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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
23/04/2004 10/10/2003 5 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
111 minuto(s)

Kill Bill: Volume 1
Kill Bill: Volume 1

Dirigido por Quentin Tarantino. Com: Uma Thurman, Lucy Liu, Vivica A. Fox, Daryl Hannah, Michael Madsen, David Carradine, Michael Parks, Chiaki Kuriyama, Julie Dreyfus e Sonny Chiba.

`O 4º Filme de Quentin Tarantino`: foi desta maneira pretensiosa que Kill Bill Volume 1 foi anunciado ao longo de sua campanha de divulgação. Porém, como o objetivo dos publicitários é justamente o de criar expectativa com relação ao produto que estão vendendo, não levei a arrogância do slogan em consideração. Isto é, até descobrir que os próprios créditos do filme traziam o tal letreiro. Ao que parece, Tarantino passou a acreditar na própria lenda e rendeu-se ao egocentrismo absoluto – mas, por mais relevantes que sejam Cães de Aluguel e Pulp Fiction, o fato é que o jovem cineasta está a anos-luz de possuir uma filmografia relevante como a de Francis Ford Coppola ou Robert Altman, para citar apenas dois exemplos. E nem mesmo o Mestre do Suspense se atreveu a divulgar Psicose como sendo `O 53º Filme de Alfred Hitchcock`.


Porém, apesar de precisar urgentemente de umas lições de humildade, Tarantino é mesmo um cineasta competente – algo que pode ser facilmente observado neste seu novo trabalho, que conta a história de uma mulher que é atacada por um grupo de assassinos profissionais (seus ex-colegas) no dia de seu casamento e permanece vários anos em coma. Quando desperta, a Noiva (seu nome jamais é revelado) parte em uma jornada de vingança contra os cinco matadores – mas antes usa o poder da sugestão para `desatrofiar` os membros, já que estes permaneceram imóveis por um longo tempo. Sim, este é o tipo de absurdo que permeia Kill Bill de ponta a ponta. A boa notícia é que Tarantino ainda possui o talento de levar o espectador a aceitar o inusitado como algo perfeitamente verossímil – ao menos, como recurso cinematográfico. Assim, confesso que ri ao perceber que daria 5 estrelas para este longa – mas qualquer outra cotação seria injusta e preconceituosa.

Não que Kill Bill não tenha suas deficiências: ao contrário de Cães de Aluguel e (especialmente) Pulp Fiction, o filme está longe de possuir o mesmo tipo de diálogos brilhantes que nos habituamos a esperar de Quentin Tarantino. Há alguns bons momentos, é verdade (ao se deparar com uma garotinha cuja mãe acabara de matar, a Noiva diz: `Quando você crescer, se ainda estiver se sentindo mal sobre isso, eu estarei esperando`), mas estes são poucos e falham em despertar o mesmo interesse que monólogos como o da `massagem nos pés` (Pulp Fiction), o do traficante que se depara com quatro policiais no banheiro (Cães de Aluguel) ou a justificativa de Ordell para matar Beaumont (Jackie Brown). Aliás, há uma conversa entre a Noiva e um veterano samurai (vivido por Sonny Chiba), em um bar, que tenta resgatar a dinâmica típica de Tarantino, mas sem alcançar o mesmo sucesso (embora divirta).

Por outro lado, é necessário reconhecer que Kill Bill não concentra seus esforços nos diálogos, mas na ação: concebido como uma homenagem aos filmes de artes marciais produzidos na China e no Japão nas décadas de 60 e 70, e também ao western spaghetti consagrado por Sergio Leone, este novo trabalho de Tarantino brinda o público com confrontos memoráveis entre seus personagens, apostando em coreografias inventivas (criadas por Chiba e por Yuen Woo-ping) e, é claro, em muito sangue (ainda assim, não sei se é apropriado dizer que Kill Bill é um filme violento, já que o exagero – proposital – do diretor faz tudo soar puramente cinematográfico, ou seja, falso. Assim, quando alguém tem a cabeça decepada, vemos o sangue esguichar de forma espetacular e absurda demais para ser levada a sério). Além disso, a decisão de não utilizar efeitos criados em computador para realçar as lutas (exceto para apagar os fios de arame que erguem os atores) merece aplausos, já que, ao contrário do que ocorria em Matrix Reloaded e Revolutions, não somos distraídos pela aparição repentina de um boneco digital no meio da ação. O resultado é que a seqüência em que a Noiva enfrenta dezenas de capangas é infinitamente mais eficiente do que aquela em que Neo se via cercado pelos clones do agente Smith. 

E se Tarantino não faz jus à sua fama no quesito `diálogos`, o mesmo não pode ser dito sobre sua direção, que se revela ágil, elegante e eficaz, contando com quadros bem compostos e com movimentos de câmera que recriam planos típicos dos gêneros que o filme homenageia, como os rápidos zooms e os closes fechados nos olhos dos atores. E, como de hábito, Tarantino cria uma longa tomada que é, por si só, espetacular, já que a câmera passa por baixo de uma escada, ergue-se para acompanhar a protagonista enquanto esta percorre um corredor e, finalmente, entra em um banheiro feminino. Aliás, os fãs do cineasta não se decepcionarão, já que Kill Bill conta com suas marcas registradas: telas divididas, letreiros espirituosos em vários momentos da projeção, podolatria, pessoas confinadas em porta-malas e, como já era de se esperar, uma trilha sonora recheada de clássicos da década de 70.

Já a estrutura não-linear da narrativa, que apresenta os acontecimentos fora da ordem cronológica (algo também típico de Tarantino), é incluída como mera distração, já que não desempenha função alguma (ao contrário do que ocorria nos trabalhos anteriores do diretor, quando ajudavam a criar tensão e a surpreender o espectador). Há algum motivo para que a segunda vítima da Noiva seja enfocada antes da primeira? É claro que o confronto com O-Ren Ishii (Liu) é mais espetacular e deveria realmente representar o clímax da história, mas, então, por que transformá-la na Vítima No. 1, em vez de Vítima No. 2, somente para inverter a ordem na edição? A resposta: porque é isso que esperamos de Tarantino, e só. O mesmo acontece na seqüência em que a luz se apaga durante uma determinada luta, permitindo que vejamos apenas as silhuetas dos combatentes: qual o motivo do blecaute temporário (alguém religa a luz assim que tudo acaba)? Nenhum, a não ser o de permitir justamente que o cineasta crie uma bela tomada em contraluz.

Em contrapartida, a decisão de mostrar a origem de O-Ren Ishii através de uma seqüência em anime é absolutamente genial, resultando em um dos melhores momentos do filme – e seria impossível alcançar um efeito mais brutal utilizando atores de carne-e-osso, já que a expressividade da animação é inigualável. Da mesma forma, a direção de arte de Kill Bill desempenha um papel fundamental na narrativa, criando os ambientes ideais para cada embate (a luta na neve, em particular, se destaca das demais).

Incluindo referências aos trabalhos anteriores de seu roteirista e diretor (como a presença do policial que é assassinado no início de Um Drink no Inferno), Kill Bill decepciona em um único quesito: representa apenas metade de uma história. Ao contrário do que ocorria em O Senhor dos Anéis, De Volta para o Futuro 2 e 3 e, de certa forma, em Matrix Reloaded e Revolutions, este novo meio-filme de Tarantino não foi concebido para funcionar como duas partes, sendo dividido apenas como jogada financeira da Miramax, que decidiu obrigar o público a pagar dois ingressos para ver um único longa-metragem.

Taí outro atentado que merecia uma vingança por parte da Noiva.

3 de Janeiro de 2004

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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