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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
15/01/2010 01/01/1970 4 / 5 4 / 5
Distribuidora

Onde Vivem os Monstros
Where the Wild Things Are

Dirigido por Spike Jonze. Com: Max Records, Catherine Keener, Mark Ruffalo e as vozes de James Gandolfini, Catherine O’Hara, Forest Whitaker, Paul Dano, Chris Cooper e Lauren Ambrose.

Max é uma criança comum: na escola, brinca com os colegas; em casa, busca a atenção da mãe e da irmã e, quando falha em consegui-la, se sente frustrado. Tem medo e chora ao ser soterrado num banco de neve depois de uma brincadeira mais estabanada feita pelos amigos mais velhos da irmã e, ao ser repreendido pela mãe, reage de maneira impulsiva, machucando-a, apenas para se arrepender imediatamente do que fez. E claro que, como quase toda criança, seu embaraço acaba sendo extravasado através da raiva envergonhada de quem sabe ter feito algo errado. Sem compreender muito bem a melancolia e a seriedade do mundo adulto, ele constantemente se volta para seu rico universo interior, usando a imaginação não apenas para se divertir, mas também para fugir daquilo que o incomoda. Porém, imaginação ou não, Max não pode fugir de si mesmo – nem mesmo quando seus medos e incertezas assumem a forma de imensos monstros peludos.

Baseado no livro infantil escrito há quase cinco décadas pelo norte-americano Maurice Sendak, o roteiro de Dave Eggers e do diretor Spike Jonze enfrenta o imenso desafio de transformar as pouco mais de dez frases do original em um longa de 101 minutos, saindo-se admiravelmente bem – e só um purista insano reclamaria que a jornada de Max, em vez de começar numa floresta em seu quarto, agora tem início num lago próximo à casa do garoto. Pois o fato é que, em tom, espírito e visuais, Onde Vivem os Monstros é extremamente fiel ao conceito de Sendak, trazendo criaturas que são mais tristes do que verdadeiramente monstruosas e ameaçadoras. Neste sentido, aliás, um dos primeiros elementos da produção que devem ser elogiados são os bonecos animatrônicos criados, claro, pelo fantástico estúdio de Jim Henson e que, com expressões faciais concebidas digitalmente, estabelecem aqueles personagens como presenças fortes e palpáveis, fugindo da artificialidade tão comum em criações completamente digitais. Além disso, as dublagens contidas (até Gandolfini surge com uma voz surpreendentemente suave) contribuem para que vejamos aqueles seres não como bichos absurdos, fantásticos, mas como indivíduos com personalidades e angústias próprias.

Neste aspecto, o design de produção também desempenha um papel fundamental: em vez de mergulhar os personagens em um mundo colorido saído da fértil e alegre imaginação de uma criança, Onde Vivem os Monstros atira todos em um universo poeirento, seco e triste no qual as árvores quase não têm folhas, o litoral cede lugar ao deserto e que, mesmo durante o dia, jamais deixa de exibir uma atmosfera nublada e acinzentada. Da mesma maneira, a bela trilha sonora de Carter Burwell Karen O. investe em passagens que oscilam entre a alegria contagiante e a mais pura melancolia, embora jamais deixem de trazer vocais e melodias lúdicos por natureza, refletindo a mente e a lógica infantil daquele que, afinal de contas, está criando tudo o que vemos na tela (falo de Max, claro, embora também de Spike Jonze).

Uma espécie de Anticristo Jr. (taí uma outra sessão dupla que eu gostaria de conferir), o filme abraça o universo psicológico de seu protagonista como estrutura narrativa, levando o espectador para uma viagem por vezes perturbadora – mas sempre tocante – à psique de Max. Não é preciso ser um profundo conhecedor de Freud ou Jung, aliás, para perceber que cada um dos “monstros” vistos ao longo da história são projeções de aspectos da própria personalidade do garoto: Carol é a encarnação de seus impulsos raivosos e de seu ciúme; KW é um amálgama de sua mãe (seu lado protetor e carinhoso) e sua irmã (sua tendência de abandonar a família para ficar com os amigos; Ira representa seu lado inquisidor; Judith, seu ceticismo; Douglas, a contemporização; Alexander, suas inseguranças infantis; Touro, sua introspecção e sua solidão; e por aí afora – e percebam que me limitei a uma característica por personagem, o que é simplista e incompleto, já que cada um destes “monstros” oferece construções bem mais complexas do que poderíamos supor a princípio.

Além disso, esta viagem interior acaba representando uma forma intensa de levar Max a reavaliar (ou, no mínimo, a reviver) aspectos e incidentes importantes de sua própria vida. Não é à toa que Carol relata um pesadelo que gira em torno de sua dentição, já que, anteriormente, Max havia criado uma história justamente sobre um vampiro que perde os dentes - e é impossível olhar para o amontoado de pelos sob o qual o garoto se esconde e não se lembrar de seu iglu. De forma similar, o fato de KW atirar pedras em suas amigas corujas remete à batalha de bolas de neve do início da projeção e, claro, a discussão entre esta e Carol, testemunhada à distância por Max, reflete provavelmente a própria relação entre os pais do menino (o filme sugere que eles se divorciaram). Porém, o simbolismo mais comovente e revelador do longa diz respeito ao forte que o protagonista constrói junto aos monstros e que tem o papel de aproximá-los e de manter os “intrusos” à distância, já que isto diz respeito justamente ao desejo do próprio Max de manter a família junto a si – algo que, em sua visão de criança, torna-se impossível diante do namorado da mãe (uma ponta de Mark Ruffalo) e dos amigos da irmã.

E é buscando dentro de si mesmo as respostas para seus medos e dúvidas que Max passa a compreender que, mesmo exigindo constantes sacrifícios, o mundo adulto não implica necessariamente em dor e decepção, sendo também capaz de oferecer recompensas maravilhosas como o amor e o companheirismo - uma compreensão transmitida de forma simples e eficaz pelo olhar de serenidade de uma criança que, como todos nós, cresceu ao ter que agir como figura de autoridade diante de seus próprios e assustadores monstros interiores.

15 de Janeiro de 2010

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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