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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
09/02/2007 01/01/1970 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
97 minuto(s)

A Rainha
The Queen

Dirigido por Stephen Frears. Com: Helen Mirren, Michael Sheen, James Cromwell, Sylvia Syms, Alex Jennings, Helen McCrory, Roger Allam, Tim McMullan, Douglas Reith, Mark Bazeley.

Em 31 de agosto de 1997, num túnel de Paris, a princesa Diana morreu ao lado do namorado em um terrível acidente de carro depois de ser perseguida por um grupo de paparazzi sedentos por mais uma fotografia que pudesse se juntar às centenas de milhares já tiradas da famosa ex-esposa do príncipe Charles. O que ninguém poderia imaginar naquele instante é que a tragédia desempenharia um papel crucial no fortalecimento político de Tony Blair, eleito Primeiro-ministro poucos meses antes, e provocaria uma grave crise na imagem da família real junto aos súditos ingleses.

Instituição anacrônica por definição, a Monarquia britânica jamais pareceu ceder um centímetro em sua obsessão por tradições e protocolos: tratando o verbo “modernizar” como um verdadeiro palavrão, a Rainha Elizabeth II (Mirren), então no cargo há 44 anos, naturalmente recebeu a notícia da morte de sua ex-nora com surpresa, mas não com sofrimento – não era segredo que Diana há muito se tornara um embaraço para seus pares na realeza. Infelizmente para a monarca, no entanto, a princesa era uma figura extremamente querida pelo povo e, entre insinuações pontuais de que mandara matá-la e acusações (procedentes) de que não se entristecera com a tragédia, Elizabeth II se recolhe aos seus modos habitualmente rígidos como forma de manter a dignidade diante de uma situação adversa, piorando ainda mais sua imagem diante do mundo. Sem compreender a dimensão perigosa da crise gerada por sua frieza, a rainha resiste aos conselhos preocupados de seu Primeiro-ministro (Sheen), que se mostra cada vez mais temeroso pelo próprio futuro da Monarquia no país.

Escrito por Peter Morgan (O Último Rei da Escócia), A Rainha procura levar o espectador aos bastidores do poder durante a primeira semana de setembro de 97, imaginando diálogos e confrontos que soam incrivelmente verossímeis. Assim, o roteirista defende a idéia de que a simples ausência de precedentes para uma tragédia como aquela contribuiu para o início da crise: sem saber como lidar com um funeral de uma ex-majestade, a rainha e seus principais conselheiros basicamente se atêm aos protocolos: por que, por exemplo, deveriam deixar a bandeira no Palácio de Buckingham a meio-mastro se nem mesmo a morte da própria Elizabeth II exigiria tal procedimento? E como a rainha poderia se obrigar a demonstrar qualquer tipo de emoção em público se: a) não gostava de Diana; e b) exibira um autocontrole constante ao longo de suas mais de quatro décadas no poder? Assim, não é à toa que toda aquela comoção pública soa como imposição brutal aos modos de Elizabeth II, que, além de tudo, precisa se preocupar com as ações de seu filho Charles e com a dor de seus dois jovens netos.

Assumindo um papel dificílimo, a veterana Helen Mirren alcança um equilíbrio impressionante em sua caracterização: ao mesmo tempo em que retrata a formalidade de Elizabeth II, que encara como obrigação do cargo manter uma postura sempre rígida e controlada diante de todos, a atriz permite, aos poucos, que percebamos pequenos indícios de humanidade (e mesmo fragilidade) por trás da fachada de concreto da rainha. Figura experiente, ela acredita saber tudo que é necessário para conduzir seu reino de maneira impecável – e, tendo trabalhado ao lado de nada menos do que dez Primeiros-ministros (incluindo o maior deles, Churchill), é natural que ela encare o jovem Tony Blair com sérias reservas. Mirren, aliás, exibe uma postura tão intimidante que chegamos a ficar constrangidos com a fragilidade que Blair demonstra em seu primeiro encontro com a rainha (vale dizer que até mesmo o espectador parece ser visto reticentemente pela soberana, que nos encara desafiadoramente já em sua primeira aparição no filme). O mais notável no trabalho de Mirren, porém, é sua competência ao humanizar Elizabeth II gradualmente: aos poucos, percebemos sua inquietação crescente com a situação e constatamos que suas ações anteriores não eram resultado de uma mentalidade maldosa, mas de uma atenção excessiva às convenções (atribuir “maldade” à Elizabeth II seria superestimar sua preocupação com Diana, que ela considerava um mero incômodo). Apesar de tudo, Mirren e o diretor Stephen Frears compreendem que há limites que não devem ser ultrapassados com relação à nobreza da personagem e, portanto, quando a rainha finalmente deixa escapar algumas lágrimas, não temos permissão para ver seu rosto, já que ela se mantém de costas para a câmera. Da mesma maneira, quando ela observa com admiração um imponente cervo em sua propriedade, a leitura da cena é clara: ela enxerga a própria fortaleza naquele magnífico animal – e ao espantá-lo com o propósito de salvá-lo de caçadores, é como se ela estivesse adiando o próprio julgamento diante dos súditos.

