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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
17/06/2005 15/06/2005 5 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
140 minuto(s)

Batman Begins
Batman Begins

Dirigido por Christopher Nolan. Com: Christian Bale, Michael Caine, Gary Oldman, Liam Neeson, Morgan Freeman, Cillian Murphy, Ken Watanabe, Tom Wilkinson, Rutger Hauer, Linus Roache, Katie Holmes, Mark Boone Junior, Rade Serbedzija.

Antes de Joel Schumacher transformar a série Batman em um festival de cafonice, exagero e auto-paródia, Tim Burton havia estabelecido o universo do super-herói como um pesadelo gótico, um mundo no qual ninguém gostaria de viver. Ainda assim, a fantasia era parte integral da concepção de Burton: os personagens eram grandiosos, assim como suas aventuras. Batman/Bruce Wayne podia ser um sujeito sério, mas não era uma figura dramática – afinal, qualquer tentativa de se criar um centro emocional denso para o filme seria inevitavelmente sabotada pela explosão de vivacidade do Coringa, pela aparência absurda do Pingüim ou pelo `Miau!` da estonteante Mulher-Gato em sua roupa apertada de couro.

Pois a maior virtude de Batman Begins, comandado por Christopher Nolan (Amnésia, Insônia), reside em sua escolha de não obrigar o personagem-título a ser um centro de `razão` em um universo absurdo; desta vez, é a história (mais: a diegese) que se vê obrigada a se adequar ao humor sombrio do herói. Sim, Nolan reconhece a existência dos filmes anteriores (em certo momento, o tenente Gordon vê um dos acessórios de Batman e cita o Coringa de Jack Nicholson ao desabafar: `Eu preciso ter um destes!`), mas, de modo geral, Batman Begins faz jus ao título e representa um novo início para o Homem-Morcego. Aliás, a preocupação do cineasta em conferir peso de realidade ao filme é tanta que, desta vez, até a `bat-caverna` e o batmóvel são apresentados de forma razoavelmente lógica - e mesmo as orelhas pontudas da máscara do personagem desempenham uma função determinada.

Escrito por Nolan e por David S. Goyer (que, inexplicavelmente, também cometeu o pavoroso Blade: Trinity), o roteiro reconta a origem do herói; porém, desta vez, a história não se limita a encenar a morte dos pais de Bruce Wayne. Goyer compreende que, para fazer algum sentido dramático, a perda do garoto tem que ser inserida em um contexto apropriado – e, assim, temos a oportunidade de conhecer bem melhor o relacionamento entre Bruce e seu pai (em flashbacks filmados em cores quentes, que reforçam a nostalgia da infância feliz do protagonista), e o dr. Thomas Wayne chega mesmo a ganhar uma personalidade bem definida, permitindo que percebamos por que o filho não se tornou um homem fútil, mas alguém com objetivos `maiores` na vida. O resultado é que, em vez de servir como uma mera desculpa para a transformação de Bruce Wayne em Batman, a morte de seus pais atua como contexto para todas as neuroses do sujeito, convertendo-o em um personagem tridimensional, complexo.

Outra forte `ponte` entre a ficção e o mundo real reside na violência que toma conta de Gotham City, que, em vez de uma cidade fantasiosa, surge como um símbolo de todas as metrópoles do mundo e de seus problemas – em especial, a criminalidade desenfreada. Gotham poderia ser Nova York, Londres ou Buenos Aires; Rio de Janeiro, São Paulo ou Belo Horizonte: quem não vive, atualmente, sob a opressão provocada pelo medo constante de se tornar mais uma estatística da violência urbana? Nos últimos quinze anos, o submundo das drogas vem abandonando as esquinas escuras e invadindo nossos lares. A vida perdeu o valor; mata-se por matar: entregar pacificamente todos os seus pertences a um assaltante não é garantia de que ele não vá assassiná-lo a sangue frio. Neste sentido, Batman é mais do que um `super-herói`. Como Christopher Nolan transforma Gotham em um lugar `real`, o surgimento do Homem-Morcego funciona, para o espectador, quase como uma catarse. Finalmente alguém está agindo!

E já que mencionei o `Homem-Morcego`, devo dizer que não é à toa que Bruce Wayne cria o conceito visual de Batman. Mais uma vez ancorando a fantasia na realidade, o filme ilustra a inteligência do bilionário ao compreender a importância do Símbolo em sua luta contra o crime: `Morcegos me assustam. É hora dos meus inimigos partilharem deste receio`. Desta vez, há uma justificativa racional para a aparência de Batman, e não apenas um pretexto artificial. O resultado pode ser observado com facilidade: o medo dos marginais em Batman – O Filme era caricatural; já em Batman Begins, podemos sentir que o temor que sentem pelo personagem-título é palpável, é um terror plenamente justificável. (Da mesma forma, o roteiro se preocupa até mesmo em explicar como o uniforme do herói é fabricado sem que os `fornecedores` percebam o que estão fazendo e, conseqüentemente, descubram sua identidade secreta.)

