Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
26/04/2013 | 01/01/1970 | 4 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Europa | |||
Duração do filme | |||
116 minuto(s) |
Dirigido por Matteo Garrone. Com: Aniello Arena, Loredana Simioli, Nando Paone, Nello Iorio, Raffaele Ferrante, Nunzia Schiano, Rosaria D’Urso, Giuseppina Cervizzi.
Quatro anos depois de ganhar renome graças ao seu ótimo Gomorra, o cineasta italiano Matteo Garrone retorna ao Cinema com este igualmente envolvente Reality – que, completamente diferente de seu trabalho anterior em tema, abordagem e tom, discute com eficiência a natureza superficial dos conceitos de “celebridade” e “fama” a partir de uma história divertida que, aos poucos, revela uma surpreendente melancolia subjacente.
Escrito a oito mãos pelo diretor ao lado de Ugo Chiti, Maurizio Braucci e Massimo Gaudioso (todos co-autores de Gomorra), o roteiro acompanha o vendedor de peixes Luciano (Arena), que, pai de família e marido dedicado, dá pequenos golpes para complementar a renda de casa. Considerado pelos parentes como uma espécie de palhaço da família, ele acaba conhecendo em uma festa o ex-BBI (Big Brother Itália?) Enzo (Ferrante), que, famoso graças à sua participação na versão italiana do programa, participa de eventos nos quais insiste em repetir seu bordão “Never give up!” (em inglês, mesmo). Cedendo à insistência da filha para fazer um teste para a próxima edição do Big Brother, Luciano acaba se convencendo de que está sendo observado pelos organizadores do programa em seu cotidiano, entregando-se a uma paranoia absurda enquanto encena uma versão de si mesmo para conquistar os tais produtores imaginários.
Primo temático de O Rei da Comédia, já que as ilusões e ambições de Luciano remetem bastante às do Rupert Pumpkin de Robert De Niro naquela obra de Scorsese, Reality faz a primeira de suas várias observações críticas a partir das aparições pontuais de Enzo, que parece viver numa constante tour autopromocional embalada por sua frase genérica e tola e por uma persona festeira absurda, pintando sua vida de celebridade como algo que traz baladas e superficialidade como substitutas de felicidade e substância. Sujeito medíocre e sem talento, Enzo é, assim, a encarnação de toda uma cultura de fama que transforma em ídolos figuras como Paris Hilton, Narcisa Tamborindeguy e Honey Boo Boo (pesquisem no YouTube; é deprimente demais para explicar aqui), que inexplicavelmente dominam capas de revista e ganham horas e horas de exposição na televisão embora nada tenham a oferecer de concreto à sociedade além de um espetáculo particular de egocentrismo e alienação.
Assim, não é à toa que Enzo contraste tanto com o protagonista, que trabalha de sol a sol e construiu uma vida perfeitamente feliz mesmo enfrentando todas as dificuldades do cotidiano de uma família humilde – e Garrone e seu designer de produção Paolo Bonfini ressaltam esta alegria através dos ambientes coloridos e agradáveis que compõem a vizinhança e as residências de Luciano e seus parentes. (Neste sentido, aliás, a escalação do elenco, com seus tipos físicos marcantes, remetem também a um universo quase felliniano, o que se mostra bastante apropriado diante da temática do longa.) Porém, o elemento fundamental da narrativa, justamente por destacar a trajetória destrutiva da busca pela fama, é mesmo a atuação magistral de Aniello Arena, que transforma Luciano em um homem sempre alegre e carinhoso que, aos poucos, perde de vista as prioridades que realmente o faziam feliz – e é digno de nota que o ator seja, na realidade, um ex-matador da Máfia que se encontra cumprindo pena de prisão perpétua há 20 anos, já que isto não poderia contrastar mais com a natureza calorosa do personagem (Garrone conseguiu permissão para que Arena deixasse a prisão durante o dia para rodar o filme).
Tecnicamente ambicioso, Reality ainda impressiona pelos vários planos-sequência memoráveis criados pelo diretor e por seu diretor de fotografia Marco Onorato, começando já com aquele que abre o filme e que, de uma visão aérea de Nápoles, passa a acompanhar de perto uma carruagem que anacronicamente percorre as ruas da cidade – uma lógica visual que amarrará a narrativa com o plano final, criando uma rima temática admirável. Além disso, Garrone é hábil ao sugerir a natureza paranoica de Luciano através de uma profundidade de campo pequena em vários instantes, quando elementos fora de foco parecem observar o sujeito à distância, e pela utilização de quadros que sugerem o próprio posicionamento das câmeras de um reality show.
Construindo ainda uma relação metafórica entre religião e fama através dos eventos retratados no terceiro ato, que parecem sugerir (acertadamente) que a celebridade é uma obsessão quase religiosa nos dias de hoje, quando, além disso, elevamos ao posto de semi-deusas criaturas como Neymar e Michel Teló, Reality é uma obra inteligente, engraçada e profundamente relevante.
Crítica originalmente publicada como parte da cobertura da Mostra de São Paulo de 2012.
22 de Outubro de 2012