Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
15/11/2013 | 01/01/1970 | 4 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
Paris Filmes |
Dirigido por Francis Lawrence. Com: Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Woody Harrelson, Philip Seymour Hoffman, Liam Hemsworth, Lenny Kravitz, Stanley Tucci, Jena Malone, Amanda Plummer, Sam Claflin, Toby Jones, Jeffrey Wright e Donald Sutherland.
Ao escrever sobre o primeiro Jogos Vorazes, concluí o texto manifestando o receio de que, ao se concentrar excessivamente em subtramas políticas em vez de investir em seus heróis, a continuação pudesse se tornar menos interessante do que o belo original. Por um lado, eu estava certo ao prever que Em Chamas iria seguir este caminho (não li os livros, devo observar); por outro, errei ao acreditar que isto prejudicaria a narrativa, já que esta segunda parte consegue adicionar um intrigante subtexto ao universo habitado por aqueles personagens ao mesmo tempo em que desenvolve as relações entre estes.
Dando início à história já expondo o mundo cinza, nublado e triste que cerca a jovem protagonista Katniss Everdeen (Lawrence), Em Chamas rapidamente permite que o espectador perceba que, apesar de sua vitória no primeiro filme, a moça permanece presa a um cotidiano infeliz e opressivo. Aliás, encarada como ameaça pelo implacável Presidente Snow (Sutherland), que teme que a semente de esperança plantada pela moça ganhe raízes nos distritos oprimidos pela capital, Katniss é obrigada a manter a farsa do romance com o companheiro Peeta Mellark (Hutcherson), o que pode destruir seu namoro com Gale (Hemsworth). Como se não bastasse, Snow, aconselhado pelo novo coordenador dos jogos que dão título à série, Plutarch Heavensbee (Seymour Hoffman, enigmático), decide enviar os veteranos de volta à arena – mas agora enfrentando outros vencedores, o que torna tudo ainda mais perigoso.
Escrito por Simon Beaufoy (Ou Tudo Ou Nada) e Michael Arndt (Pequena Miss Sunshine, Toy Story 3), o roteiro de Em Chamas é inteligente ao criar um triângulo amoroso que jamais desvia muita atenção dos elementos tematicamente mais pesados da trama – e, além disso, há o fato de que ambos os homens interessados em Katniss se mostram dignos do afeto da garota, já que o filme evita optar por soluções fáceis, como tornar um deles repreensível ou eliminar algum dos concorrentes da narrativa. Assim, ao percebermos que a jovem se mostra dividida entre Peeta e Gale, compreendemos seu dilema e não somos capazes de antever uma solução que se mostre completamente satisfatória, o que confere uma eficiente melancolia à situação.
Porém, o mais fascinante é reparar como Katniss, por mais que se importe com seus pretendentes, jamais comete o erro de superdimensionar o romance, já que tem problemas infinitamente maiores com os quais se preocupar. Assim, ao contrário de boa parte das mocinhas retratadas por Hollywood (cof!-Bella Swan-cof!), a heroína de Jogos Vorazes é perfeitamente capaz de colocar os homens e suas aspirações românticas em segundo plano, sendo franca o bastante para explicar que apaziguar as inseguranças amorosas do namorado não é exatamente sua prioridade naquele momento, já que, ameaçada por Snow, ela precisa encontrar uma forma de proteger a família e a si mesma. Neste sentido, vale apontar, Katniss se revela uma mulher bastante pragmática, buscando atender às exigências do Presidente por saber que posicionar-se politicamente naquele instante irá resultar apenas em desastre. Assim, quando ela finalmente assume uma postura desafiadora, percebemos que isto não é fruto de um impulso ou (pior) de uma exigência de roteiro que precisa transformá-la em heroína, mas sim como resultado de reflexão, revolta e da pura necessidade de agir diante dos abusos do governante.
Igualmente admirável é perceber como o filme baseado no livro de Suzanne Collins reconhece o impacto provocado pelos acontecimentos do longa original, esforçando-se para retratar a dificuldade da protagonista de lidar com os traumas dos jogos e de ter sido forçada a matar para sobreviver (o que, em retrospecto, torna o alcoolismo do personagem de Woody Harrelson perfeitamente compreensível e até mesmo inevitável). E se Jennifer Lawrence surge novamente admirável ao retratar todas estas facetas da personagem, o veterano Donald Sutherland aproveita o maior tempo de tela para estabelecer Snow como um vilão digno do título – e é apavorante a maneira como o ator consegue fazer com que um elogio soe como ameaça (e não é à toa que seu palácio é banhado por luzes roxas, que, como também ocorria no original, são perfeitas por remeterem à morte e à destruição patrocinadas pelo sujeito).
Mais uma vez mantendo um difícil equilíbrio estilístico entre a crueza realista dos miseráveis distritos e o tom farsesco, quase caricatural, dos habitantes da Capital (que soam como se personagens de uma distopia de Terry Gilliam houvessem despencado em O Pianista), Em Chamas usa este contraste para tornar o abismo entre as duas realidades ainda mais revoltante. Além disso, ao trazer figuras coloridas como aquelas vividas por Elizabeth Banks e Stanley Tucci exibindo sinais claros de preocupação e tristeza, o filme ressalta o drama da situação e a mudança que Katniss está promovendo naquele universo e que tanto preocupa Snow.
Surpreendendo também ao alterar claramente a dinâmica dos jogos ao demonstrar a atitude ressentida dos veteranos, que agora parecem mais dispostos a enxergar uns aos outros como parceiros do que em assassinar qualquer um que cruze seus caminhos, o longa ainda usa o confronto como um claro comentário acerca do entretenimento vazio dos reality shows, que, com a desculpa do espetáculo, fabrica uma realidade que supostamente deveria apenas retratar.
Ainda assim, a principal discussão que Em Chamas propõe e que torna o projeto admiravelmente ambicioso para uma franquia adolescente de ação reside na estratégia criada por Plutarch para neutralizar Katniss e que consiste na mais pura campanha de desinformação, fabricando uma narrativa falsa que manipule a percepção dos cidadãos de Panem para que passem a condenar uma figura que mereceria sua admiração ou, no mínimo, seu respeito. Neste aspecto, é como se Plutarch e Snow se apresentassem como magistrados íntegros e éticos preocupados apenas em alertar a população para o “verdadeiro caráter” de Katniss, apresentando-a como uma figura obcecada apenas por dinheiro e poder e não como alguém interessado em ajudar os miseráveis de Panem ou alguém como uma história digna de aplausos – não importando se ela reside na realidade em uma casa simples e é o oposto da ficção criada pela mídia fascista de sua nação.
Uma mentira que, Em Chamas parece acreditar de forma otimista, pode acabar sucumbindo diante das convicções dos heróis, indicando uma esperança que, confesso, eu gostaria de – mas não consigo - compartilhar.
Que a ótima alegoria criada pela série Jogos Vorazes sirva então como necessária catarse.
20 de Novembro de 2013