Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
03/05/2013 | 01/01/1970 | 3 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Fox | |||
Duração do filme | |||
103 minuto(s) |
Dirigido por Danny Boyle. Com: James McAvoy, Vincent Cassel, Rosario Dawson, Danny Sapani, Matt Cross, Wahab Sheikh, Mark Poltimore, Tuppence Middleton.
Em Transe tem um design de produção instigante – e o uso que o filme faz das cores, por exemplo, criando uma estratégia visual particular, representa o sonho molhado de qualquer um que manifeste interesse por linguagem cinematográfica. Infelizmente, à medida que a narrativa vai caminhando, se torna dolorosamente claro que o roteiro de John Hodge e Joe Ahearne (baseado em longa para a tevê escrito e dirigido por este em 2001) é espertinho demais para seu próprio bem, revelando uma estrutura complexa que tenta apenas ocultar seu centro vazio. Uma coisa é ser ambíguo; outra, indeciso.
Abrindo a projeção com a narração do personagem de James McAvoy, que se dirige diretamente à câmera (uma abordagem que eventualmente se revelará injustificada), o filme nos leva aos bastidores de uma grande casa de leilões que se encontra prestes a vender um quadro de Goya. No entanto, quando uma quadrilha invade o evento, o auxiliar de leiloeiro Simon (McAvoy) aparentemente tenta evitar que a tela seja roubada e acaba recebendo uma pancada na cabeça. Logo, porém, descobrimos que ele fazia parte do plano e que agora, com amnésia, encontra-se incapaz de dizer onde escondeu a preciosa obra de arte. Desesperado, o líder do grupo, Franck (Cassel), submete o rapaz a sessões de hipnose comandadas pela terapeuta Elizabeth (Dawson) – que, aos poucos, revela ter seus próprios planos.
Não que Danny Boyle faça o menor esforço para ocultar a natureza misteriosa de Elizabeth, que já de imediato parece identificar algo em Simon e, logo em seguida, surge chorando ao pesquisar seu nome no Google – e o filme parece querer que questionemos as intenções da personagem. A partir daí, a narrativa gradualmente mergulha na confusão entre realidade e os “transes” do rapaz, mesmo que, de início, o cineasta busque separá-los bem ao empregar flares nas sequências de hipnose e cortinas que ajudam na transição entre mundos externos e internos. Claro que eventualmente as fronteiras se embaçam completamente, trazendo diálogos que podem tanto servir de ponte sonora entre as narrativas objetiva e subjetiva quanto como um recurso óbvio para misturá-las. Da mesma maneira, não demora muito até que planos específicos comecem a se repetir (como Simon batendo os dedos na janela) e mesmo figurantes passem a retornar sem explicação (como o entregador).
Aliás, se há algo perfeitamente claro em Em Transe é o fato de que Boyle e seu diretor de fotografia habitual, Anthony Dod Mantle, se divertiram imensamente durante a pré-produção enquanto concebiam a progressão estética da narrativa. Assim, se inicialmente os quadros inclinados e o uso frequente de reflexos surgem com certa discrição, eventualmente passam a imperar na projeção – e, de forma similar, as locações ganham um contorno onírico através da correção de cores na pós-produção (como na cena externa que traz Franck e Simon conversando quando este sai da casa de Elizabeth). Contudo, é mesmo na utilização do vermelho que a dupla concentra suas principais pistas, empregando-o não só num importante veículo, mas também na sala que abriga um tablet, na cobertura de um prédio, em uma rodovia vista em um plano aéreo e em vários outros momentos e cenários – e a escolha da cor é perfeita justamente por representar também a personalidade violenta de certo personagem.
No entanto, o design também exerce outro papel ao provocar uma intrigante confusão entre os personagens: inicialmente, por exemplo, a terapeuta veste roupas em tons claros que refletem seu consultório, mas logo substitui o figurino por algo mais escuro que a traz misturada à quadrilha de Franck – que, por sua vez, usa uma camisa de tom idêntico à de Simon durante uma conversa importante. Como se não bastasse, logo Elizabeth e Simon surgem com roupas parecidas nos instantes que precedem um encontro romântico. O resultado desta estratégia encontra reflexo (a palavra é apropriada) naquele que parece ser o tema-chave do roteiro: identidade (não é à toa que, em certo ponto, a moça indaga “O que faz uma pessoa ser aquela pessoa?”).
Como não poderia deixar de ser, as performances do elenco surgem fundamentais em uma discussão como esta – e se Vincent Cassel flutua bem entre a natureza inicialmente violenta de Franck e sua vulnerabilidade crescente, Rosario Dawson é hábil ao manter o espectador sempre na dúvida sobre as motivações de sua personagem, oscilando entre uma femme fatale e uma mulher pressionada por todos ao seu redor (e, de novo, é interessante que o sobrenome da terapeuta seja “Lamb”). Enquanto isso, James McAvoy faz um belíssimo trabalho ao encarnar Simon como um homem frágil e confuso que, no entanto, aqui e ali parece exibir a ponta de um iceberg construído de raiva e violência – como, por exemplo, ao gritar com um ciclista que quase o atingira e ao manifestar um sádico prazer diante da fobia de um membro da quadrilha.
E é precisamente por possuir tantas virtudes em seus aspectos puramente visuais e nas caracterizações de seu elenco que Em Transe acaba desapontando em seu ato final, que (e o restante deste parágrafo só deve ser lido por quem já viu o filme) leva o espectador a questionar tudo o que vira até então e até mesmo a existência de boa parte dos personagens. Por um lado, há a sugestão de que Simon tenha sido uma criação implantada por Elizabeth na mente de Franck – uma representação de sua natureza impulsiva e violenta -, mas isto traria furos colossais à trama, já que alguém teria que ter invadido o leilão para permitir que Franck/Simon fugisse com o quadro. Por outro lado, se Simon é real, o confronto final com Elizabeth seria absurdo, já que mesmo atingido por um carro e mergulhado nas chamas, ele permanece vivo para encará-la pelo para-brisa do carro. Em outras palavras: se Simon existiu, o final é implausível; se não existiu, o começo é que desaba.
Mas para Danny Boyle nada disso parece importar, já que aparentemente encontra-se encantado demais pelas possibilidades da lógica visual que criou para se incomodar com a (falta de) lógica da história que está contando. E mesmo que de certa forma Em Transe mereça créditos por ajudar a inaugurar um novo subgênero, o neon-noir (no qual eu também encaixaria Drive, diga-se de passagem), é frustrante constatar que tanto virtuosismo plástico é desperdiçado por, ao final, não fazer muito sentido.
03 de Maio de 2013