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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
31/10/2019 24/07/2019 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
Pandora Filmes
Duração do filme
106 minuto(s)

Papicha
Papicha

Dirigido por Mounia Meddour. Roteiro de Mounia Meddour e Fadette Drouard. Com: Lyna Khoudri, Shirine Boutella, Amira Hilda Douaouda, Yasin Houicha, Zahra Doumandji, Marwan Zeghbib, Aida Ghechoud, Meriem Medjkrane, Samir El Hakim.

Um estado autoritário e repressor não precisa ser construído em um só golpe. Alguns dos mais letais, ao contrário, foram e são aqueles surgidos uma limitação por vez, implementando uma lei aqui, incentivando a violência policial acolá, como paredes que se erguem tão lentamente ao redor da pessoa que, quando esta se dá conta, já está dentro de uma cela.


Papicha, longa da diretora argelina Mounia Meddour, compreende bem este risco. Inspirado nas memórias de juventude da cineasta como estudante universitária na Argélia dos anos 90 (e, portanto, durante a Guerra Civil que daria origem à "década negra"), o filme acompanha Nedjma (Khoudri), que busca uma graduação em francês ao mesmo tempo em que desenvolve sua verdadeira paixão, design de moda, criando roupas sob encomenda e entregando-as clandestinamente nos banheiros de boates da cidade, já que os fundamentalistas religiosos que tomam conta do país vêm se tornando cada vez mais violentos e radicais em suas imposições de "pudor" às mulheres. Testemunhando inquieta o crescimento das hostilidades e da dominância dos teocratas, ela e amiga Wassila (Boutella) resistem ao seu próprio modo: primeiro, arrancando os cartazes que tentam determinar o chandor como única vestimenta aceita para mulheres e, em seguida, planejando um desfile de moda em sua faculdade – o que, naquele contexto, é um protesto poderoso e, consequentemente, perigoso.

Retratando com precisão o mecanismo pelo qual o autoritarismo passa a dominar a sociedade, Meddour vai plantando os sinais de alarme aos poucos: inicialmente, panfletos e olhares condenatórios; a seguir, perseguição a professores que supostamente tentam "perverter" mentes jovens com algo perigosíssimo chamado "ideias"; e, finalmente, com a força bruta. Assim, ao lado de Nedjma o espectador testemunha com revolta (e impotência) a loucura coletiva que vai se estabelecendo como norma, assumindo também o ponto de vista de um grupo duplamente reprimido, o das mulheres, já que estamos ao lado da protagonista enquanto é constantemente assediada nas ruas da cidade, pelo porteiro de sua própria faculdade e surpreendida de forma negativa (e recorrente) pelos homens em sua vida, que podem até expressar uma visão progressista a princípio, mas logo revelam um machismo entranhado que se expressa assim que sentem que seus interesses deixaram de ser prioridade.

O que jamais devemos esquecer – e que Papicha lembra tão bem – é que o fundamentalismo é uma doença contagiosa que provoca intolerância, falsos sentimentos de superioridade e tende a se retroalimentar. E o mais importante: se apresenta de várias maneiras, seja ao obrigar as mulheres a cobrirem seus corpos com o chador preto ou ao afirmar, do alto de um ministério que deferia defender os interesses destas, que sua cor “certa” é o rosa.

Texto originalmente publicado durante a cobertura do Festival de Cannes 2019.

17 de Maio de 2019

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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