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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
25/01/2013 01/01/1970 3 / 5 / 5
Distribuidora
Zeta Filmes
Duração do filme
90 minuto(s)

Direção

Werner Herzog

Elenco

Werner Herzog

Roteiro

Werner Herzog

Produção

Erik Nelson

Fotografia

Peter Zeitlinger

Música

Ernst Reijseger

Montagem

Joe Bini , Maya Hawke

A Caverna dos Sonhos Perdidos
Cave of Forgotten Dreams

Dirigido por Werner Herzog.

De acordo com os criacionistas, que tentam conferir aura de ciência à crendice através da expressão “design inteligente”, o mundo tem apenas dez mil anos. Seria curioso, portanto, escutá-los justificando a existência de um monumento histórico tão magnífico quanto a caverna de Chauvet, que, descoberta em 1994 por Jean-Marie Chauvet, Éliette Brunel Deschamps e Crhistian Hillaire, traz as pinturas rupestres mais antigas já vistas pelo homem – algumas com mais de 30 mil anos.

Transformada em uma verdadeira cápsula do tempo depois que sua entrada foi selada por um deslizamento de terra há cerca de 20 mil anos, a caverna foi vetada à visitação pública pelo governo francês, que busca, assim, preservar a integridade do achado – e, neste sentido, a entrada permitida ao cineasta Werner Herzog e à sua equipe representa talvez a única possibilidade que teremos de contemplar algumas das primeiras manifestações artísticas criadas no escuro e com carvão por nossos antepassados, bem como outras obras concebidas apenas pela ação da natureza e do tempo, como os depósitos de cristais de calcita sobre crânios de animais.

Impressionante pela escala das pinturas, pelo fato de estas visivelmente contarem pequenas histórias e por procurarem retratar o movimento dos animais através de sugestões gráficas (como um número maior de pernas), a caverna de Chauvet é encarada por Herzog, sempre fascinado pela Natureza, como um espaço quase religioso – algo manifestado nos corais que remetem ao sacro na trilha sonora e ao silêncio devotado que ele inclui em certa passagem do filme. Da mesma maneira, o rico design de som procura cercar o público com o gotejar constante da água que permeia as paredes da caverna enquanto a câmera do cineasta enfoca verdadeiras-obras primas como a cortina translúcida de pedra que desce das paredes do lugar.

Aventureiro como de costume, Herzog se esforça para ilustrar as dificuldades da filmagem apesar de jamais deixar o preciosismo de lado, levando os cientistas e a equipe que o acompanham a posar para a câmera enquanto fazem pequenas coreografias quase ritualísticas com as cabeças. Além disso, o diretor oferece alguns de seus belos insights habituais como ao comparar o jogo de sombras das cavernas com o próprio Cinema (citando, inclusive, Fred Astaire em Ritmo Louco) ou ao comentar que algumas das pinturas foram sobrepostas por outras feitas cerca de 5 mil anos depois (“Nós estamos presos na História, mas eles não estavam”). Em contrapartida, há outros instantes em que o cineasta obviamente força nas filosofadas, tropeçando especialmente na pretensão ao se perguntar o que um grupo de crocodilos albinos pensaria ao ver aquelas pinturas.

Hábil ao retratar a emoção dos cientistas diante das próprias descobertas e da magnitude daquela construção natural, Herzog volta a exibir sua notória sensibilidade ao investigar os sentimentos de seus entrevistados, sendo particularmente curioso perceber seu interesse acerca do passado de um arqueólogo que costumava trabalhar num circo (por outro lado, todo o segmento dedicado a um velho perfumista poderia ter sido descartado sem qualquer prejuízo à narrativa).

Optando por rodar o documentário em 3D por imaginar que desta forma as representações pictóricas poderiam ser melhor apreciadas pelo espectador, já que a superfície irregular da caverna desempenha papel importante na dinâmica das pinturas, Herzog acerta em sua conclusão sempre que o filme se concentra na geografia do lugar e nas gravuras, que, de fato, ganham vida através do 3D – e, em certos momentos, sentimos até o impulso de baixar a cabeça para não acertarmos alguma estalactite. Por outro lado, se há algo que não combina muito bem com o 3D é a câmera na mão e com excesso de movimentos – algo corriqueiro em Caverna dos Sonhos Perdidos, já que as limitações de tempo, espaço e permissão impediriam a utilização de tripés, dollies, etc. Como se não bastasse, frequentemente observamos graves distorções na tridimensionalidade do filme, como no instante em que duas cientistas se colocam diante de uma parede com vários pontos vermelhos e o fundo parece se destacar sozinho ou no plano que traz a câmera num aeromodelo e sendo agarrada por um membro da equipe (quando, então, a sensação é a de que ficamos vesgos subitamente). Além disso, há vários instantes em que as figuras humanas surgem achatadas como recortes de papel diante da profundidade da caverna, criando um efeito feio e obviamente incorreto.

Ainda assim, como o 3D funciona nos momentos que interessam de fato (os planos que exibem apenas as pinturas e as formações geológicas) e como o documentário nos oferece entrada a um lugar mágico e inigualável, Caverna dos Sonhos Perdidos é um filme que já merece aplausos desde sua gênese. E por falar em “gênese”, se os criacionistas usarem a desculpa habitual que já empregam para justificar a existência dos fósseis e disserem que os achados de Chauvet foram deixados por Deus na Terra com o objetivo de testar a fé dos homens, digo apenas que, se for este o caso, trata-se da pegadinha mais linda que a História já testemunhou.

Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura da Mostra de São Paulo de 2011.

04 de Novembro de 2011

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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