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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
01/01/1970 01/01/1970 5 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
95 minuto(s)

Vulcão
Eldfjall

Dirigido por Rúnar Rúnarsson. Com: Theodór Júlíusson, Margrét Helga Jóhannsdóttir, Þorsteinn Bachmann, Auður Drauma Bachmann.

Candidato da Islândia ao Oscar 2012, Vulcão é um filme extremamente sensível que comove não apenas pela delicadeza com que lida com seus personagens e os dilemas por estes vividos, mas também pela riqueza de seus quadros – e, neste sentido, não sei o que é mais surpreendente: constatar a juventude de seu diretor ou o fato de que este projeto marca sua estreia em longas metragens.

Escrito pelo próprio cineasta Rúnar Rúnarsson, o roteiro acompanha Hannes (Júlíusson), zelador de uma escola que, após 37 anos de trabalho, encontra-se prestes a se aposentar. Sisudo e defendendo uma postura severa para ganhar o respeito dos alunos, ele permanece isolado até mesmo em sua pequena festa de despedida – e o desconforto dos demais ao seu lado fica evidente nas breves tentativas de piadas feitas pelo diretor em um discurso improvisado e recebido com risos desanimados por todos. É somente ao ver-se sozinho em seu carro e prestes a ir para casa pela última vez que Hannes expõe sua dor ao espectador, já que, diante da esposa e dos filhos adultos, ele mantém a mesma postura distante e séria que adotou como estratégia profissional por tantos anos.

Assim, logo compreendemos o motivo por trás de seu desespero frente à aposentadoria: visto com frieza pelos filhos e até pelo neto pequeno, que o evita a todo custo, Hannes é o oposto de sua calorosa e amável esposa Anna (Jóhannsdóttir) – e, assim, o que lhe resta sem o trabalho? Exibindo um sorriso satisfeito apenas ao sair para pescar em seu pequeno barco, já que isto o leva a se sentir ainda útil e ativo (e a solidão da tarefa não atrapalha, claro), o sujeito acaba se descobrindo até mesmo sem esta última válvula de escape quando a embarcação começa a naufragar, obrigando-o a levá-la para casa a fim de tentar reparar os danos – o primeiro passo de uma série de incidentes que, culminando no derrame sofrido pela esposa, levam o protagonista a tentar abrir-se para o mundo. Isto, aliás, é o que há de mais comovente em Vulcão: o esforço do personagem em mudar sua postura não apenas por ver-se obrigado a fazê-lo, mas pelo desejo de se relacionar melhor com as pessoas – e as mudanças graduais e sutis experimentadas por Hannes são retratadas com talento e doçura pelo excelente Theodór Júlíusson.

Mas tão importante quanto a performance do ator é a riqueza da narrativa concebida pelo jovem cineasta: reparem, por exemplo, como Hannes surge literalmente despido no momento em que se dá conta da imagem que projeta aos filhos e percebam como isto reflete perfeitamente o sentimento de que ele se encontra – talvez pela primeira vez - completamente exposto e vulnerável. Da mesma maneira, Rúnarsson não perde a oportunidade de empregar a reforma do barco como uma metáfora da tentativa de Hannes de reconstruir a si mesmo, o que é admirável.

Adotando uma fotografia granulada que torna o universo do sujeito ainda mais triste e opressivo, Vulcão constantemente encanta pela riqueza simbólica de seus quadros, desde aquele que traz Hannes sentado sozinho em um banco de hospital enquanto seus filhos se encontram abraçados a alguns metros do pai até um outro que mostra o aposentado sentado na parte traseira do carro conduzido pelo filho, o que o infantiliza de forma evidente. Contudo, é mesmo na utilização brilhante dos reflexos que o cineasta se destaca – e há dois instantes em particular que já seriam o bastante para garantir nossa profunda admiração pelo diretor: aquele que enfoca Hannes recebendo do filho a notícia sobre a gravidade do estado de Anna enquanto esta é vista num reflexo difuso na porta, quase já como um fantasma, e o outro, absolutamente magnífico, que traz o protagonista visto pelo espelho e sentado no vaso sanitário, acuado e mergulhado num frio tom de azul, enquanto a maior parte do quadro é dominada por sua esposa, que dorme tranquila e banhada numa luz quente e agradável.

Enriquecido também pelo design de produção, que acerta ao cobrir as paredes da casa de Hannes com pinturas que remetem à sua ilha natal, o filme explora também as várias fotografias que trazem Anna e as crianças – retratos que, em certo momento, cercam Hannes e levam o espectador a enxergá-lo como um homem rodeado de memórias que, no entanto, insistem em excluí-lo.

Devastador ao retratar o estado de saúde de Anna, que alterna entre a sedação absoluta e um choro contínuo e sofrido que parece perfurar o coração do marido (e do espectador), Vulcão consegue ainda discutir com sensibilidade um tema tão complexo quanto a eutanásia sem reduzi-lo e sem parecer estar pregando – embora seja impossível acompanhar o sofrimento daquela mulher sem avaliar com cuidado o que faríamos no lugar de Hannes.

Se houver justiça no mundo, este Vulcão certamente deveria figurar - ao lado do iraniano A Separação - entre os indicados a Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2012.

Crítica originalmente publicada como parte da cobertura da Mostra de São Paulo 2011.

24 de Outubro de 2011

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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