Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
01/01/1970 | 01/01/1970 | 3 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
75 minuto(s) |
Dirigido por Valerie Gudenus, Heloisa Sartorato.
Um ex-agente britânico do MI6, um brasileiro sexagenário e um ex-policial russo. Em comum, o fato de todos se declararem a nova encarnação de Jesus Cristo, o “filho de Deus”. Buscando observar estes personagens mais de perto – assim como seus respectivos seguidores -, o documentário Eu Sou Jesus, como não poderia deixar de ser, acaba se revelando um projeto divertido que, de forma indireta, acaba dizendo bastante sobre a religião como conceito, mesmo que esta não tenha sido aparentemente sua intenção original.
Revelando-se o mais absurdo dos três “candidatos”, o inglês David Shayler integra uma comunidade de neo-hippies que vivem a partir dos restos encontrados nas lixeiras de restaurantes – e não é coincidência que, de maneira absolutamente casual, o sujeito declara ter descoberto “ser Jesus ao tomar um chá de cogumelos”. Sem ser levado a sério nem mesmo por seus poucos companheiros (que, no entanto, encaram sua “identidade” sem preconceito algum), Shayler não hesita também em assumir a identidade do travesti Delores – e a cena em que, caracterizado como mulher, explica ser a nova encarnação de Cristo acaba se apresentando como um momento quase surreal. Ao mesmo tempo, não se torna difícil supor que a insistência do sujeito em assumir novas identidades seja um mecanismo para fugir de sua própria e triste realidade, que inclui relatos de abuso sexual na infância e uma passagem traumática pelo serviço de inteligência. Com isso, Shayler se revela simultaneamente o mais divertido e o mais trágico dos três personagens enfocados pelo documentário de Valerie Gudenus e Heloisa Sartorato.
E se o britânico não consegue convencer nem mesmo os seus dopados amigos de comunidade, o mesmo não pode ser dito sobre o russo Sergey Anatolyevitch Torop, que, assumindo nome de Vissarion, é reverenciado por cerca de quatro mil fiéis na Sibéria. Adorado por famílias inteiras que se agrupam em comunidades auto-suficientes no meio do intenso frio da região, o sujeito tem seu retrato exibido nas paredes de todos os lares e até mesmo das pequenas escolas localizadas nas várias vilas que o aceitam sem questionar como a Segunda Vinda de Cristo – e é assustador perceber como a seita inspirada no tal profeta (que fisicamente é o que mais se aproxima da representação clássica, loira e barbuda, de Jesus) se apresenta machista como... bom, como o cristianismo, o islamismo, o judaísmo e a maior parte das demais religiões de modo geral. Organizada a ponto de ter seus próprios cânticos, rituais e até mesmo um segundo Natal (que comemora, claro, o nascimento de Vissarion), a seita encabeçada pelo sujeito parece se beneficiar de sua ausência constante, já que ele mantém seus contatos com os fiéis a um mínimo, crescendo em função do mistério que surge como conseqüência.
O que se opõe diretamente ao nosso INRI Cristo, que não só vive em uma pequena comunidade ao lado de seus discípulos (na realidade, várias mulheres – na maioria, belas e jovens – e alguns poucos homens), como faz constantes aparições em programas populares das emissoras de tevê nacionais e locais. Parecendo não se importar em ser encarado como uma besteira divertida, INRI paradoxalmente demonstra levar sua condição de “filho de Deus” extremamente a sério, num comportamento que se reflete em suas discípulas: conhecidas pelos vários vídeos nos quais cantam paródias de músicas famosas homenageando seu mestre, duas delas reconhecem que são vítimas de deboche unânime, mas afirmam que até esta reação é bem-vinda, já que ao menos “levam o sorriso ao rosto das pessoas”. Mas talvez a revelação mais curiosa acerca do “messias” brasileiro diga respeito à sua natureza divertida: louco ou farsante, INRI Cristo é, acima de tudo, um sujeito que se mostra alegre e que obviamente inspira seus seguidores a viverem com alegria similar, já que as “inricristetes” surgem constantemente brincando e sorrindo diante das câmeras.
E é justamente esta observação que se torna a chave de Eu Sou Jesus: absurdos ou não, homens como Shayler e INRI não prejudicam ninguém – especialmente quando comparados a crenças infinitamente mais populares e antigas que custaram e custam as vidas de milhões de pessoas em todo o mundo e ao longo dos séculos. Claro que isto também se deve ao fato de que ambos contam com um número reduzido de seguidores, já que o mais popular Vissarion obviamente já se mostra responsável por prejudicar no mínimo as vidas de várias das famílias que o seguiram até o frio da Sibéria (algo que pode ser observado através do depoimento de um casal que parece à beira do divórcio graças à crença do marido no “messias”). Mas, mais do que isso, as afirmações destes três homens não são mais inacreditáveis do que as de pastores que prometem a salvação aos fiéis de bolsos largos, as do Papa que diz ter linha direta com Deus ao condenar o aborto, os anticoncepcionais e as pesquisas com células-tronco ou as de muçulmanos que se sacrificam acreditando que serão presenteados com 72 virgens no paraíso.
Perto destas figuras, INRI Cristo é o homem mais são que conheço.
02 de Novembro de 2010
Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura da Mostra Internacional de Cinema de SP 2010.
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