Datas de Estreia: | Nota: | ||
---|---|---|---|
Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
08/03/2013 | 01/01/1970 | 5 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
California | |||
Duração do filme | |||
102 minuto(s) |
Dirigido por William Friedkin. Com: Matthew McConaughey, Emile Hirsch, Juno Temple, Thomas Haden Church, Gina Gershon.
É sempre um prazer ver cineastas veteranos que haviam se perdido no meio do caminho resgatando o brilho e o frescor de suas trajetórias – e William Friedkin, cuja década de 90 foi jogada no lixo, finalmente parece ter recuperado a inspiração ao estabelecer uma parceria com o dramaturgo Tracy Letts, adaptando a peça Possuídos em 2006 e agora este excelente Killer Joe – Matador de Aluguel, que atira o espectador num mundo deprimente de miséria, amoralidade e estupidez até atingir um clímax absolutamente insano que conduz o filme do fascinante ao sublime.
Adaptado pelo próprio Letts, o roteiro acompanha a pavorosa família Smith: perseguido por traficantes locais depois que sua própria mãe roubou a cocaína que ele deveria vender, o jovem Chris (Hirsch) tenta recorrer ao pai para levantar o dinheiro necessário para se manter vivo, mas o ignorante Ansel (Church), ao ouvir o desespero do filho, sugere apenas que ele saia “correndo da cidade”. É então que Chris revela que a mãe fez um seguro de vida no valor de 50 mil dólares e cuja beneficiária é sua jovem irmã Dottie (Temple), convencendo Ansel a contratar um assassino para que possam receber o dinheiro. É aí que entra em cena o policial Joe Cooper (McConaughey), que, irritado ao descobrir que os Smith não têm o dinheiro necessário para o adiantamento da tarefa, propõe que Dottie lhe seja entregue como “caução”.
Estabelecendo a atmosfera opressiva da narrativa desde o primeiro plano, que surge mergulhado na escuridão e na chuva, sendo pontuado também pelo latido insistente de um cão, Friedkin parece se divertir imensamente com a família que dá centro ao filme e que rivaliza com os parentes de Leatherface em O Massacre da Serra Elétrica (cuja “parte 4” trazia Matthew McConaughey no elenco, vale apontar). Já nos primeiros minutos do longa descobrimos que Ansel costuma comprar maconha do próprio filho (protestando com relação à qualidade da erva), que Chris já fora expulso da casa da mãe algumas vezes por agredi-la, que a madrasta do rapaz (vivida por Gershon) vai para a cama com qualquer um e que Dottie, a única criatura ainda inocente naquele inferno, parece ter encontrado alguma fuga no sonambulismo e num quase autismo que a impede de se relacionar apropriadamente com o que a cerca. Neste sentido, o elenco jamais desaponta: Hirsch surge como um pequeno marginal, Gershon exibe um ar sempre calculista e vulgar, Church cria o mais passivo e estúpido dos personagens e Temple transforma Dottie numa jovem adorável, pura, mas claramente instável.
Porém, o destaque inquestionável fica mesmo por conta de McConaughey, um ator que admiro há anos e que elogiei fartamente até em produções esquemáticas (mesmo que eficientes) como a comédia Como Perder um Homem em Dez Dias: desperdiçando a maior parte da última década com besteiras como Armações do Amor, Um Amor de Tesouro e Minhas Adoráveis Ex-Namoradas, o sujeito parece ter voltado a se interessar pela interpretação no último ano, quando estrelou o ótimo O Poder e a Lei e criou personagens excelentes em Bernie e Magic Mike. Nada, porém, poderia preparar o espectador para o que o ator oferece aqui: encarnando Joe como um sujeito cuja aparente polidez na fala oculta uma natureza volátil e perigosa, McConaughey vai revelando aos poucos a loucura do sujeito – e, assim, quando finalmente vemos o personagem-título sem qualquer máscara social no impactante terceiro ato, percebemos como é ameaçador e também a dimensão de sua psicopatia.
Construindo uma atmosfera noir eficaz, Killer Joe ainda conta com um senso de humor mórbido que complementa perfeitamente os aspectos mais cruéis da narrativa, desde pequenos instantes como aquele envolvendo um fio solto no terno de Ansel até absurdos que despertam um riso chocado graças ao incômodo que provocam no público (três palavras: “coxa de galinha”). Aliás, todo o ato final do longa é uma longa escalada rumo à insanidade, iniciando com uma conversa de crescente tensão até culminar numa celebração inesperada e estranhíssima.
E é bastante possível que, depois do fade final, o espectador saia do cinema rindo sozinho, mas também sentindo uma vontade irrefreável de tomar um banho e deixar toda aquela sujeira para trás.
6 de Outubro de 2012
Crítica originalmente publicada como parte da cobertura do Festival do Rio 2012.