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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
14/08/2014 01/01/1970 3 / 5 / 5
Distribuidora
Paris Filmes

O Doador de Memórias
The Giver

Dirigido por Philip Noyce. Roteiro de Michael Mitnick e Robert B. Weide. Com: Brenton Thwaites, Jeff Bridges, Odeya Rush, Cameron Monaghan, Alexander Skarsgård, Katie Holmes, Emma Tremblay, Taylor Swift e Meryl Streep.

Embora publicado no início da década de 90, O Doador de Memórias é prejudicado, de certa forma, por chegar aos cinemas depois de uma enxurrada de outros títulos que buscam o público “Young Adult” (Jogos Vorazes, Divergente, etc). Se sua abordagem narrativa e sua trama podiam soar instigantes e relativamente novas em 1993, somadas àquelas adotadas por seus sucessores acabam criando apenas a imagem de um grupo de autores que leram 1984 e Admirável Mundo Novo e enxugaram os temas para facilitar sua assimilação: há o/a Escolhido(a), uma distopia na qual o coletivo sufoca a individualidade e, claro, a ideia de que o/a protagonista é a única pessoa capaz de derrubar o Sistema e permitir que o Eu ganhe mais espaço que a Comuna.

Não que isto impeça O Doador de Memórias (ou seus primos) de ser um bom filme – e, de modo geral, este trabalho roteirizado por Michael Mitnick e Robert B. Weide a partir do livro de Lois Lowry é suficientemente envolvente para representar um passatempo eficiente (mesmo que facilmente esquecível). Trazendo um mundo futurista no qual o sexo foi abandonado como modo de reprodução, passando ao Estado a responsabilidade de gerar novos indivíduos (cof-Aldous Huxley-cof), o longa passa a acompanhar o jovem Jonas (Thwaites), que está prestes a receber da Anciã-Chefe (Streep) a função que exercerá ao longo da vida. Para sua surpresa, porém, ele é anunciando como o novo Recebedor de Memórias, passando a frequentar a casa do isolado Doador do título (Bridges) – que, para preocupação geral, falhou durante o treinamento da aprendiz anterior (Swift).

Apresentando ao espectador um mundo visualmente intrigante, O Doador de Memórias é bem mais rico em seu design de produção (obra do veterano Ed Verreaux) do que em sua história, mergulhando a narrativa numa cidade que surge como uma ilha aparentemente flutuante em meio a nuvens e cujos edifícios sempre em linhas retas remetem à mentalidade de zelo por disciplina que rege aquela sociedade – e, assim, é perfeito que a casa do Doador seja a única a trazer, em sua vasta biblioteca, curvas nas prateleiras e padrões circulares no assoalho, indicando a mesma natureza rebelde já sugerida pelos cabelos despenteados de Jeff Bridges e por suas roupas que fogem dos padrões daquelas usadas pelos demais.

Enquanto isso, a fotografia de Ross Emery ajuda a traçar a evolução do protagonista ao conceber seu universo em tons de cinza que vão sendo pincelados aos poucos por cores a princípio dessaturadas e que se tornam gradualmente mais intensas. Em contrapartida, se este conceito funciona maravilhosamente como metáfora, torna-se inevitavelmente estúpido quando percebemos que é também uma representação literal da visão dos personagens, que, de alguma forma, realmente tiveram sua capacidade de enxergar cores removida pelo governo. Para finalizar, o conceito que envolve o clímax (que, sem me entregar a spoilers, envolve um efeito provocado ao se cruzar uma fronteira) é tolo e jamais explicado apropriadamente pelo roteiro.

Não que este seja o único problema da adaptação de Weide e Mitnick: é frustrante, por exemplo, perceber tropeços primários como perceber a personagem de Katie Holmes afirmando que “não se discute” o incidente envolvendo a Recebedora de Memórias anterior quando, na realidade, foi ela mesma quem tocou no assunto inicialmente. Além disso, a narração em off – como normalmente acontece – mostra-se excessiva e dispensável na maior parte do tempo, ao passo que, como já apontado, a mensagem do longa soa simplista e, como tal, relativamente nociva se levada a sério (o que, felizmente, nem o próprio filme parece fazer).

Ainda assim, há outros elementos em O Doador de Memórias que enriquecem a narrativa: é curioso, por exemplo, perceber como os personagens usam uma maçã para evitar os medicamentos que amortecem seus sentimentos, criando um paralelo divertido com o Pecado Original – e, da mesma maneira, é apropriado que Jonas tenha que saltar cegamente em um precipício para fugir da mesmice, numa metáfora que, mesmo pouco original, funciona naquele contexto. E se é bacana observar como as roupas de Asher (Monaghan) passam a sugerir um padrão militar quando este se torna piloto de drones, a coisa se torna ainda melhor quando percebemos como a ótima trilha de Marco Beltrami se esforça para comentar a narrativa sem necessariamente tentar guiá-la sozinha.

Contrapondo – intencionalmente ou não – a inexpressividade dos jovens atores ao carisma e à força de Jeff Bridges, que traz humanidade ao filme, O Doador de Memórias pode até ser perdoado por desperdiçar Meryl Streep, já que é fácil compreender a tentação de escalar uma atriz de peso a fim de enriquecer uma antagonista com tão pouco tempo de tela. E se o diretor Philip Noyce não demonstra, aqui, a mesma competência nas sequências de ação vistas em Salt, ao menos acerta em outros momentos que exigem força emocional – como ao usar o velho e bom efeito Kuleshov para sugerir a reação do adorável bebê às memórias que recebe.

Memórias que, ainda assim, falham em emocionar o espectador por serem apresentadas não como uma colagem complexa de nossas experiência como humanos, mas apenas como um caro e pasteurizado comercial de refrigerante. E que, por assim surgirem, não mereceriam tanto sacrifício para serem resgatadas.

12 de Setembro de 2014

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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