Ao mesmo tempo, o filme não renega a fantasia completamente: há elementos claramente cartunescos espalhados ao longo da história, desde a `rara flor azul que cresce no alto de uma montanha` até a própria natureza do Espantalho – mas, novamente, estes aspectos surgem dentro de um contexto apropriado que disfarça o absurdo e quase o transforma em prosaico. Para auxiliar nesta tarefa, aliás, a força do elenco escalado por Nolan é fundamental: Michael Caine traz calor humano para a história; Morgan Freeman faz o equipamento de Batman soar plausível; Gary Oldman traz Serpico a Gotham City; Katie Holmes representa com talento o resto de decoro ainda existente na cidade; Cillian Murphy impressiona com o desequilíbrio do Dr. Jonathan Crane; Liam Neeson brinca com nossas expectativas acerca de seu habitual papel de `mentor`; e Rutger Hauer (como é bom vê-lo novamente!) representa a vilania das corporações (algo que discuti ao escrever sobre Em Boa Companhia) em sua ganância sem limites. Vale salientar, inclusive, que até mesmo papéis pequenos ganham representantes de peso, como o mendigo vivido por Rade Serbedzija e o `guru` de Ken Watanabe.

Mas o longa se chama Batman Begins e, é claro, nada seria caso tivesse um protagonista inseguro. Felizmente, Christian Bale é um ator espetacular que consegue trazer densidade dramática e peso emocional para todo personagem que vive – de O Império do Sol a Psicopata Americano, passando por Shaft e O Operário, Bale vem se estabelecendo como um intérprete corajoso que não hesita em assumir papéis complexos, repletos de ambigüidade – e Bruce Wayne/Batman é ambíguo em sua essência. Depois de uma juventude perdida para a inconformidade com a morte dos pais (o que o leva a vários gestos de incrível imaturidade), Bruce torna-se um adulto seco, cínico, incapaz de confiar em quem quer que seja (não é à toa que, em certo momento, ele é cercado por um `labirinto` móvel formado por pessoas, num belo símbolo de sua inadequação social). E é comovente vê-lo adotar uma fachada que despreza (a de playboy inconseqüente) e `sujar` o nome do pai com o propósito de disfarçar suas atividades noturnas – e Bale chega a mudar a voz ao usar a máscara de Batman, comprovando que tem a forte preocupação (inexistente em Clark Kent, por exemplo) de evitar ser identificado.

Não que Batman Begins não tenha seus probleminhas: em algumas das seqüências de ação (principalmente durante as lutas), Christopher Nolan e o montador Lee Smith abusam da velocidade dos cortes, tornando os confrontos confusos e menos impactantes do que poderiam ser. Da mesma forma, por mais bem formatado que seja o roteiro de Goyer, com sua inteligente estrutura narrativa, as poucas piadas espalhadas ao longo da projeção jamais funcionam muito bem (com exceção de uma hilária manchete de jornal), já que, na realidade, nem deveriam existir – o pesado universo criado pelo cineasta não comporta estas tentativas de humor (comentarei outra opção infeliz do roteirista na segunda parte desta análise, mais abaixo). Já a trilha composta por James Newton Howard e Hans Zimmer é impecável: sem procurar criar um `tema` para o herói, a dupla aposta em uma música forte que revela melodias tristes mais do que apropriadas ao filme.

Voltando à idéia de situar Batman Begins em um contexto social que espelhe a realidade, o cineasta ainda apresenta um conceito absolutamente fascinante para justificar não apenas as continuações, mas a natureza cada vez mais absurda dos vilões que o herói virá a enfrentar: assim como medidas mais fortes por parte da Lei resultam em ações mais ousadas por parte dos bandidos, num eterno círculo vicioso, a própria persona de Batman serviria como ponto de partida para o surgimento de figuras como Charada, Pingüim e Cia, como se a mera existência de um super-herói tivesse, como conseqüência inevitável, a materialização do super-vilão.

Espero apenas que, como acontece aqui, o universo dos próximos filmes permaneça coerente. Batman é mais eficaz quando podemos imaginá-lo caminhando sob as sombras de nossa própria cidade.