Enquanto isso, Michael Sheen (assim com James McAvoy em O Último Rei da Escócia) cumpre a importante função de abrir estas janelas para a personalidade de Elizabeth II através da interação de seu personagem com a rainha. O curioso é que, para a surpresa de sua própria esposa anti-monarquista, Tony Blair enxerga aquela instituição não apenas com respeito, mas com uma inteligente compreensão de sua relevância para o equilíbrio político no Reino Unido. E não só isso: brilhante em sua avaliação da situação, Blair rapidamente percebe que aquela crise poderá fortalecê-lo ainda mais junto à opinião pública (o que ele consegue através de um pronunciamento emocionado no qual descreve Diana como “a princesa do povo”) e também diante da rainha – desde que esta, é claro, aceite seus conselhos (o que ela parece determinada a não fazer). Fisicamente parecido com o Primeiro-ministro, Sheen cria o retrato de um homem cheio de energia e empolgado com as possibilidades do cargo – e sua segurança ao viver o personagem não é por acaso, já que ele já interpretara Blair em uma produção para a televisão roteirizada justamente por Peter Morgan e dirigida por Stephen Frears. Assim, ver as atitudes cheias de idealismo do líder britânico em início de mandato é algo que se torna deprimente quando constatamos as besteiras que viria a fazer sob a influência de George W. Bush no pós-11 de Setembro.

Contrariando a visão santificada de Diana criada pela mídia mundial, A Rainha adota uma postura mais cínica com relação à princesa – e quando Charles (Jennings) desabafa que a Diana que eles conheciam na privacidade jamais será vista pelo público, a inferência é óbvia: sua ex-esposa não era exatamente uma criatura bondosa que foi vitimada pela crueldade da realeza. E o fato é que Diana, de fato, era uma mulher inteligente que compreendia perfeitamente o poder da imprensa e não hesitava em interpretar o papel de coitadinha para a câmera em todas as suas inúmeras entrevistas. Sim, ela participava de projetos humanitários admiráveis, mas daí a ser considerada uma nova Madre Teresa há uma grande distância (aliás, nem mesmo Madre Teresa estava à altura da imagem de Madre Teresa). Por outro lado, o filme tampouco tenta transformar Charles em uma figura particularmente simpática: sim, ele fica abalado com a notícia sobre a ex-esposa (quem não lamentaria a morte da mãe de seus filhos?), mas logo demonstra sua insegurança ao tentar se distanciar da rainha, permitindo que a raiva do povo se direcione contra esta, poupando-o.

Utilizando imagens de arquivo para conferir maior verossimilhança à narrativa, Stephen Frears também investe em um humor tipicamente britânico que humaniza ainda mais a rainha, embora não consiga fugir completamente da natureza pouco ambiciosa do roteiro de Peter Morgan, que, ambientando principalmente em interiores, parece destinado mais à televisão do que à tela grande. Em contrapartida, a fotografia do brasileiro Affonso Beato confere grandeza às cenas externas e merecia ter sido indicada ao Oscar no mínimo por sua inteligência: rodando as cenas envolvendo a rainha em 35mm e aquelas centradas em Blair em 16mm, Beatto estabelece uma diferença importante entre a imponência da realeza e a informalidade do jovem político – algo realçado também pela maneira com que compõe seus quadros, que se mantêm mais estáveis ao focar a rainha e se tornam mais fluidos ao se concentrarem no Primeiro-ministro.

Momento-chave na história recente da monarquia britânica, os dias logo após a morte de Diana contribuíram para modernizar, mesmo que à força, a compreensão da família real acerca de seu povo. E também, claro, para estabelecer a importante dinâmica entre Elizabeth II e Tony Blair, seu décimo Primeiro-ministro.

10 de Fevereiro de 2007

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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