Quando ouvi a notícia de que a dupla Sandy & Junior estava se preparando para protagonizar seu primeiro longa-metragem, confesso que não fiquei muito esperançoso: a última coisa da qual o Cinema Nacional precisava era de mais alguém que, no pior estilo Xuxa e Padre Marcelo Rossi, explorasse a própria fama a fim de arrancar alguns trocados fáceis na telona. Pois bem: a boa notícia é que Acquária está longe de ser algo como Sandy & Júnior Requebram, já que, pelo menos, os dois irmãos tentaram fazer algo mais ambicioso. A má notícia é que eles, infelizmente, falharam: Acquária tem muito mais virtudes do que Xuxa e os Duendes (o que não quer dizer muita coisa), mas também está muito aquém de longas como O Homem que Copiava, O Homem do Ano e O Caminho das Nuvens.

E se a direção de arte do projeto merece elogios (embora plagie descarad... ops, `homenageie` elementos de Star Wars, O Senhor dos Anéis e Mad Max), o mesmo não pode ser dito sobre os efeitos visuais, que são apenas corretos: os cenários virtuais são excessivamente granulados, a composição dos planos permite que percebamos a separação entre os elementos reais e aqueles criados em computador, e as criaturas digitais apresentam o velho problema de flickering (`tremidinhas` na animação durante o movimento). E argumentar que os efeitos são `bons para um filme nacional` (como alguns têm feito) é um insulto não apenas ao espectador, mas também ao próprio cinema brasileiro.

E por falar em insulto, o que dizer do roteiro escrito por Cláudio Galperin e Flávia Moraes? Aparentemente, a dupla pensou apenas no conceito principal (`Sandy & Júnior em um mundo sem água`) e achou que podia parar por aí, esquecendo-se de um pequenino detalhe chamado `trama`. Pois o fato é que Acquária é um filme sem propósito: os personagens ficam em um abrigo situado no meio do deserto e, ocasionalmente, saem para `pescar` ou jogar bola de gude (sim, eu disse `bola de gude`), e só. Aliás, até mesmo a escassez de água é ignorada pelo roteiro, já que ninguém passa sede, todos tomam banhos regulares e – o mais incrível – ainda usam o líquido para comprar caixinhas mágicas que narram fábulas. Ou seja: mesmo que ficassem desidratados, Sarah e Kim (leia-se: Sandy e Júnior) poderiam morrer limpos e alegres. Ah, sim: e como não poderia deixar de ser, o mundo `fantástico` criado por Galperin e Moraes é repleto de criaturas e lugares batizados com nomes como Grolok, Rolok, Borlog e outros `oks` e `ogs`.

Para tentar distrair o espectador e evitar que este perceba que nada está acontecendo, os roteiristas usam um recurso batido, criando cenas curtas e auto-limitadas (em outras palavras: que contém situações que não precisam ser resolvidas nas cenas seguintes). Assim, vemos Sarah ensinando o garoto Guinle a atirar bumerangues; Kim consertando um reservatório; Sarah saindo para `pescar`; Kim e Sarah tocando violão; e a garota tomando banho; entre outros `importantes` acontecimentos. Mas qual seria a ligação entre estas cenas? Nenhuma. Elas existem apenas para (respectivamente) criar uma piadinha; mostrar um cachorrinho engraçadinho ajudando no serviço; incluir um efeito visual; empurrar a trilha sonora da produção; e para satisfazer os jovens fãs de Sandy (que podem admirar as costas da moça). Na realidade, estas cenas poderiam estar em qualquer ordem, já que não há estrutura na narrativa. Aliás, quando Acquária for lançado em DVD duplo com várias `cenas excluídas`, clipes e entrevistas `reveladoras`, faça uma experiência e assista ao filme acessando os capítulos de forma aleatória. Aposto como não perceberá diferença alguma. (Pensando bem, por que não incluir este `bônus` no DVD?)

Mas os problemas do roteiro não se resumem à sua (falta de) estrutura: há outros absurdos que chama a atenção. Vejamos, por exemplo, o `galã` Gaspar (Orciollo Neto), que hostiliza Sarah desde o primeiro momento em que a vê. Ora, se você é um homem saudável que mora no meio do deserto e não vê uma mulher há meses (ou anos), é bastante provável que queira, no mínimo, ser gentil ao encontrar uma jovem bonita como Sandy – isto é, caso não seja obrigado a encenar o velho clichê da `tensão sexual` (o casal que parece se odiar, mas que, no fundo, se ama). Para criar este conflito forçado entre Gaspar e Sarah, os roteiristas chegam ao ponto de incluir uma cena na qual o rapaz acusa a moça de roubar água – somente para, na cena seguinte, dizer `Eu recontei os vidros; não estava faltando nada`! E o que dizer da falta de interesse de Kim, que parece não prestar atenção em Sarah? O espectador sabe que, na `vida real`, os dois são irmãos e que incesto não é algo divertido, mas os personagens não sabem disso! Para resolver o problema, alguém diz que Kim `tem uma namorada`, mas a tal garota jamais aparece – e, a bem da verdade, o sujeito jamais abandona o abrigo no deserto, o que nos leva a crer que ele talvez não seja o melhor dos namorados... Ah, e há, também, um vilão que surge no começo e no fim da projeção apenas para criar algum tipo de tensão, sem alcançar muito sucesso.

Trazendo Milton Gonçalves em uma participação pequena como uma espécie de `Yoda Rain Man`, Acquária ainda conta com um dos garotinhos mais chatos da história do cinema: esforçando-se ao máximo para ser engraçado, Guinle (Igor Rudoff) parece ser o primo mimado do jovem Anakin Skywalker interpretado pelo igualmente aborrecido Jake Lloyd em Star Wars: A Ameaça Fantasma – e a insistência do menino em comunicar-se sempre através de gritos é irritante. Em certo momento, confesso que torci para que ele morresse de sede – até perceber que o filme havia se esquecido de que a falta de água pode matar.

Por outro lado, Sandy e Junior não fazem feio: é claro que o rapaz precisa melhorar sua dicção, já que muitos de seus diálogos se perdem, mas a dupla tem carisma e boa presença em cena. Sandy, especialmente, demonstra possuir talento como atriz e merecia ser explorada com mais carinho pela história. Ainda assim, sou obrigado a dizer que Acquária acaba se revelando mesmo como um mero veículo para os irmãos – e se você não concorda, pense na seguinte questão: caso Sarah e Kim fossem interpretados por atores desconhecidos, haveria necessidade de incluir tantos interlúdios musicais ao longo da projeção?

Acquária não é um desastre absoluto, é verdade: como diretora, Flávia Moraes revela um bom senso estético e, com isso, o filme é belo de se olhar. Em contrapartida, isto torna seu insucesso artístico ainda mais frustrante, já que, com tantos recursos à sua disposição, este projeto poderia ter sido realmente memorável. Quem sabe Sandy e Júnior não acertam da próxima vez? Eu não ficaria surpreso caso isto acontecesse...

14 de Dezembro de 2003