Datas de Estreia: | Nota: | ||
---|---|---|---|
Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
14/01/2016 | 20/11/2015 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Mares Filmes | |||
Duração do filme | |||
118 minuto(s) |
Dirigido por Todd Haynes. Roteiro de Phyllis Nagy. Com: Cate Blanchett, Rooney Mara, Kyle Chandler, Sarah Paulson, Cory Michael Smith, Jake Lacy.
Quando Patricia Highsmith escreveu a história que deu origem a Carol, em 1952, usou um pseudônimo para evitar ser condenada por lidar com a homossexualidade em seu trabalho. Pode parecer inacreditável, mas, mais de 60 anos depois, o mundo mudou bem menos do que poderíamos imaginar, já que o simples fato de duas atrizes estabelecidas como Cate Blanchett e Rooney Mara interpretarem um casal de lésbicas é motivo imediato para que boa parte da imprensa use a palavra “controverso” ao mencionar o projeto.
Ora, o que há de “controverso” em um romance? Por que o simples fato de duas pessoas dividirem o mesmo par de cromossomos sexuais deveria determinar a validade do amor ou do tesão que sentem uma pela outra? Como é possível que em 2015 um filme como Carol não seja uma recriação histórica que nos leva a balançar a cabeça diante da ignorância de nossos antepassados, mas um comentário sobre a intolerância que ainda testemunhamos diariamente? Quando vemos os personagens deste projeto discutindo a homossexualidade como se fosse uma doença ou uma grave questão moral, não podemos sequer nos dar ao luxo de suspirar aliviados diante da evolução de nossa sociedade, já que líderes evangélicos ainda defendem a “cura gay” do alto de suas posições no Congresso enquanto preconceituosos de todas as denominações insistem em afirmar que a defesa por direitos LGBT não passa de uma tentativa de implementar, vejam só, uma “ditadura gay”.
É mais do que apropriado, portanto, que o filme seja dirigido por Todd Haynes, um cineasta que, ao longo de sua excepcional carreira, frequentemente lida não só com temas homossexuais (como em Velvet Goldmine e Longe do Paraíso), mas também com o próprio conceito de identidade de gênero (como ao trazer Cate Blanchett vivendo Bob Dylan em Não Estou Lá). Trabalhando a partir de um roteiro escrito por Phyllis Nagy, o diretor aqui acompanha a personagem-título (Blanchett), uma mulher que, mãe carinhosa e dedicada, enfrenta a frustração do ex-marido (Chandler) desde que este descobriu que ela se envolvera com uma amiga de infância (Paulson). Deprimida e inquieta, ela parece despertar ao conhecer a jovem Thérese (Mara), vendedora de uma loja de departamentos que também exibe um fascínio instantâneo pela forte Carol.
Delicado ao construir o relacionamento entre as duas mulheres, Haynes emprega boa parte da narrativa para retratar a aproximação das duas, deixando claro que o que há ali é mais do que apenas sexo (se fosse, tampouco seria problema). Assim, quando testemunhamos a profunda identificação entre Carol e Thérese, bem como o carinho, a preocupação, o fascínio e o tesão que sentem uma pela outra, torna-se impossível, para qualquer um com o mínimo de empatia, não torcer pelo sucesso daquela história. Além disso, o diretor encena o sexo de forma intensa e passional, mesmo que nem tente se aproximar daquelas vistas em Azul é a Cor Mais Quente.
Sim, é óbvio que a maneira como Blanchett e Mara sugerem a atração que suas personagens experimentam é fundamental, mas ainda mais importante é notar como elas evocam a felicidade das duas. Da mesma forma, as atrizes criam uma dinâmica eficaz através dos contrastes entre suas composições: se a primeira vive Carol como uma mulher madura e segura de si mesma (ainda que por vezes pense em se anular para evitar problemas), a segunda transforma Thérese em uma jovem insegura que busca não só seu lugar no mundo, mas sua própria identidade – e notar como a inflexão forte da voz de Blanchett se contrapõe à entonação suave de Mara é perceber a riqueza de suas caracterizações e, claro, da direção de Haynes. E ainda que seja o único grande “antagonista” do filme, Kyle Chandler encarna o marido de Carol não como um sujeito mau, mas como alguém cuja natureza generosa acaba cedendo a uma vida de ensinamentos preconceituosos.
Tecnicamente admirável ao fazer um ótimo trabalho de recriação de época (obra da designer de produção Judy Becker), Carol também se beneficia da inteligente fotografia de Edward Lachman, que, rodando o projeto em 16mm, constantemente mantém as personagens situadas nos cantos do quadro, como se isoladas por suas circunstâncias. Além disso, ao usar as luzes fluorescentes da loja na qual Thérese trabalha para drenar a força das cores, Lachman ilustra como a garota se sente oprimida e sem vida ali (algo ressaltado pelo ótimo plano no qual a vemos emoldurada por seu armário no vestiário). Enquanto isso, a figurinista Sandy Powell traz Carol constantemente vestida de vermelho, numa indicação de seu papel no despertar sexual da parceira, transferindo a cor para as roupas de Thérese à medida que a narrativa avança.
Forte candidato desde já às premiações de fim de ano, Carol é um filme que demonstra (e é triste que isto ainda seja necessário) que, embora as relações homossexuais sejam vistas como “imorais” ainda por tanta gente, o que é realmente imoral é tentar sufocar a livre expressão romântica e sexual em um mundo cada vez mais tomado pelo ódio e pela intolerância.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Cannes 2015.
16 de Maio de 2015