Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
01/01/1970 | 01/01/1970 | 4 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Dirigido por Feo Aladag. Com: Sibel Kekilli, Nizam Schiller, Derya Alabora, Settar Tanriogen, Tamer Yigit, Serhad Can, Almila Bagriacik, Florian Lukas, Ufuk Bayraktar.
Candidato da Alemanha a uma vaga no Oscar 2011, Quando Partimos é um filme forte e impactante que, protagonizado por uma figura complexa que se mostra incrivelmente frustrante em vários momentos, manda o público para fora da sala com uma sensação de profunda desesperança com relação à natureza humana. No entanto, à medida que as horas passam após a projeção, este trabalho comandado pela atriz austríaca Feo Aladag ganha raízes na mente do espectador, despertando diversas reflexões – e esta é, sem dúvida, a marca de um bom longa.
Escrito pela própria Aladag a partir de uma história real ocorrida em Berlim em 2005, Quando Partimos acompanha a jovem Umay (Kekilli), que morando na Turquia com a família do marido, é constantemente espancada por este, sendo ainda obrigada a testemunhar os maus-tratos sofridos por seu filho pequeno nas mãos do sujeito. Farta da situação, ela foge para a Alemanha a fim de se reunir à família, mas acaba sendo surpreendida pela reação dos pais e dos irmãos, que enxergam seu ato como algo desonroso que traz vergonha a todos.
Com uma economia admirável, o longa já tem início estabelecendo, a partir de apenas duas ou três cenas, o cotidiano miserável de Umay ao lado do marido abusivo – e, assim, compreendemos facilmente por que ela optaria por um aborto em vez de oferecer ao sujeito mais uma vítima em potencial. Não demonstrando qualquer esperança mesmo nos raros momentos em que o pai de seu filho brinca com o garoto (indicando que ela sabe claramente que aquela postura não irá durar por muito tempo), a jovem de apenas 25 anos exibe a amargura de uma mulher idosa diante da vida, o que torna seu retorno a Berlim algo perfeitamente compreensível.
Mas não, claro, para sua família: transformada em saco de pancadas (em um ou outro momento, Umay é esbofeteada por praticamente todos os parentes), a garota descobre que o código de honra distorcido seguido pelos pais e irmãos religiosos considera sua tentativa de auto-preservação uma ofensa maior do que a agressividade do marido (“Um ou dois tapas não são motivo para fugir”, diz seu pai) – e, com isso, a rotina de abusos experimentada por Umay na Turquia simplesmente parece se repetir em escala ainda mais angustiante na Alemanha, resultando em confrontos que praticamente garantem inúmeros traumas psicológicos em seu adorável filho Cem (Schiller), que testemunha o sofrimento da mãe sem nem conseguir compreender direito o que está acontecendo.
Por que, no entanto, a mulher simplesmente não dá as costas à família e reconstrói sua vida apenas ao lado do filho? Esta é a questão mais intrigante apresentada por Quando Partimos e que acaba promovendo no espectador a sensação de frustração mencionada no início deste texto. No entanto, a resposta encontra-se clara no próprio filme: Umay é, infelizmente, refém do amor que sente pela família. Incapaz de esquecer a relação feliz que manteve com os pais e os irmãos na infância, ela insiste na esperança de que esta ligação de sangue e história eventualmente derrote os preconceitos despertados pela religião, sem perceber que a necessidade de aceitação pela comunidade é mais importante para os parentes do que o amor que, sim, sentem por ela e por seu filho.
É claro que, ainda assim, torna-se difícil, para o público, aceitar atitudes da protagonista que beiram a insanidade: por que, por exemplo, ela decide ir ao casamento da irmã? O que, afinal, ela esperava que fosse acontecer ali? Há uma diferença imensa entre perseverança e estupidez – e Umay cruza este limite ao insistir numa cruzada que, além de tudo, provoca um profundo sofrimento em Cem. Como se não bastasse, o discurso feito pela garota neste momento limita-se a um mea culpa assombroso, já que sua família deveria estar ajoelhada diante dela implorando por perdão, não o contrário.
Contudo, este é o segundo elemento que torna Umay uma figura enlouquecedora, mas intrigante: apesar de vitimada pela ortodoxia religiosa, ela não consegue ignorar a doutrinação pela qual passou durante toda sua vida, parecendo incapaz de reconhecer, nos dogmas de sua fé, as causas de seu sofrimento. Com isso, a protagonista se revela presa não somente pelo amor à família, mas também por acreditar que, de alguma forma, realmente merece todas aquelas punições, o que torna Quando Partimos uma experiência particularmente incômoda para o espectador.
Ainda assim, isso não desculpa a decisão ofensiva do filme de levar Umay a buscar amparo masculino em um momento particularmente difícil, já que esta opção inacreditavelmente reforça o machismo que o longa quer denunciar (por que ir atrás de um homem que ela mal conhece em vez de se apoiar na amiga de infância?).
Com um desfecho que pode ser visto como apelativo e maniqueísta num primeiro momento, mas que certamente pode também ser interpretado como uma metáfora da destruição das novas gerações pela intolerância religiosa, Quando Partimos infelizmente retrata uma tragédia mais comum do que poderíamos imaginar e merece créditos por não transformar a família de Umay em uma coleção de estereótipos (isto é, com exceção de seu irmão Mehmet, que é, sim, uma figura unidimensional). Na realidade, a sensível atuação de Settar Tanriogen como o pai da protagonista, por exemplo, é responsável por estabelecer o sujeito como alguém que certamente seria um pai e um avô magnífico caso não houvesse sido cegado pelo dogma.
Afinal, como disse o físico Steven Weinberg: “Com ou sem religião, sempre haverá pessoas boas fazendo coisas boas e pessoas más fazendo coisas más. No entanto, para que uma pessoa boa faça uma coisa má, é preciso religião”. E a História prova isso.
03 de Novembro de 2010
Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura da Mostra Internacional de Cinema de SP 2010.
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