Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
19/03/2004 | 24/10/2003 | 2 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
127 minuto(s) |
Dirigido por Martin Campbell. Com: Angelina Jolie, Clive Owen, Noah Emmerich, Linus Roache, Teri Polo, Yorick van Wageningen, Timothy West, Burt Kwouk.
Logo no início de Amor Sem Fronteiras, o médico Nick Callahan, interpretado por Clive Owen, invade uma festa beneficente com o objetivo de protestar contra a hipocrisia de seu organizador, que havia cancelado, por motivos políticos, a verba destinada à ajuda humanitária na Etiópia. O forte discurso de Callahan provoca um impacto visível na socialite Sarah Jordan (Angelina Jolie), que decide doar 40 mil libras em alimentos para o acampamento chefiado pelo médico – os quais ela resolve entregar pessoalmente, partindo para a África sob os moderados protestos do marido. Lá, Sarah se depara com uma realidade desesperadora e conhece a tragédia da fome, que transforma seres humanos em esqueletos semi-vivos atormentados pela dor constante – e a aparência assustadora de uma criança à beira da morte (numa recriação da premiada fotografia tirada no Sudão por Kevin Carter, em 1993) demonstra a coragem da produção em chocar o espectador com imagens que, mesmo verdadeiras, parecem ter saído de um filme de terror.
Poucas vezes, aliás, um projeto hollywoodiano se esforçou tanto para retratar este tipo de tragédia social (provocada ou complicada por problemas políticos e/ou climáticos) com esta riqueza de detalhes – e, por isto, o roteirista estreante Caspian Tredwell-Owen mereceria aplausos. Digo `mereceria` por um motivo muito simples: a partir de certo momento, ele decide mudar o foco de sua trama e se concentrar no romance entre Nick e Sarah, o que é decepcionante. Se abordar os esforços humanitários ao redor do planeta é uma atitude admirável, colocá-los em segundo plano para priorizar uma história de amor é mais do que frustrante; é imperdoável.
Além disso, do ponto de vista narrativo, o envolvimento entre os personagens de Owen e Jolie é pouco verossímil: retratado de forma excessivamente amarga, Nick é um sujeito frio e agressivo que jamais avalia as conseqüências de seus atos. Sua atitude na festa beneficente, por exemplo, logo deixa de despertar nossa admiração, já que se revela uma atitude egoísta que resulta na morte de uma criança inocente – responsabilidade que não deixa de existir simplesmente porque Nick a reconhece (o filme parece acreditar que, por ter consciência de seus erros, o médico é automaticamente redimido, o que é uma ofensa ao bom senso de qualquer um). Comprometendo até mesmo as negociações de seu companheiro Elliot Hauser (este, sim, digno de admiração), Nick chega a irritar com sua auto-piedade. Agora eu pergunto: o que, em um sujeito como este, poderia atrair Sarah? A resposta, infelizmente, é de uma futilidade gritante: a beleza do ator Clive Owen, realçada pela barba cuidadosamente mal-feita (já reparou como todo personagem deste tipo parece ter uma barba de dois dias?).
Sarah, por sua vez, revela-se uma figura um pouco mais interessante, já que atravessa um claro arco dramático ao longo da projeção: inicialmente deslocada em um país como a Etiópia (ela chega a usar perfume em sua viagem), a moça aos poucos percebe que doar um carregamento de alimentos não chega a funcionar sequer como paliativo para toda aquela pobreza – o que a leva a adotar uma postura mais ativa e admirável. No entanto, a personagem também reverte à superficialidade a partir do instante em que seu caso de amor ganha destaque, e ela chega ao ponto de interromper um importante discurso por estar sofrendo por Nick. Ora, o que interessa seu namorico frente à morte de milhões de pessoas em todo o mundo? Para piorar, Sarah ainda acaba se transformando em uma espécie de Lara Croft no terceiro ato da projeção (que, diga-se de passagem, é constrangedoramente ruim).
Utilizando a miséria alheia como pano de fundo para um romancezinho barato, Amor Sem Fronteiras desperdiça a chance de se tornar um projeto relevante a fim de mostrar Jolie sofrendo por um homem. Em alguns momentos, o filme parece disposto a discutir temas importantes, como a dificuldade em se levar ajuda a países cujos sistemas de governo desagradam aos Estados Unidos e os dilemas éticos vividos pelos voluntários das ONGs, que devem se abster de qualquer envolvimento com a política local (por mais revoltante que esta seja) para que não haja um comprometimento de seus trabalhos assistenciais – mas o roteiro logo descarta estes temas e retorna ao que lhe interessa: o melodrama (em determinada cena, alguém chega a perguntar: `Você está disposta a arriscar tudo por amor?`).
Depois de atuar nesta produção, Angelina Jolie decidiu adotar uma criança cambojana e se tornou Embaixadora da Boa Vontade da ONU – num claro indício de que suas experiências nas diversas locações utilizadas pelo projeto a afetaram sensivelmente. É lamentável, portanto, que o filme em si seja tão fútil, já que seus bastidores parecem ter representado uma forte experiência para todos os envolvidos.
Talvez os produtores devessem ter engavetado o longa e lançado seu making of nos cinemas.
18 de Março de 2004
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