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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
18/11/2011 01/01/1970 2 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
87 minuto(s)

O Garoto da Bicicleta
Le gamin au vélo

Dirigido por Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne. Com: Thomas Doret, Cécile De France, Jérémie Renier, Fabrizio Rongione, Egon Di Mateo, Olivier Gourmet.

Os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne dirigiram, ao longo de sua carreira, ao menos duas verdadeiras obras-primas: O Filho e A Criança. Seguindo sempre uma estética e uma abordagem narrativa que muito devem ao neo-realismo, com seus longos planos que constroem a ação através da observação dos personagens e de seus comportamentos, os cineastas infelizmente parecem ter se acomodado em seu próprio estilo – e se O Silêncio de Lorna representava um esforço interessante, mas aquém do esperado, este novo O Garoto da Bicicleta soa apenas como os Dardenne sendo... os Dardenne.

Trazendo o estreante Thomas Doret como o personagem-título, o longa acompanha os esforços do garotinho Cyril para encontrar o pai (Renier) depois que este o deixou “temporariamente” em um internato. Recusando-se a acreditar que o sujeito teria vendido sua tão amada bicicleta, o menino acaba fugindo da instituição para visitar o apartamento no qual viviam, acabando por esbarrar com a cabeleireira Samantha (De France), que encontra a bicicleta com outra criança da vizinhança, comprando-a e entregando-a para o garoto. A partir daí, Cyril passa os fins de semana com a moça embora jamais estabeleça com esta uma aproximação real, mostrando-se mais interessado, por exemplo, em impressionar um jovem marginal local (Di Mateo).

Com a câmera mantida constantemente na altura dos olhos do pequeno protagonista, os Dardenne, como de hábito, investem em longos planos que buscam não só colocar o espectador no lugar de Cyril, mas também construir um universo verossímil a partir dos detalhes das ações dos personagens – como no instante em que Guy, o pai do menino, hesita ao pegar um dinheiro que lhe é entregue ou no momento em que um rapaz constata assustado as consequências de ter atirado uma pedra em alguém. Mantendo-se sempre em movimento ao seguir Cyril, que jamais permanece parado, O Garoto da Bicicleta traz um componente novo na filmografia dos Dardenne ao empregar passagens musicais como forma de ilustrar transições significativas na trajetória do menino, já que, de modo geral, os cineastas haviam sempre optado por empregar apenas sons diegéticos em suas narrativas – mas o fato é que a opção aqui feita funciona bem.

Talentoso e surpreendentemente natural para um estreante, o pequeno Thomas Doret retrata Cyril como uma criança que, provavelmente em função de uma vida ao lado de um pai despreparado, mostra-se sempre capaz de se defender, exibindo iniciativa diante de qualquer obstáculo. Por outro lado, sua dureza habitual ocasionalmente cede lugar a uma carência tocante, como no instante em que tenta buscar várias desculpas para prolongar um encontro com o pai ou ao sorrir brevemente diante de uma brincadeira feita por Samantha. De modo geral, porém, um dos grandes problemas de O Garoto da Bicicleta reside nas bruscas mudanças sofridas pelo menino a partir do terceiro ato, quando subitamente deixa de ser o agressivo marginal em construção para se tornar um garoto doce e dedicado à guardiã.

Neste sentido, aliás, a personagem vivida por Cécile De France também peca pela unidimensionalidade, já que é vista pelo filme como uma verdadeira santa desde sua primeira aparição em cena – e a partir de certo ponto torna-se difícil acreditar que alguém suportaria um comportamento tão violento por parte de alguém com quem nenhuma relação afetiva foi construída de fato (e este é outro imenso tropeço do longa, já que o amor de Samantha por Cyril surge instantaneamente, como num passe de mágica). Este descuido com os personagens – algo atípico no que diz respeito aos Dardenne – é recorrente em O Garoto da Bicicleta: se por um lado o bandido Wes demonstra cuidado com a avó, por outro suas más intenções com relação a Cyril são sempre óbvias, ao passo que o ultimato feito pelo namorado de Samantha (“Ele ou eu!”) é patético em sua artificialidade. Na realidade, o único que realmente se destaca em sua composição é mesmo Jérémie Renier, que aqui cria quase uma continuação de seu personagem em A Criança ao estabelecer Guy como um sujeito que, mesmo covarde e irresponsável, surge como um homem envergonhado do próprio egoísmo. (O elenco ainda traz o fantástico Olivier Gourmet, de O Filho, em uma ponta como um garçom.)

Usando a camisa sempre vermelha de Cyril quase como um componente de sua personalidade (e é sintomático que ele apareça usando uma blusa azul apenas na cena da audiência), O Garoto da Bicicleta comete o maior de seus erros ao superestimar a capacidade do público de tolerar um protagonista que beira o insuportável.

Não é um filme ruim, mas certamente é um ponto baixo na carreira de seus excepcionais diretores.

Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura da Mostra de São Paulo de 2011.

25 de Outubro de 2011

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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