Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
20/06/2003 | 04/04/2003 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
81 minuto(s) |
Dirigido por Joel Schumacher. Com: Colin Farrell, Forest Whitaker, Katie Holmes, Radha Mitchell, John Enos III, Dell Yount, Richard T. Jones e Kiefer Sutherland.
Normalmente, quando aprecio o trabalho de um cineasta, torço para que seus novos projetos possam contar com orçamentos mais folgados, que lhe permitam maior liberdade na elaboração de suas idéias. Curiosamente, com Joel Schumacher é o contrário: apesar de já ter realizado filmes exemplares, como Um Dia de Fúria e Tigerland, este diretor geralmente alcança seus melhores resultados ao trabalhar de forma quase independente, com recursos limitados e cronograma apertado – e suas incursões ao mundo das superproduções deram origem a desastres como Batman & Robin e Em Má Companhia. Assim, não é surpresa constatar que este seu novo trabalho, Por um Fio, custou apenas 10 milhões de dólares e foi rodado em 12 dias. Ou seja: em condições ideais para que Schumacher pudesse se redimir de seus pecados profissionais.
Apesar da desnecessária seqüência de introdução, que mostra um satélite flutuando no espaço, Por um Fio conta uma história que se passa inteiramente em uma cabine telefônica: habituado a mentir para conseguir o que deseja, o relações-públicas Stu Shepard (Farrell) utiliza sempre o mesmo telefone público para ligar para uma garota por quem está interessado, já que sua esposa tem o hábito de conferir os números discados em seu celular. Certo dia, porém, logo após conversar com a moça (interpretada por Katie Holmes), Stu ouve o telefone tocar e decide atender a chamada. Para seu espanto, a voz do outro lado da linha o informa de que ele está sob a mira de um rifle e o proíbe de desligar o aparelho. Enquanto tenta convencer o atirador a deixá-lo partir, Stu é cercado pela polícia (por motivos que não pretendo revelar) e deve lidar simultaneamente com o assassino e com o detetive vivido por Forest Whitaker, sob pena de perder a vida.
Escrito por Larry Cohen, Por um Fio não se deixa prejudicar pelo espaço limitado no qual a ação acontece, já que o roteirista mantém um constante clima de tensão ao jogar seu protagonista em situações cada vez mais complexas: inicialmente, a voz ameaçadora alegar estar apenas observando os movimentos de Stu; porém, minutos depois, acaba revelando seus verdadeiros propósitos ao dizer: `Estou mirando em você neste momento. Você consegue sentir isso?` – uma pergunta que arremessa o rapaz em um estado de apavorante impotência frente ao desconhecido. Além disso, a interferência das pessoas que insistem em utilizar o telefone acaba gerando um confronto explosivo, capaz de deixar os nervos do espectador em frangalhos.
Funcionando como uma metáfora óbvia da redenção obtida em um confessionário (a cabine telefônica seria o local da confissão, e o atirador funcionaria como um padre, ou até mesmo como Deus), a situação enfrentada por Stu torna-se ainda mais desesperadora graças à cruel personalidade de seu algoz: além de ameaçar a vida do relações-públicas, o suposto assassino ainda diverte-se ao tentar confundi-lo, como no momento em que finge ser um veterano do Vietnã somente para gargalhar maldosamente assim que Stu tenta consolá-lo por sua `experiência traumática`. Acusando sua vítima de ser `desumana para com seus semelhantes`, o misterioso atirador, `dublado` por Kiefer Sutherland, é a presença mais fascinante do filme, já que o ator consegue transmitir com brilhantismo o cinismo, o rancor e a crueldade do personagem apenas com as inflexões de sua voz – e é realmente assustador perceber sua terrível lucidez no instante em que ele descarta uma proposta ingênua de Stu ao dizer: `Você deve achar que sou louco`. Em um mundo mais justo, Sutherland certamente seria premiado por sua estupenda performance nesta produção (afinal, a trama só convence graças à ameaça imposta por seus discursos).
Fazendo jus ao desempenho de seu antagonista, Colin Farrell também realiza um belo trabalho como o arrogante Stu: já nos cinco minutos iniciais de Por um Fio, o ator já estabelece com eficiência o caráter desprezível de seu personagem, ilustrando para o público os motivos que o levaram a ser escolhido pelo assassino. Além disso, é importante observar que, preso no apertado espaço da cabine, Farrell não conta com nenhum recurso adicional para retratar a gradual deterioração psicológica do rapaz, que, de um indivíduo confiante e seguro de si, transforma-se em uma criatura patética e desesperada. Fechando o elenco, vem o sempre eficiente Forest Whitaker, que assume o papel de um detetive que procura redimir-se de um erro anterior.
Porém, Por um Fio jamais funcionaria caso Joel Schumacher não resgatasse o próprio talento no intuito de conferir energia à história – afinal, seria muito fácil transformar o roteiro de Cohen em um filme cansativo e lento, já que, basicamente, a ação se concentra no confronto verbal (e em tempo real) entre dois personagens. Trabalhando em sintonia com o editor Mark Stevens (seu colaborador habitual), Schumacher emprega todos os recursos à sua disposição a fim de imprimir ritmo ao projeto, utilizando com particular competência a divisão de telas para enfocar várias ações simultâneas.
Apesar de sua ingênua lição de moral, Por um Fio é um suspense bem realizado que se beneficia principalmente da personalidade fascinante de seu vilão. Confesso, aliás, que gostaria de ver o personagem de Kiefer Sutherland protagonizando outros filmes, já que, como o John Doe vivido por Kevin Spacey em Se7en, este assassino hollywoodiano certamente possui uma forma bem peculiar de encarar o mundo.
26 de Maio de 2003