Datas de Estreia: | Nota: | ||
---|---|---|---|
Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
19/12/2003 | 15/08/2003 | 5 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
101 minuto(s) |
Dirigido por Shari Springer Berman e Robert Pulcini. Com: Paul Giamatti, Hope Davis, James Urbaniak, Earl Billings, Harvey Pekar, Judah Friedlander, Toby Radloff, Donal Logue, Molly Shannon e Daniel Tay.
`Por que todo mundo tem que ser tão idiota?`, pergunta o jovem Harvey Pekar logo no início de Anti-Herói Americano, estabelecendo, de imediato, a mal-humorada visão de mundo que o acompanhará por toda a vida e que irá inspirá-lo a roteirizar Esplendor Americano, uma série de revistas em quadrinhos que se tornou sucesso entre o público underground e que deu origem a este filme.
Escrito pelo casal Shari Springer Berman e Robert Pulcini (que também divide a direção), Anti-Herói Americano é um fascinante estudo de personagens que não se preocupa em narrar uma história com trama bem definida e que tenha começo, meio e fim. Não, nada disso: aqui, a única reviravolta que acontece é a própria passagem do tempo e sua ação sobre os protagonistas: um bando de indivíduos cínicos e desesperançados cujo desprezo pelas demais pessoas só perde, em intensidade, pelo desprezo que sentem por si mesmos. Não é à toa que, ao olhar para o próprio reflexo em um espelho, Pekar constata: `Esta (sua aparência) é uma decepção com a qual eu sempre posso contar`.
Incapaz de traçar sequer uma linha reta, Harvey Pekar (o verdadeiro) entregava seus roteiros para que diversos desenhistas os ilustrassem - e, como conseqüência, cada edição de Esplendor Americano trazia uma diferente versão do protagonista (o próprio autor), que poderia variar entre `um jovem Brando e um macaco peludo`. Pois uma das grandes virtudes desta releitura para o Cinema deve-se justamente à fidelidade do roteiro a esta constante mutação do (anti) herói: apesar de ser interpretado por Paul Giamatti, é Pekar quem narra o filme, chegando a comentar a diferença: `Aí estou eu... ou melhor, o cara que está me interpretando e que não se parece nada comigo`. Aliás, o longa vai além, e chega até mesmo a exibir cenas de `bastidores` que trazem os atores ao lado dos `personagens` que representam.
Mas não é só isso: além de contracenar com o verdadeiro Pekar, Paul Giamatti também divide algumas cenas com a versão em quadrinhos do mesmo - e, em certo momento, assiste a um espetáculo teatral no qual o sujeito é vivido por outro ator, Donal Logue. Com isso, Anti-Herói Americano se transforma em um filme auto-referencial e com várias camadas de realidade e ficção, que se entrecruzam de maneira inteligente e dinâmica (há uma cena na qual a atriz Hope Davis, que vive a esposa do protagonista, assiste a uma entrevista concedida por este a David Letterman - e como uma imagem de arquivo é utilizada pelos diretores, cria-se a inusitada circunstância em que a versão fictícia da esposa ultrapassa o limite entre a fantasia e a realidade e consegue enxergar o verdadeiro Harvey Pekar).
No entanto, em vez de comprometer a experiência do espectador ao `retirá-lo` do filme, quebrando a ilusão do Cinema, o filme acaba se beneficiando com o recurso, que confere ainda mais dimensão aos personagens e transforma o longa em uma combinação fluida de documentário e ficção (ao contrário do recente 1,99 - Um Supermercado que Vende Palavras, que escapa de ambos os gêneros). Além disso, a estupenda performance de Giamatti intensifica ainda mais este efeito, já que suas expressões corporal (sempre encurvado e desconfortável) e facial (o cenho constantemente franzido e o olhar que jamais encara o interlocutor) convertem o Pekar da ficção em uma visão extremamente fiel do original. E a boa notícia é que o mesmo pode ser dito sobre as atuações dos demais integrantes do elenco - em especial Hope Davis e Judah Friedlander, que encarna o auto-proclamado nerd Toby Radloff.
Não será surpresa alguma, a indicação de Anti-Herói Americano a vários prêmios de relevo - especialmente nas categorias Filme, Direção, Roteiro Adaptado, Ator, Edição e Direção de Arte. Aliás, o único `defeito`grave que encontrei na produção diz respeito à tradução de seu título para o português: `anti-herói americano` pode até ser uma definição interessante do papel de Harvey Pekar, mas é romântica demais. Particularmente, creio que a melhor escolha teria sido a tradução literal, Esplendor Americano, cuja ironia certamente não passará despercebida por quem já tiver assistido ao filme.
Seja como for, Pekar deve ter ficado satisfeito com o resultado final. Ele pode até não saber se ainda é uma pessoa real ou se já se tornou um personagem (preocupação que manifesta em certo instante), mas isso não importa: ambos são fascinantes.
19 de Outubro de 2003
Comente esta crítica em nosso fórum e troque idéias com outros leitores! Clique aqui!