartida, ele dá um pequeno tropeção ao revelar de forma óbvia demais, nos primeiros minutos de projeção, o cartaz da moça desaparecida - o que já telegrafa para o público alguns acontecimentos que virão a seguir.
Traduzido de forma míope como Menina Má.com pelos distribuidores brasileiros, Hard Candy funciona, sim, como uma quase parábola sobre relacionamentos virtuais e a falsa percepção de que estes nos permitem conhecer verdadeiramente alguém, mas, mais do que isso, é uma análise inquietante sobre a relação vítima-algoz que, através de uma inesperada inversão de papéis, torna-se um conto de moralidade; uma tentativa curiosa de desabafo catártico em nome de incontáveis vítimas de predadores sexuais; e, em análise superficial, um exemplar moderno e eficiente do gênero exploitation.
22 de Setembro de 2006
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