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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
25/10/2000 31/03/2000 5 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
113 minuto(s)

Alta Fidelidade
High Fidelity

Dirigido por Stephen Frears. Com: John Cusack, Jack Black, Iben Hjejle, Todd Louiso, Lisa Bonet, Catherine Zeta-Jones, Lily Taylor, Joan Cusack e Tim Robbins.

Sei que dificilmente estarei sendo original ao fazer isso, mas não consigo resistir. Assim sendo, passo a listar as cinco melhores coisas existentes em Alta Fidelidade, um filme realmente interessante e divertido de se assistir:

1) O fato de Rob Gordon (Cusack) estar sempre conversando com o espectador;
2) A cena na qual Rob imagina como deve reagir à visita de Ian (Robbins), com quem sua ex-namorada está morando;
3) A trilha sonora;
4) Qualquer cena na qual Barry (Black) e Dick (Louiso) apareçam;
5) O título.

Porém, como esta seção do Cinema em Cena se propõe a fazer análises mais detalhadas dos filmes abordados, passo a elaborar um pouco melhor os itens acima:

1) John Cusack é um ator atípico: apesar de estar sempre interpretando personagens de caráter dúbio e propensos a cometerem atos absurdamente desprezíveis (como em Os Imorais, Tiros na Broadway, Matador em Conflito, Alto Controle, Quero Ser John Malkovich, entre outros), não podemos dizer que ele se repete. Nem mesmo o fato de seus personagens estarem sempre dispostos a reconhecer suas falhas perante o espectador pode ser usado como base de comparação, já que todos os filmes citados acima são radicalmente diferentes entre si. A verdade é que só há um ponto semelhante entre todos estes indivíduos interpretados por Cusack: eles são seres humanos comuns que cometem os mesmo equívocos que qualquer um de nós poderia cometer (excetuando-se, talvez, o assassino de Matador em Conflito - e, mesmo assim, somente se o analisarmos de maneira literal).

Cusack é um desses atores (como Eric Stoltz) que não parecem estar interessados na fama; o que importa é encontrar bons papéis em filmes que possuam algum mérito artístico, alguma pretensão além de alcançar boas bilheterias. Justamente por isso, seus trabalhos costumam atingir o espectador de forma pessoal, levando-o a analisar o próprio comportamento e sua postura diante das dificuldades do dia-a-dia. Esta identificação torna-se ainda mais real em Alta Fidelidade, já que o personagem de Cusack confidencia com a platéia durante toda a narrativa - algo que o transforma em um de nossos `amigos` (principalmente porque ficamos a par de seu sofrimento e de sua angústia ao ser abandonado pela namorada). Assim, quando descobrimos suas pequenas falhas de caráter, somos levados a perdoá-lo - afinal de contas, poderíamos cometer os mesmos equívocos que ele.

2) Esta `proximidade` ressalta-se ainda mais graças a pequenos recursos utilizados pela direção fluida de Stephen Frears. Tomemos, como exemplo, a cena em que Rob recebe uma visita de Ian, atual companheiro de sua ex-namorada: ao ser confrontado pelo sujeito, ele imagina diversas `respostas` apropriadas para a situação. Além de irreverente e construtivo para a narrativa, este é meio ideal para estreitar os laços entre a platéia e o protagonista da trama - afinal de contas, quem nunca se encontrou nesta situação? Quem nunca pensou, depois de uma discussão: `Meu Deus, eu deveria ter dito isso ou aquilo!`; `Por que não o expulsei da sala?`, `Por que não fui mais irônico?`, ou algo assim?

Em certo momento, Rob afirma que `o que importa é do que gostamos, não o que somos`. Isto pode até não ser verdade, mas é assim que a maioria das pessoas age - e, ao abrir estas pequenas `janelas` para a mente do personagem, Frears permite que vejamos não apenas o que ele gosta, mas também quem ele é e o que pensa.

3) Não que o gosto musical do personagem de Cusack não seja relevante; na verdade, ele é a tradução sonora de seu caráter. Logo no começo do filme, Rob diz não saber se sua vida é miserável porque ele ouve música pop, ou se ele ouve música pop porque sua vida é miserável. Provavelmente, a solução para o problema reside em um meio-termo: afinal de contas, todos nós associamos certas canções a determinados sentimentos. Eu, por exemplo, costumo sentir certa melancolia sempre que ouço The Sound of Silence (especialmente o verso que diz que `o silêncio cresce como um câncer`). Da mesma forma, tenho absoluta certeza de que você também mantém ligações especiais com determinadas músicas. Assim como Rob, qualquer um de nós poderia organizar uma coleção de discos (ou CDs) em ordem autobiográfica. Às vezes, até canções que odiamos possuem certa relevância em nossas vidas. A verdade final? Todos temos uma trilha sonora que ilustra nossa existência.

4) É claro que Rob (e seus assistentes, Dick e Barry) tem a sorte de trabalhar justamente em uma loja de vinis (ah, que saudades daquele chiado...), o que lhe permite levar uma vida literalmente musicada. Aliás, a música é tão importante na existência destes três rapazes que chega a espelhar o próprio temperamento de cada um: Barry, o explosivo, gosta de ritmos mais agitados e letras mais apologéticas; Dick, o sentimental, aprecia melodias mais tranqüilas e versos românticos; e, por último, Rob faz jus ao seu humor oscilante e demonstra ser mais eclético em suas preferências.

5) Mas não é só o humor de Rob que oscila: seu coração também se revela bastante volúvel. Até mesmo sua dor-de-cotovelo com relação ao término de seu namoro é prova cabal disso, já que ele mesmo confessa ter se interessado por outras garotas enquanto ainda morava com Laura (Hjejle). Assim, a Alta Fidelidade do título não se refere apenas ao mundo musical de Rob, mas também representa a definição de seu comprometimento com a namorada - tornar-se fiel é um passo importante para seu crescimento.

Mesmo assim, não podemos ignorar a curiosa analogia presente no título do filme: afinal, o comportamento eternamente adolescente e imaturo do rapaz acaba se refletindo no próprio contraste entre o vinil (símbolo do passado) e o CD (o presente, o futuro). Não é à toa que a primeira atitude de Rob ao decidir dar novos rumos a sua vida é produzir um CD (renovação), mesmo que ainda utilize seus vinis (sua bagagem, seu aprendizado) na festa de lançamento do mesmo.

É uma pena que eu não possa incluir mais um item nesta lista de qualidades de Alta Fidelidade, já que isso arruinaria a brincadeira. Se eu pudesse, mencionaria justamente o hábito cultuado por Rob de fazer listas dos `Cinco Mais` sobre qualquer tema. Neste caso, eu não poderia deixar de classificar este filme como um dos cinco melhores do ano. Mas creio que já me fiz entender...
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19 de Novembro de 2000

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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