A Necessidade de Ser Reconhecido

Em primeiro lugar, é necessário informar que esta breve discussão tem, como ponto de partida, um detalhe da trama de Batman Begins. Não é algo fundamental para a história nem uma reviravolta importante. É um mero... acontecimento. Ainda assim, caso não queira conhecer detalhe algum do filme antes de vê-lo, talvez seja melhor voltar a esta página depois da sessão.

Feito este aviso, sinto-me à vontade para dizer que, do ótimo roteiro de David S. Goyer (repito: como ele pode ter escrito Blade: Trinity?), o único elemento que realmente me incomodou foi o momento em que Batman permite que a promotora Rachel Dawes, vivida por Katie Holmes, descubra quem ele é: Bruce Wayne. Goyer até procura justificar a revelação (o herói está prestes a enfrentar inimigos perigosos e pode morrer), mas a verdade é que a cena enfraquece um pouco o drama do protagonista.

Que drama? Aquele originado pela necessidade de levar uma vida dupla. De ter que se passar por um imbecil para que ninguém suspeite de que, na realidade, é ele quem luta para tornar Gotham um lugar melhor. De ser um herói à noite e um playboy fútil durante o dia. Para cumprir o objetivo de lutar contra o crime, Bruce deve se apresentar como o oposto do que Batman representa: um babaca egoísta. Só assim poderá proteger aqueles que lhe são caros e que se tornariam alvos da vingança de seus inimigos, caso estes conhecessem sua identidade secreta. Ele deve, portanto, sujar aquilo que mais respeita: o sobrenome de seu pai.

Esta necessidade de manter o anonimato sempre representou uma das principais peças dramáticas nas histórias envolvendo super-heróis: como espectadores, lamentamos que o herói seja constantemente humilhado em sua segunda identidade (pense em Clark Kent e sua fama de covarde) e, de certa forma, torcemos para que ele tenha seus esforços reconhecidos. Ao mesmo tempo, porém, admiramos sua força de caráter ao manter-se anônimo: para ele, é mais importante ser útil e ajudar o próximo do que colher os louros por suas ações. Esta é a característica essencial do herói, afinal de contas: seu altruísmo, seu desapego das coisas materiais e da superficialidade da fama.

Quando assisti a O Homem-Aranha 2, escrevi que, apesar de excelente, o filme tinha um problema que eu considerava grave: `a excessiva exposição da identidade do herói`. Na época, porém, não parei para avaliar o significado desta exposição, preferindo atribuí-la, preguiçosamente, a um simples erro de julgamento por parte dos realizadores. Ao rever o longa, no entanto, comecei a perceber que a questão era mais profunda e envolvia mudanças nos valores da Sociedade de modo geral. Talvez sem notar (ou, quem sabe, intencionalmente), o experiente roteirista Alvin Sargent levou, para o universo do herói, a superficialidade dos tempos em que vivemos, em que o importante é o `imediato`, o `agora`. E mais: ser `famoso` deixou de ser conseqüência de realizações admiráveis e tornou-se um fim em si mesmo; é quase uma profissão. Paris Hilton, Preta Gil, ex-Big Brothers e tantos outros exemplos podem ser encontrados constantemente nas revistas de fofocas, mostrando-se sempre dispostos a tudo (inclusive ao ridículo) para estenderem os 15 minutos de fama preconizados por Andy Warhol.

Assim sendo, de que vale salvar o mundo se ninguém sabe que o fiz? Todos os dias, celebridades convocam entrevistas coletivas para anunciarem seus projetos beneficentes, seus `esforços` pelo próximo. Figuras como Ayrton Senna, que mantinham seus empreendimentos de caridade em segredo, pertencem ao passado. É cool (para usar uma palavra que detesto quando empregada em textos em português, mas que aqui se aplica graças ao contexto) ser benemérito.

E voltamos, portanto, às máscaras caídas do Homem-Aranha e de Batman e ao porquê destas revelações soarem (ao menos, para mim) tão decepcionantes, tristes. Até mesmo os grandes ícones dos quadrinhos, os super-heróis, entregaram-se à tentação da fama. Fazer o bem só tem sentido se traz benefícios a quem o faz.

O cineasta francês Eric Rohmer escreveu que `todo bom filme de ficção é também um documentário`, explicando que, quando realizada com talento, uma produção conseguia captar (e eternizar) a própria época em que fora rodada, independente da história que narrava. Talvez seja esta a razão pela qual O Homem-Aranha 2 e Batman Begins obriguem seus personagens-título a tirarem as máscaras. Como bons filmes, precisam retratar a futilidade do mundo atual.

14 de Junho de 2005

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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