Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
29/11/2013 | 01/01/1970 | 1 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Paris Filmes e Downtown |
Dirigido por Bruno Barreto. Com: Marcelo Serrado, Carolina Ferraz, Milhem Cortaz, Kátia Moraes, Alexandre Nero, Carlos Machado, Ivete Sangalo, David Brazil, Gaby Amarantos, Ana Maria Braga.
Há um motivo óbvio para que o novo filme de Bruno Barreto traga o subtítulo O Filme ao lado do nome do personagem-título: a necessidade de esclarecer que, embora soe mais como um episódio mal construído e produzido para a tevê, Crô é um “filme de verdade”. Ok, pode até ser, mas é um filme sem vida, sem estrutura, com erros gravíssimos no tom da narrativa, que constantemente confunde humor e histeria e que, de quebra, ainda consegue se estabelecer como um projeto homofóbico mesmo sendo roteirizado por um veterano que, gay assumido, já deveria ter maturidade suficiente para compreender os danos que um personagem como este pode trazer para uma minoria já tão hostilizada.
Baseado em uma criação de novela, Crô (Serrado) é um ex-mordomo que, milionário após receber a herança deixada pela ex-patroa, agora leva uma vida de luxo e excessos ao lado de seu segurança/motorista Baltazar (Nero) e da governanta Marilda (Moraes). Sentindo-se vazio e infeliz, ele tenta investir em várias carreiras, mas sem sucesso, finalmente concluindo que nasceu para servir a alguma “deusa” – o que o leva a anunciar, no programa de Ana Maria Braga (sim, o longa é co-produzido pela Globo Filmes; Crô não iria ao Raul Gil), que escolherá uma nova patroa. É aí que entra a cruel Vanusa (Ferraz), que, ao lado do marido Riquelme (Cortaz), comanda uma confecção sustentada por trabalho escravo e que resolve se candidatar ao posto de “deusa” de Crô.
Concebida por Aguinaldo Silva, esta é uma comédia (perdão: “comédia”) que, confesso, me deixa intrigado – mas pelos motivos errados. Ao longo dos intermináveis 86 minutos de duração deste desastre em formato digital, me vi incapaz de compreender o apelo de um personagem que nada mais é do que uma caricatura batida e tola que já soava esgotada nos programas de humor da década de 80 – o que levava comediantes talentosos como Chico Anysio a uma tentativa de subvertê-la ao acrescentar elementos até então inesperados, como a tentativa de autonegação (daí “Haroldo”, que tentava se passar por hétero sem sucesso). Assim, ver um personagem anacrônico como Crô nas telas de cinema em 2013 é algo no mínimo frustrante por denotar que: a) nossa investida em filmes de gênero ainda depende do óbvio e do esgotado; e/ou b) que há todo um público-alvo que nunca viu televisão, tem problemas graves de memória ou mantém-se preso a um triste humor adolescente.
Mas se falha em suas tentativas de fazer rir (ao menos, diante dos espectadores que não se encaixam no item “b” do parágrafo anterior), Crô se revela ainda mais patético em sua subtrama supostamente dramática, que, chupada de incontáveis produções norte-americanas, traz imigrantes ilegais que, lutando para entrar no Brasil, precisam atravessar a fronteira com a ajuda de bandidos que os forçarão ao trabalho escravo. Não que isto não ocorra em nosso país, pois ocorre (de fato, os bolivianos são usados em oficinas de costura), mas o roteiro de Silva enfoca a questão com um olhar repleto de clichês cinematográficos que torna tudo implausível e novelesco. O pior, no entanto, é perceber que esta subtrama é retratada pelo roteirista e pelo diretor Bruno Barreto com uma mão pesadíssima, criando personagens que surgem como monstros desumanos e vítimas indefesas, tornando impossível que encontremos leveza em um filme que supostamente deveria fazer rir (e como as partes cômicas já não funcionam por si mesmas, Crô se encaixa mais em tragédia do que comédia). Como se não bastasse, Silva não parece entender bem o conceito de “trabalho escravo”, o que fica evidenciado no momento em que a vilã de Carolina Ferraz grita com suas empregadas que estas “irão pra rua” caso não consigam manter o ritmo de produção.
