Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
10/11/2016 | 22/10/2016 | 3 / 5 | 2 / 5 |
Distribuidora | |||
Diamond Films | |||
Duração do filme | |||
107 minuto(s) |
Dirigido por David Schurmann. Roteiro de Marcos Bernstein, Victor Atherino e David Schurmann. Com: Júlia Lemmertz, Mariana Goulart, Marcello Antony, Maria Flor, Erroll Shand, Michael Wade e Fionnula Flanagan.
Não, Pequeno Segredo não é melhor do que Aquarius. Na realidade, sequer chega perto de tocá-lo. E se você por algum motivo estiver lendo este texto em, sei lá, 2046, esta observação inicial é uma referência ao fato de o primeiro ter sido absurdamente selecionado para representar o Brasil no Oscar 2017 por uma comissão que claramente se deixou levar por motivações políticas em vez de se concentrar nos méritos dos candidatos, que incluíam, além de Aquarius, obras também admiráveis como Boi Neon, O Outro Lado do Paraíso, A Despedida, Mais Forte que o Mundo, Campo Grande, O Roubo da Taça e Menino 23 – todas superiores a Pequeno Segredo.
Que, é importante apontar, não é ruim. Dirigido por David Schurmann a partir de roteiro escrito por este ao lado de Victor Atherino (Faroeste Caboclo) e Marcos Bernstein (Central do Brasil, Zuzu Angel, Somos Tão Jovens), Pequeno Segredo tem sua parcela de momentos admiráveis que, porém, são contrabalançados por outros terrivelmente desastrosos que talvez pudessem ter sido evitados caso o cineasta não tivesse se deixado cegar por sua proximidade da história, que, afinal, gira em torno de sua própria família – e especialmente da relação entre sua mãe, Heloísa (Lemmertz), e sua irmã caçula adotiva, Katy (Goulart), que nasceu já portadora do vírus HIV. Enquanto acompanha um breve período na vida da menina, o longa reconta como os pais desta se conheceram e aborda também o relacionamento conturbado entre seu pai Robert (Shand) e a mãe deste, Barbara (Flanagan).
O grande mérito do projeto, aliás, reside na ótima montagem de Gustavo Giani, que constrói uma narrativa ágil ao saltar entre diferentes períodos de maneira relativamente fluida, despertando nosso interesse pelo romance entre Robert e Jeanne (Flor) e disfarçando a fragilidade das passagens que envolvem justamente aquela que deveria ser o centro da produção, Katy, e que basicamente é retratada aqui em seus esforços para conseguir executar uma coreografia solo na apresentação de sua turma de balé – e ao definir a performance como o clímax do filme, o roteiro se vê na obrigação de estruturar todo o resto da projeção em torno desta, o que traz sérios problemas de ritmo a partir de sua metade final, quando o espectador já percebeu como tudo se desenrolará enquanto os realizadores ainda estão preenchendo lacunas que já completamos mentalmente há muito tempo.
A estrutura problemática pode ser percebida, por sinal, na forma como Pequeno Segredo emprega diversas narrações em off, não apenas abrindo a narrativa com uma feita por Heloísa como também incluindo passagens guiadas pelas vozes de Katy e Robert – breves intervenções que sintomaticamente logo deixam de ocorrer, escancarando ainda mais a falta de coesão. Por outro lado, a montagem diminui o impacto destes tropeços ao agilmente lançar o público de uma época a outra sem se preocupar em incluir indicações claras das elipses e dos flashbacks, evidenciando uma bem-vinda confiança de Giani na capacidade do espectador de acompanhar sua lógica.
