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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
20/03/2002 01/01/1970 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
130 minuto(s)

Entre Quatro Paredes
In the Bedroom

Dirigido por Todd Field. Com: Tom Wilkinson, Sissy Spacek, Marisa Tomei, Nick Stahl, William Mapother, William Wise, Celia Weston, Veronica Cartwright e Karen Allen.

Assistir a Entre Quatro Paredes não é uma experiência prazerosa. Durante cerca de duas horas, o filme martela o espectador com situações trágicas, conflitos psicológicos dolorosos e personagens aflitos e sem rumo, transformando-se em um amargo estudo sobre o lento processo de cura percorrido por uma família. Aliás, nem mesmo o momento em que dois personagens discutem abertamente suas mágoas e culpas serve como alívio para a platéia – ao contrário: a impressão que tive foi a de que ninguém no cinema gostaria de estar presenciando aquela triste (e brutal) troca de acusações.


Ambientada em uma pacata cidade do litoral americano, a história gira em torno de Frank (Stahl), um jovem que se envolve com Natalie (Tomei), uma mulher mais velha, recém-divorciada e mãe de dois filhos pequenos. Obviamente, a relação não agrada muito a Ruth (Spacek), mãe do rapaz, que teme que aquilo seja algo mais do que um namoro de verão – algo que ela tenta discutir com o marido, que, por sua vez, não leva a situação muito a sério, chegando a sentir um orgulho velado por ver o filho ao lado de uma mulher tão atraente. Infelizmente, Richard (Mapother), o ex-marido de Natalie, também não aprova o namoro e assume uma postura agressiva que traz ainda mais preocupações a Ruth – e é então que um acontecimento trágico altera a vida de todos.

Escrito por Robert Festinger e Todd Field (que também assume a direção) a partir de um conto de Andre Dubus, o roteiro de Entre Quatro Paredes jamais assume uma postura tendenciosa com relação às motivações de seus personagens, o que permite que o espectador compreenda melhor a dinâmica do relacionamento entre estes: Frank, por exemplo, é retratado como um jovem ingênuo que se encontra disposto a largar os estudos por estar fascinado com a idéia de se tornar pai dos filhos de Natalie - o que evidencia sua imaturidade e nos leva a compreender a preocupação de sua mãe, já que também sentimos que ele virá a se arrepender de sua atitude no futuro. Por outro lado, não podemos deixar de simpatizar com a namorada do rapaz, que certamente merece ser feliz depois de ter sofrido nas mãos do ex-marido. Finalmente, somos perfeitamente capazes de entender a postura despreocupada do doutor Matt Fowler, pai de Frank, já que muitas vezes também não percebemos a dimensão real de determinados problemas até que seja tarde demais.

A principal conseqüência desta nossa identificação com os personagens pode ser percebida na segunda metade da projeção, quando Natalie e a família Fowler sofrem o impacto de uma perda e mergulham em uma rotina de recriminações e depressão: familiarizado com aquelas pessoas, o espectador também experimenta uma sensação de confusão frente à nova realidade, sem saber exatamente a quem deve oferecer sua simpatia. Por sua vez, o diretor Todd Field não torna nossa tarefa mais fácil, já que jamais permite que Ruth e Matt exponham claramente seus sentimentos, enquanto Natalie praticamente foge do convívio social (desaparecendo durante boa parte do filme). Além disso, o cineasta evita a armadilha do melodrama, substituindo lágrimas por cenas em que o silêncio dos protagonistas é mais doloroso do que qualquer choro convulsivo.

É claro que nada disso funcionaria caso o elenco de Entre Quatro Paredes não contasse com atores talentosos: Wilkinson, por exemplo, é extremamente bem-sucedido ao retratar Matt como um sujeito que se apega desesperadamente aos mecanismos burocráticos da justiça como forma de desviar a dor que está sentindo; enquanto Spacek é hábil ao ilustrar o sofrimento de Ruth através de seu rancor e de seu alheamento. Já Marisa Tomei prova novamente ser uma grande atriz graças à expressividade de seu olhar, que oscila entre o amor, a preocupação, o medo e a amargura. Além disso, eu jamais poderia deixar de mencionar os desempenhos de Nick Stahl, que cativa a platéia com o bom coração de Frank, e de William Mapother, que consegue a proeza de humanizar Richard em um momento crucial do terceiro ato da história.

Outro aspecto interessante do filme reside em sua trilha sonora, composta por Thomas Newman: em vez de tentar criar um acompanhamento melancólico para as cenas mais tocantes da história, ele restringe a trilha a pouquíssimos momentos, permitindo que o silêncio sirva como trilha de boa parte da projeção. Esta decisão se revela acertada ao conferir um tom ainda mais realista ao filme, já que, em nosso cotidiano, nunca temos a música ideal para cada ocasião (em certo momento da trama, Natalie e Matt têm uma difícil conversa em que muito é dito pelo embaraço com que eles se olham e pouco pelos diálogos – e a cena se torna ainda mais comovente graças à música ambiente do local em que eles se encontram, a balada romântica Baby, I Love Your Way, que pouco tem a ver com o que está ocorrendo naquele instante, mas que remete diretamente à perda da felicidade afetiva que ambos sofreram).

Apesar da chocante reviravolta que acontece no terceiro ato (e que pode desagradar a algumas pessoas, já que, de certa forma, trai a natureza de seus próprios personagens), Entre Quatro Paredes é um belo filme que compreende algo que Hollywood muitas vezes parece ignorar: nem sempre somos capazes de definir exatamente o que estamos sentindo (o que me faz lembrar de Magnólia, no qual o personagem de William H. Macy diz: `Eu às vezes confundo melancolia com depressão`). Depois de ver uma foto de Natalie sorrindo ao lado de certa pessoa, por exemplo, o médico vivido por Tom Wilkinson tenta analisar o sentimento que aquela visão lhe provocou e não consegue chegar a uma conclusão, o que, por si só, já significa muita coisa.

Em uma indústria comandada por heróis unidimensionais e enredos simplistas, Entre Quatro Paredes se destaca por não oferecer respostas definitivas para os dramas de seus protagonistas, o que talvez o condene a uma carreira não muito bem-sucedida nos cinemas – e isto é uma pena. Afinal de contas, é esta subjetividade que nos torna humanos.

1o. de Março de 2002

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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