Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
23/01/2004 | 03/06/2004 | 5 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
100 minuto(s) |
Dirigido por Eliane Caffé. Com: José Dumont, Nelson Xavier, Nelson Dantas, Gero Camilo, Matheus Nachtergaele, Rui Rezende, Luci Pereira.
Há algo que eu posso afirmar desde já sobre o Oscar 2004: o melhor ator do ano não aparecerá sequer entre os cinco indicados ao prêmio. Estou falando do sempre estupendo José Dumont, que, dono de uma carreira já repleta de personagens memoráveis, oferece mais uma performance magnífica neste ótimo Narradores de Javé. Aliás, seu Antônio Biá é tão adorável que confesso que gostaria de vê-lo em uma continuação ou (por que não?) protagonizando sua própria série de tevê.
Escrito por Luiz Alberto de Abreu e Eliane Caffé, o filme tem início em um pequeno boteco no qual se encontram, entre outros, um hippie vivido por Matheus Nachtergaele (em uma participação minúscula, infelizmente) e um certo Zaqueu, interpretado pelo veterano Nelson Xavier - e é justamente este último que se põe a narrar a história de sua cidade natal, Javé, que foi condenada à destruição quando o Estado decidiu construir um açude exatamente naquela região. Para evitar que o vilarejo seja tomado pelas águas, seus habitantes decidem provar que Javé é um patrimônio histórico e, para isso, convocam o estranho Antônio Biá para colocar no papel o passado `glorioso` do lugar. O problema é que Biá fôra expulso da cidade por escrever uma série de cartas difamatórias sobre seus conterrâneos - um indício claro de que possui uma fértil imaginação.
Adotando uma estrutura narrativa inspirada por Rashomon, de Akira Kurosawa, a diretora Eliane Caffé acompanha o personagem de Dumont enquanto este colhe os depoimentos de moradores que afirmam conhecer detalhes sobre a fundação de Javé - e não é surpresa alguma perceber que cada um altera a história de acordo com seus interesses, já que vários deles afirmam ser descendentes de figuras `importantes` como Maria Dina (que, dependendo da fonte, pode ter sido uma heroína ou uma louca) e do bravo Indalécio - descrito por diferentes pessoas como sendo branco ou negro e cujo nome pode ter sido Indalício ou Indaleu.
Sem permitir que a narração em off quebre o ritmo da história, Caffé cria um filme fluido que chega ao ponto de incluir um flashback dentro de outro - e a maravilhosa utilização de figurantes selecionados nas próprias cidades em que o projeto foi rodado (Gameleira da Lapa e Lençóis, na Bahia) confere ainda mais realismo ao longa, emprestando uma cor natural à fictícia Javé. Aliás, os habitantes do vilarejo constituem um charme à parte: sempre preparado para uma boa discussão, o povo de Javé diverte o espectador com suas brigas, como se representasse uma versão nordestina dos esquentados gauleses de Goscinny e Uderzo.
Mas a alma de Narradores de Javé reside mesmo no amalucado personagem de José Dumont, que obviamente teve toda liberdade para desenvolver os maneirismos de Biá. Combinando toques de megalomania, irreverência e pura sandice, Antônio Biá atravessa o filme utilizando expressões estapafúrdias (e hilárias) como `reveillon de muriçoca` e `espermatozóide ninja`, mas é sábio o bastante para reconhecer a importância do princípio eternizado pelo clássico O Homem que Matou o Facínora, de John Ford: `Quando a lenda torna-se fato, publique a lenda` - e, assim, passa a `enriquecer` as histórias que escuta, tornando-as irresistivelmente absurdas.
Apesar de ser um pouco mais longo do que deveria, Narradores de Javé é um filme sempre divertido e inventivo. É claro que algumas seqüências parecem obviamente deslocadas (aquelas referentes ao sujeito que `perdeu o medo`, por exemplo, fogem completamente do tom da narrativa), mas isto é um pecadilho se comparado às virtudes da produção - como a bela fotografia de Hugo Kovensky, que `mergulha` os flashbacks em cores de diferentes temperaturas, dependendo do que está sendo narrado. Além disso, a conclusão do longa é apropriadamente irônica e eficaz.
Em certo momento, Antônio Biá afirma ser `o pokémon de Jesus`. Não sei ao certo o que isto significa, e creio que ele também não saiba, mas se a criaturinha amarela protagonizou tantos filmes, espero que isto signifique que o personagem de José Dumont também protagonizará. Eu certamente consigo imaginá-lo gritando `Pikachu!`.
19 de Outubro de 2003
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