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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
02/06/2016 10/06/2016 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
Universal
Duração do filme
123 minuto(s)

Warcraft - O Primeiro Encontro de Dois Mundos
Warcraft

Dirigido por Duncan Jones. Roteiro de Duncan Jones e Charles Leavitt. Com: Travis Fimmel, Paula Patton, Ben Foster, Dominic Cooper, Ruth Negga, Ben Schnetzer, Toby Kebbell, Clancy Brown, Daniel Wu, Anna Galvin.

O histórico de filmes adaptados de games não é dos melhores, já começando com Super Mario Bros. e passando por Street Fighter, Mortal Kombat, Tomb Raider, Resident Evil, Hitman e Doom, entre outros (nem vou mencionar os de Uwe Boll). Não é difícil compreender por que estas adaptações fracassam com tanta frequência, já que, além de precisarem condensar uma história que rende horas de jogo, devem fazê-la se sustentar sem depender de conhecimentos extra-filme mesmo que tragam referências (inclusive visuais) que os fãs dos jogos reconhecerão e aplaudirão – e talvez seja por isto que, mesmo quando um projeto se destaca de alguma maneira (Final Fantasy, Silent Hill), acaba sendo massacrado por aqueles que se veem frustrados com as mudanças feitas para que se mostrassem eficazes como uma obra coesa e independente.


Pois sejam lá quais tenham sido as alterações realizadas em Warcraft, espero que os fãs percebam que elas valeram a pena.

Escrito por Charles Leavitt e revisado pelo diretor Duncan Jones, o roteiro se passa em um universo no qual os orcs estão prestes a invadir o mundo dos humanos, atravessando, para isso, um portal mágico invocado pelo maligno Gul’dan (Wu) – e cuja “energia” surge apropriadamente no verde-esmeralda que, ao lado do roxo, é classicamente associado à ideia de morte e destruição. Para conter a ameaça, o rei Llane (Cooper) solicita a ajuda do guerreiro Lothar (Fimmel), que, ao lado do jovem aprendiz de mago Khadgar (Schnetzer), recorre ao Guardião (Foster) por proteção. Enquanto isso, o orc Durotan (Kebbell) questiona a liderança destrutiva de Gul’dan, usando a mestiça “orquisa” Garona (Patton) como ponte para tentar estabelecer um pacto com os humanos.

Só ao ler os nomes dos personagens acima já é possível perceber que estamos lidando com um exemplar do gênero “fantasia” e, assim, não é surpresa que logo conheçamos lugares como Vento Bravo, Alta Forja e Vila d’Ouro – espaços que oferecem ao designer de produção Gavin Bocquet (que tem experiência na área por ter trabalhado nas prequels de Star Wars e em Stardust) a oportunidade de criar visuais bastante distintos para cada um (e gosto particularmente do imenso castelo branco que se destaca entre as casinhas de Vento Bravo e das barracas dos orcs, que trazem grandes presas em sua estrutura que remetem às de seus ocupantes).

Igualmente competentes são os designs das criaturas que habitam a história – embora algumas tenham sua natureza digital mais óbvia do que outras. Os orcs, em particular, se beneficiam dos avanços no performance capture (e que vai além do motion capture ao realmente usar a atuação dos intérpretes): Durotan, por exemplo, já é visto na abertura da projeção com uma expressão preocupada que nos coloca imediatamente do seu lado, evitando que seja apenas um daqueles orcs bestiais vistos em tantos projetos similares. Aliás, é interessante observar como sua espécie apresenta variações no tom de pele que remetem a diferentes raças, apontando para uma sociedade tão diversa quanto a nossa (e é possível também concluir que há preconceitos operando ali a partir destas diferenças). Além disso, o cuidado na concepção das criaturas pode ser constatado nos dentes amarelados de alguns e nas presas partidas de outros, merecendo também aplausos a animação em si – e, em certo momento, enquanto Durotan conversa com o amigo Blackhand (Brown), podemos notar pequenas contrações quase involuntárias nos músculos de seu braço.

Esta diversidade na representação dos orcs é também encontrada na maneira com que os humanos são abordados e que refletem uma sociedade pós-racial que não opera com nenhum tipo de separação ditada por aparência – e até mesmo um relacionamento interespécie entre um humano e uma orquisa é visto com naturalidade. Da mesma maneira, o roteiro se preocupa em não permitir que a escala grandiosa da trama anule o desenvolvimento dos personagens, que, assim, ganham pequenos momentos para que possamos conhecer um pouco melhor seus passados e motivações – como o preconceito sofrido por Garona entre os orcs por ser mestiça, a melancolia de Khadgar por ter sido separado dos pais ainda criança ou o lamento do Guardião por ter desistido de um amor em função de suas obrigações.

Por outro lado, por mais que o longa invista nestas passagens, o elenco na maior parte do tempo é obrigado a se limitar a interagir com o vazio que posteriormente será preenchido com criaturas e cenários digitais, o que expõe as dificuldades maiores de um ou outro: Ben Foster, por exemplo, consegue trazer certa multidimensionalidade ao Guardião, que se vê dividido por impulsos diferentes, ao passo que Dominic Cooper (um ator do qual não costumo gostar) traz surpreendente dignidade ao rei Llane; em contrapartida, Paula Patton (depois do embaraço de Zerando a Vida) volta a desapontar com uma performance artificial que ao menos tem alguma expressividade, já que nem isso o pavoroso Travis Fimmel consegue exibir – e quando seu herói passa por um momento de tristeza, o filme é obrigado a recorrer ao diálogo para que compreendamos o que o ator não conseguiu evocar (“Em toda minha vida, nunca senti tanta dor como agora”. Ah, bom saber.).

Comandado por Duncan Jones, Warcraft traz cenas que flertam com o pesadelo (Gul’dal sugando a vida de um humano aos poucos, casualmente, enquanto conversa com um subalterno) e com a tragédia (uma barreira de energia separa pai e filho durante uma batalha, obrigando o primeiro a assistir, impotente, à luta do segundo com vários inimigos poderosos) – e a habilidade em evocar estas fortes atmosferas comprova o talento do cineasta, que já havia dirigido o excelente Lunar e o ótimo Contra o Tempo. Além disso, Jones leva o público a compreender também o drama de orcs como Dorutan, sendo interessante notar como ele nos leva a assumir o ponto de vista deste ao subitamente transformar o inglês falado por humanos em uma língua incompreensível, enquanto o dialeto da criatura se torna compreensível para o espectador.

Óbvio apenas em sua referência bíblica à história de Moisés, Warcraft é uma obra que traz vários arcos narrativos ambiciosos, permitindo que comparemos as situações contrastantes de diversos personagens em pontos diversos da projeção e que, ao fim, exigem sacrifícios notáveis por parte de praticamente todos eles, ressoando dramaticamente de uma forma que talvez não esperássemos na adaptação de um game centrado em criaturas fantásticas em constantes batalhas.

Algo que torço para que os fãs reconheçam.

03 de Junho de 2016

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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