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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
01/01/1970 26/01/2019 4 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
90 minuto(s)

Direção

Luke Lorentzen

Roteiro

Luke Lorentzen

Produção

Kellen Quinn , Luke Lorentzen

Fotografia

Luke Lorentzen

Montagem

Luke Lorentzen

Midnight Family
Midnight Family

Dirigido e roteirizado por Luke Lorentzen.

A ambulância dispara pelas ruas da Cidade do México. Desviando de carros, pedestres e outros obstáculos, o jovem motorista de 17 anos de idade exibe um olhar concentrado e tenso, como se tentasse antecipar os movimentos de veículos cem metros à sua frente. Enquanto isso, o homem ao seu lado, colega de trabalho e também seu pai, usa o autofalante para gritar comandos em direção aos demais motoristas: “Ei, táxi, saia do caminho! Você na bicicleta: vá para a esquerda! Carro cinza, mova-se! Nós podemos estar indo salvar sua família!”.


A ansiedade do motorista e de seu co-piloto, porém, não tem origem apenas na urgência da situação de quem está no fim da corrida; eles sabem que também estão em uma disputa com várias outras ambulâncias particulares e que o prêmio – alguém acidentado – só irá para o primeiro a chegar no local.

Centro da narrativa comandada pelo documentarista Luke Lorentzen, a família Ochoa (o pai Fer, os filhos Juan e Josué e o amigo Manuel) depende daquelas emergências para viver. Donos de uma ambulância equipada com o essencial e nada mais, eles fazem parte de um mercado criado parte pela necessidade, parte por oportunidade: como a Cidade do México, com seus mais de nove milhões de habitantes, só conta com 45 ambulâncias públicas, administradas pelo governo, cidadãos comuns passaram a prestar este serviço de maneira semioficial. Em teoria, qualquer interessado em ingressar na área deveria possuir um veículo com menos de dez anos de fabricação e equipado com todo tipo de instrumento médico possível, além de uma placa especial (como um táxi, por exemplo); na prática, contudo, paramédicos clandestinos disputam cada paciente com um desespero visceral, subornando policiais em troca de informações sobre acidentes, brigas, tentativas de suicídio e qualquer outra tragédia que possa resultar em uma ou mais pessoas precisando de ajuda hospitalar.

Assim, ao longo de Midnight Family nos colocamos várias vezes ao lado dos Ochoa enquanto atravessam a cidade em alta velocidade e a montagem do próprio Lorentzen salta de uma câmera virada para o exterior da cabine, enfocando o tráfego, e outra que traz seus ocupantes – incluindo a traseira da ambulância, onde todas as preocupações se voltam para o acidentado.

Pois esta é a força do documentário: em vez de abordar o caos social provocado por um governo que não oferece suporte médico mínimo aos seus cidadãos e analisar as causas para que isto ocorra, o filme opta por adotar como centro narrativo o elemento humano da situação. E neste aspecto, a família Ochoa se revela a protagonista ideal, pois ao mesmo tempo em que testemunhamos suas dificuldades financeiras e seus esquemas para conseguir algum tipo de vantagem em um mercado desregulado e injusto, constatamos também como realmente se preocupa em ajudar aqueles que vão parar em sua maca. Em certo momento, por exemplo, depois que atendem uma jovem que havia sido agredida pelo namorado, fica imediatamente claro que nem ela, nem sua família terão dinheiro para pagar o atendimento – e ainda assim é tratada não só com competência, mas com afeto (sentindo-se desamparada, ela chega a pedir um abraço ao paramédico Manuel, que a envolve com carinho e compreensão).

O que não os impede de tentar cobrar a mãe da garota de toda forma.

E aí entra uma questão legal complicada: o fato de atuarem de modo “semioficial” acarreta na impossibilidade de protestarem muito quando alguém se nega a pagar, pois todos os encontros com a polícia resultam na perspectiva de multa, apreensão da ambulância ou – caso tenham sorte – de terem que pagar um alto suborno. A única maneira de evitar isso (ou melhor: de tentar evitar) é preenchendo todos os requisitos exigidos para a oficialização do negócio e que implicam no investimento em um novo veículo, equipamentos e na compra de uma placa especial. “Vamos ter que diminuir nossas refeições para apenas duas ao dia”, conclui Juan, cuja natureza controladora contrasta com a passividade do pai, levando-o, aos 17 anos, a assumir o posto de líder da equipe. Contando cada centavo ganho e gasto, ele lida (nem sempre com diplomacia) com os policiais que os abordam, negocia comissões com os hospitais particulares para os quais encaminham atendimentos e se irrita diante dos prejuízos causados por pacientes que se recusam a pagar (mas jamais com estes, que são tratados com respeito; as reclamações surgem depois). O interessante é que também fica claro como a presença de Lorentzen e sua câmera despertam o lado performático do rapaz, que não perde uma chance de estabelecer sua dominância ao criticar o pai e o irmão Josué, que, aos 11 anos de idade, perde aulas com frequência por passar a noite acompanhando a família.

Aliás, a intimidade que o documentarista forma com a família Ochoa é notável, o que resulta em momentos confessionais e outros nos quais, com a guarda baixa, seus personagens acabam por revelar facetas curiosas – como o hábito de obrigarem o membro mais novo a desembolsar suas economias para ajudar a irmã ou pagar o lanche da equipe. Além disso, Lorentzen evita idealizar aquelas pessoas, permitindo, por exemplo, que questionemos as motivações para que levem uma paciente em estado grave para um hospital mais distante por sabermos que este lhes paga uma comissão.

Retrato cru e complexo de indivíduos que se atiram em um cotidiano desgastante, tenso e ingrato como consequência da omissão sistemática do Estado em diversas áreas, Midnight Family é político sem fazer política; a força de seu discurso vem de sua sensibilidade e de sua extraordinária empatia.

06 de Junho de 2019

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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