Não sei, mas “demissão”, neste caso, me pareceria uma ótima alternativa.
Este diálogo, por sinal, é apenas um entre vários momentos inacreditáveis do roteiro, que ainda traz Crô discando para as autoridades e soltando um hilário (por motivos - mais uma vez - errados) “Alô, é da polícia? Sou eu!”. Assim, quando na maior parte do tempo as “tiradas” de Crô se resumem a expressões populares como “Larga do meu pé, chulé!”, creio que devemos nos sentir gratos por Aguinaldo Silva ao menos não estar tentando criar algo original e que resultaria apenas em mais embaraços. Aliás, chega a ser assustador que um profissional com a bagagem de Silva demonstre tamanha inaptidão ao conceber o roteiro de Crô, que não possui sequer uma estrutura narrativa identificável: em vez de atos, o longa traz apenas episódios isolados que eventualmente se encontram de maneira forçada em um “clímax” frouxo que se limita a trazer o protagonista gritando ordens para seu motorista. Sim, não é difícil entender as intenções do roteiro, que usa a garotinha imigrante como solução para a crise de identidade de Crô – mas não deixa de ser assustador que, para fazer com que seu herói encontre um propósito de vida, Aguinaldo Silva acredite ser razoável usar uma questão grave e real, chegando até mesmo a (eu gritaria “Spoiler”, mas quem se importa?) sacrificar a mãe da menina para permitir sua adoção pelo protagonista. Por outro lado, se nem mesmo a criança parece ligar para a morte da mãe, por que eu ligaria?
Enquanto isso, Bruno Barreto, outro profissional experiente o bastante para não cometer todos os erros aqui vistos, falha até mesmo ao não conseguir decidir que abordagem narrativa empregará: em um momento, parece querer investir na metalinguagem, com quebras de quarta parede, enquanto, em outros, apela para o que há de mais óbvio e envelhecido no gênero, como fast forwards supostamente cômicos (seriam se estivéssemos na década de 20) e efeitos sonoros engraçadinhos que acompanham os movimentos dos personagens (seriam engraçadinhos se estivéssemos... não sei... drogados?). Para completar, Barreto inclui merchandisings que, de tão grotescos em sua inserção nada sutil, parecem quase funcionar como antipropaganda das empresas anunciadas – e confesso que tomei até certa antipatia do Rei do Mate, embora seja viciado no mate com leite que oferecem.
(Nota: a frase anterior não foi merchandising pago pelo Rei do Mate – mas, se fosse, teria sido feito de maneira bem mais sutil e orgânica do que a vista em Crô.)
Incluindo participações de figuras como Ivete Sangalo (que se mostra uma atriz até competente), Ana Maria Braga (que se mostra um elemento para ocupar espaço em tela até competente) e Gaby Amarantos (que se mostra), Crô é eficaz ao comprovar que Carolina Ferraz tem o mesmo talento para a comédia que Danilo Gentili (nenhum) e que até mesmo um ator eficiente como Milhem Cortaz pode ser destruído por um roteiro e por uma direção que transformam o adjetivo “incompetente” em eufemismo (basta notar como o estranho sotaque do ator parece ir e voltar sem explicação). Enquanto isso, Alexandre Nero cria um personagem cuja principal característica é a homofobia e a capacidade de se mostrar irritado com qualquer coisa.
O que nos traz a Marcelo Serrado, que, embora carismático, é condenado ao fracasso artístico e moral ao se prender a uma criação que, ao ouvir gritos de “Veado!”, “Bicha!” e “Baitola!”, parece não se importar, revelando-se como o gay que todo homofóbico ama: aquele que, ao ser insultado, não só não se ofende como ainda reage com afetações que apenas comprovam sua natureza de ser estranho sem sentimentos ou senso moral.
E é por esta razão que, em vez de ser apenas um projeto ruim, Crô é também uma obra moralmente corrompida. Sim, é um “filme” - mas que será merecidamente esquecido no momento em que deixar os cinemas brasileiros após ter enchido os bolsos de seus vergonhosos realizadores.
10 de Dezembro de 2013