Seja bem-vindx!
Acessar - Registrar

Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
29/08/2003 09/09/2003 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
143 minuto(s)

Piratas do Caribe - A Maldição do Pérola Negra
Pirates of the Caribbean: The Curse of Black Pearl

Dirigido por Gore Verbinski. Com: Johnny Depp, Geoffrey Rush, Orlando Bloom, Keira Knightley, Jonathan Pryce e Jack Davenport.

- Você é o pior pirata do qual já ouvi falar!, alguém diz para Jack Sparrow, personagem interpretado por Johnny Depp, em certo momento de Piratas do Caribe.

- Ah, mas você já ouviu falar de mim!, responde Sparrow, com um óbvio ar de satisfação.

Este diálogo resume com perfeição a essência do melhor elemento desta nova produção da Disney: dono de uma autoconfiança aparentemente ilimitada, o pirata Jack Sparrow desfila pelo filme sem parecer perceber que boa parte dos demais personagens não o leva muito a sério. Em uma entrevista recente, Depp revelou que, para criar o herói, se inspirou em Keith Richards (guitarrista dos Rolling Stones) e no divertido Pepe Le Gambá (que vivia perseguindo a pobre gata Penélope). Quanto a Richards, nada posso dizer, já que não conheço seus maneirismos, mas a influência de Pepe é evidente: é impossível abalar a admiração que Sparrow nutre por si mesmo – e não é à toa que ele tem a mais absoluta certeza de que ninguém pode resistir ao seu charme. Seus delírios de grandeza, aliás, ficam claros já em sua primeira aparição no filme, quando pode ser visto, imponente, no alto do mastro de um pequeno barco à deriva.

Inspirado em uma atração do parque temático da Disney, Piratas do Caribe conta a história de Will Turner (Bloom), um jovem ferreiro que é apaixonado por Elizabeth (Knightley), a filha do governador. Quando a garota é raptada pela tripulação do Pérola Negra, navio comandado pelo cruel Capitão Barbossa (Rush), Will decide resgatá-la e, para isso, solicita a ajuda de Sparrow, que encontra-se preso. O problema é que eles não sabem que o Pérola Negra está amaldiçoado e que, sob a luz do luar, Barbossa e seus tripulantes se transformam em esqueletos ameaçadores...

Os efeitos visuais da produção, diga-se de passagem, são sensacionais: ao contrário da criatura de A Múmia, para citar apenas um exemplo, os esqueletos vistos em Piratas do Caribe se movem com uma incrível fluidez, não apresentando aquelas `tremidas` habituais vistas em personagens digitais (problema que alguns animadores brasileiros batizaram como `flickar`, do inglês flickering). Além disso, as transformações acabam funcionando como recurso dramático para acentuar a ação, como na seqüência de duelo em que os piratas atravessam fachos de luar durante a briga, oscilando entre suas versões em carne-e-osso e aquela mais fantasmagórica.

Da mesma forma, os demais elementos técnicos do filme (como já poderíamos esperar em uma superprodução) são impecáveis: as locações, obviamente aperfeiçoadas em computador, trazem gigantescos rochedos constantemente atingidos por ondas poderosas; e os designs dos navios e da cidade atacada pelos vilões são elegantes e grandiosos. O Pérola Negra, em particular, torna-se uma figura assustadora, já que o diretor de fotografia Dariusz Wolski utiliza sua experiência em projetos sombrios (como Dark City e O Corvo) para conferir um ar ainda mais decadente ao navio – e percebam que tudo o que se encontra a bordo da embarcação assume um tom acinzentado, como se a própria Morte tomasse conta do ambiente. Para finalizar, a trilha composta por Klaus Badelt é empolgante e realça o clima de fantasia.

Enquanto isso, o cineasta Gore Verbinski se estabelece definitivamente como um diretor versátil ao comandar seu quarto filme, sendo que todos pertencem a gêneros diferentes entre si (os anteriores foram o divertido Um Ratinho Encrenqueiro, a comédia romântica A Mexicana e o terror O Chamado) – e, embora nenhum destes títulos seja uma `obra-prima`, não há como negar que funcionam muito bem dentro do estilo que se propõem a seguir. Em Piratas do Caribe, Verbinski acerta em cheio ao não levar o roteiro a sério (o que poderia transformar a experiência em um desastre absoluto) e aposta em um tom de humor e aventura, sem se esquecer, é claro, das `pitadas` de terror: a tomada que mostra um exército de esqueletos caminhando no fundo do oceano é aterradora. Por outro lado, o diretor ignora um ingrediente básico do gênero `filmes de pirata` e inclui poucos duelos, sendo que o único que merece destaque é o primeiro, entre Will e Sparrow: se no passado os inimigos subiam em mesas e escadas para impressionar os espectadores, a versão modernizada destes combates é claramente influenciada por Jackie Chan e, assim, qualquer objeto de cena pode entrar na briga. Infelizmente, as demais lutas são prejudicadas por um erro básico: como os vilões são imortais, a tensão deixa de existir, já que sabemos que estes não podem ser derrotados (ainda assim, Verbinski ignora este fato e insiste em tais seqüências).

Por sorte, há um outro tipo de duelo que funciona muito bem em Piratas de Caribe: o de interpretação, que ocorre entre Geoffrey Rush e Johnny Depp. E, apesar da clara vitória deste último, Rush é hábil ao conseguir ilustrar o sofrimento de seu personagem, que já não suporta mais a maldição que o acompanha. Além disso, sua impaciência ao ser obrigado a ouvir os enlouquecidos argumentos de Jack Sparrow é hilária – e, conseqüentemente, o filme sempre se torna melhor quando os dois atores dividem a cena. Em contrapartida, Orlando Bloom (mais conhecido por viver o elfo Legolas em O Senhor dos Anéis) e Keira Knightley fazem o possível com seus personagens, mas o fato é que, diante do Capitão Barbossa e de Sparrow, o casal romântico inevitavelmente se torna apagado e é relegado ao segundo plano.

E, assim, voltamos ao pirata vivido por Johnny Depp, que conquista o espectador justamente por ser imprevisível (quando alguém pergunta `de que lado ele está`, ouve a resposta: `No momento?`). Não há dúvidas de que o ator foi extremamente corajoso ao transformar o herói de uma aventura em um indivíduo cheio de estranhos maneirismos e andar trôpego, como se estivesse sempre bêbado – as chances de que sua caracterização exagerada fosse criticada eram imensas. Felizmente, ele ignorou a lógica e ajudou a transformar Piratas do Caribe em um filme muito melhor (embora ainda longo) do que poderia ser. Aliás, vou mais além: Depp merece ser indicado ao Oscar por sua performance – afinal, interpretar um matemático esquizofrênico ou um policial corrupto dificilmente envolve tantos riscos quanto o de viver um pirata como Jack Sparrow.

Observação: não deixe de conferir a cena que surge depois dos créditos finais.

30 de Agosto de 2003

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

Para dar uma nota para este filme, você precisa estar logado!