Mais difícil de contornar, contudo, é o fato de o filme funcionar melhor ao lidar com Robert, Jeanne e Barbara, já que a dinâmica entre estes é bem mais eficiente do ponto de vista dramático, sendo beneficiada também pelos ótimos atores – e Flanagan, em especial, é o tipo de atriz que consegue dizer uma fala como “Ele tem um tumor” não com dor, mas como se estivesse tirando um ás da manga. O talento da atriz, por sinal, é instrumental para evitar que Barbara se transforme numa caricatura completa, já que é retratada pelo roteiro como uma vilã quase unidimensional cujo objetivo óbvio é se contrapor à santidade de Heloísa (e não é por acaso que ela só se torna uma pessoa melhor ao ser – literalmente – tocada por esta). Júlia Lemmertz, claro, também faz o possível para conferir densidade a uma personagem que foi concebida para representar tudo o que há de mais nobre no mundo, sendo sabotada mesmo assim por monólogos dolorosos de tão ruins – e aquele que começa com “Você sabe o que é o amor?” é particularmente pavoroso, tornando-se ainda mais patético em função das escolhas de Schurmann, que neste momento faz um travelling na direção da personagem enquanto a excessiva (ainda que bela) trilha de Antônio Pinto cresce em volume e intensidade.
Estes excessos, diga-se de passagem, são recorrentes em Pequeno Segredo: a fotografia de Inti Briones, por exemplo, é impecável, explorando com eficiência a beleza das locações e criando imagens memoráveis – mas mais difícil é ignorar que algumas destas (como o plano que traz Flor e Goulart quase se tocando sob a água) são tão gratuitas que chegam a surgir em passagens fantasiosas que não se encaixam com a proposta narrativa do projeto. E se mencionei o “mergulho” de Jeanne e Katy, é bom notar também como Schurmann não tenta ser sutil na recorrência da água como símbolo, frequentemente trazendo personagens sob a superfície de piscinas, banheiras ou do mar. De maneira similar, a borboleta vista no (ótimo) plano inicial praticamente grita sua significação – e mesmo que adicionar o inseto nas paredes da casa de madeira de Jeanne seja uma rima elegante e o flutuar de Katy com suas asas na dança represente uma obviedade ainda aceitável, a coisa sai do controle quando o diretor não só compara textualmente a mãe e a irmã a borboletas antes dos créditos finais como, não satisfeito, volta a incluí-las num voo ao lado do letreiro.
O curioso é que embora Schurmann seja óbvio em vários pontos, em outros acaba por exibir uma tendência a ocultar informações que não deveriam ser escondidas. Observem, por exemplo, como Barbara adiciona um remédio à sopa do marido com um ar misterioso, calculista, levando o público a desconfiar de sua atitude apenas para, minutos depois, descobrirmos que está apenas medicando o sujeito, que teimosamente se recusa a fazer um tratamento. O pior, porém, é constatar como a doença de Katy é mantida num segredo bobo e apresentado ao fim do segundo ato como se fosse uma grande revelação – um “mistério” desnecessário que acaba por usar a condição da menina como um choque barato. (E, sim, este é o propósito, já que a própria montagem ressalta o “segredo” paralelamente nos dois períodos da narrativa, enquanto as marcas do sarcoma de Kaposi no corpo de Jeanne são apresentados de maneira tão espetacularizada que beira o sensacionalismo, repetindo a tolice da cena do atropelamento, que, além de clichê, é coreografada de forma desnecessária, tola e – o pior – previsível.)
Ainda assim, o principal problema de Pequeno Segredo reside mesmo na incapacidade de Schurmann em perceber que não poderia esperar do espectador o mesmo investimento emocional em Katy que ele já havia feito muito antes de o filme ter início – e quando vemos a garota ansiosa diante de uma paixão ou alegre por ser escolhida para dançar, não há, por parte do público, razão especial para celebração, já que não a conhecemos. Sim, podemos reconhecer sua felicidade e, por pura empatia, aplaudi-la, mas daí a sentirmos algo vai uma imensa distância.
Não é à toa que o único instante em que me vi com um nó na garganta foi aquele no qual o longa exibe imagens de arquivo da verdadeira Katy ao lado de Heloísa (que, de fato, parece fazer jus à admiração irrestrita do filho): há, naqueles poucos segundos, mais sentimentos – de amor, doçura e dor – do que em todos os 105 minutos que os precederam.
Que, infelizmente, parecem estar mais interessados em contar uma história cujo título mais apropriado seria não Pequeno Segredo, mas A Fada e a Bruxa.
06 de Outubro de 2016
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