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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
02/04/2015 31/12/2014 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
Paris
Duração do filme
125 minuto(s)

O Ano Mais Violento
A Most Violent Year

Dirigido por J.C. Chandor. Roteiro de J.C. Chandor. Com: Oscar Isaac, Jessica Chastain, Albert Brooks, David Oyelowo, Alessandro Nivola, Elyes Gabel, Catalina Sandino Moreno, John Procaccino, Glenn Fleshler, Jerry Adler.

Embora diferentes em épocas, estilos, tramas e gêneros, há uma similaridade fascinante entre O Ano Mais Violento e meu amado O Poderoso Chefão: ambos giram em torno de personagens que relutam imensamente em abraçar a violência e o crime como modo de vida mesmo quando o mundo ao seu redor parece conspirar para que isto aconteça. Além disso, ainda que as trajetórias de Abel Morales e Michael Corleone sejam opostas de certa maneira, é impossível não notar como a composição de Oscar Isaac remete à de Al Pacino, já que ele compõe Abel como um de postura fria e contida que, apesar disso, é capaz de sugerir um perigo iminente através do olhar intenso com que encara os inimigos.


Terceiro longa-metragem escrito e dirigido por J.C. Chandor, o filme comprova o talento deste para conseguir extrair uma palpável atmosfera de tensão a partir das ambientações mais improváveis: se Margin Call – O Dia Antes do Fim se passava num escritório de finanças às vésperas do colapso em 2008 e Até o Fim acompanhava um homem empacado em alto mar, O Ano Mais Violento gira em torno de um indivíduo que, dono de uma companhia de distribuição de combustível na Nova York de 1981 (o “ano mais violento” de sua História), vive sob a pressão de conseguir dinheiro para fechar a compra de uma propriedade enquanto seus caminhões são constantemente roubados por indivíduos desconhecidos. Concorrentes? Inimigos do pai de sua esposa Anna (Chastain), que era um gângster famoso? Ladrões comuns? Como se não bastasse, um procurador local (Oyelowo) insiste em processá-lo por crimes que ele desconhece, ao passo que um motorista de sua empresa (Gabel) acaba criando problemas adicionais ao reagir a uma tentativa de assalto.

Pontuando a narrativa com informes constantes acerca da violência crescente na cidade, Chandor transforma o cotidiano de Abel em um espaço preenchido por uma tensão densa como óleo – uma atmosfera ressaltada pela excelente fotografia de Bradford Young, que, seguindo a cartilha de Gordon Willis, parece testar os limites até os quais pode mergulhar os personagens na sombra sem que fiquem completamente invisíveis (ressaltando, com isso, a ambiguidade moral de praticamente todos os habitantes daquele mundo). Enquanto isso, o design de produção de John P. Goldsmith coordena as cores e tonalidades de cenários e figurinos para criar uma lógica particular bastante sutil que revela bastante sobre aquelas pessoas e suas motivações internas.

Para começar, é impossível não notar o grande casaco amarelo que Abel veste durante a maior parte da projeção e que remete claramente à imagem de sucesso e respeitabilidade que ele busca projetar (o dourado sendo frequentemente relacionado à ideia de riqueza) – e, da mesma maneira, é sintomático que ele surja sem o casaco justamente ao confrontar o promotor e também seus concorrentes, que não se preocupam com a falta de escrúpulos em suas rotinas profissionais. Aliás, não é à toa que, por exemplo, o personagem de Alessandro Nivola surge inicialmente de branco, mostrando-se simpático e receptivo ao protagonista, passando a exibir uma camisa azul com listras brancas posteriormente, quando suas motivações se tornam suspeitas – até que, finalmente, o vemos de preto quando expõe certas considerações ao herói (que, mais tarde, comenta que o sujeito “finalmente mostrou suas cores verdadeiras”).

De forma similar, é interessante notar como a Anna de Jessica Chastain alterna entre o azul (presente até na porta de sua casa, mostrando que aquela mansão representava uma aspiração sua, não do marido) e o vermelho, já que é uma figura bem mais explosiva (e, de certo modo, mais perigosa) que Abel – vermelho que, por sinal, ela oculta sob um casaco branco ao conversar com o promotor, quando tenta projetar uma imagem de decência e honestidade. E como não admirar o fato de que o único concorrente de Abel que parece se mostrar íntegro é justamente aquele cujo escritório, nada imponente, traz cores que remete diretamente àquelas presentes na vida do próprio protagonista?

Abel, aliás, é vivido por Oscar Isaac como um homem de fala calma e modos corteses cuja insistência em evitar problemas encontra eco na câmera de Bradford Young, que a movimenta pouco na maior parte do tempo – e, quando o faz, geralmente executa movimentos lentos e estudados (com exceção, claro, das sequências de ação – em especial aquela, excelente, que mantém o ponto de vista do espectador sempre colado ao de Abel em seu carro enquanto persegue um suspeito de roubá-lo). Além disso, o diretor de fotografia mantém os personagens frequentemente nos cantos de seus quadros, retratando-os assim tão encurralados quanto se sentem.

Plantando apenas sugestões sutis acerca do passado humilde de Abel (em certo ponto, descobrimos quase casualmente que ele costumava dirigir caminhões), o roteiro de Chandor cria personagens multifacetados que jamais poderiam ser classificados de maneira simples como “vilões” ou “mocinhos”: em certo ponto, por exemplo, dois ladrões se mostram claramente contrariados em sacar suas armas em público, temendo ferir algum inocente, ao passo em que um executivo de banco exibe constrangimento ao ter que agir... bom, como um executivo de banco. Enquanto isso, a dinâmica estabelecida entre Isaac e Chastain sugere uma relação amorosa, mas também combativa – e o fato de estes dois se conhecerem tão bem é algo que fica evidente quando apenas trocam alguns olhares antes de agirem de forma coordenada sob a ameaça de uma investigação.

Neste sentido, até mesmo os concorrentes de Abel, que poderiam ser vistos como antagonistas ameaçadores, ganham contornos psicológicos mais interessantes à medida que percebemos que basicamente herdaram os negócios de seus pais e buscam mantê-los – e a diferença com relação ao protagonista é que se mostram dispostos a tudo para que isso aconteça (além disso, logo se torna óbvio que Abel sabe bem menos do que a esposa e que seu advogado – vivido em tom melancólico por Albert Brooks -, o que ressalta sua situação de vulnerabilidade).

Trazendo um plano particularmente memorável em seus minutos finais, quando mostra dois líquidos diferentes escorrendo na lateral de um tanque de combustível e estabelecendo, assim, uma metáfora marcante sobre aquele universo, O Ano Mais Violento é um filme que não se preocupa em investir em ação ou reviravoltas óbvias para prender o espectador. Para isso, basta mergulhá-lo nas sombras sufocantes que já envolvem seus personagens.

02 de Abril de 2015

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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