Datas de Estreia: | Nota: | ||
---|---|---|---|
Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
12/12/2019 | 20/06/2019 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Supo Mungam Films | |||
Duração do filme | |||
130 minuto(s) |
Dirigido por Kantemir Balagov. Roteiro de Kantemir Balagov e Aleksandr Terekhov. Com: Viktoria Miroshnichenko, Vasilisa Perelygina, Konstantin Balakirev, Kseniya Kutepova, Igor Shirokov, Andrey Bykov, Timofey Glazkov.
O horror da guerra não acaba quando esta chega ao fim, apenas muda de rosto: o temor pela própria vida se converte na culpa por ter sobrevivido; a “necessidade” da violência cede lugar à obrigação de se readaptar ao convívio em sociedade; e a brutalidade testemunhada jamais abandona a mente totalmente, não sendo raros a depressão e o suicídio entre veteranos de guerra. A guerra altera a lógica da relação entre os humanos e isto permanece.
Em Uma Mulher Alta, esta é uma questão que jamais abandona a mente do diretor russo Kantemir Balagov: ambientado em Leningrado logo após o fim da Segunda Guerra, o filme tem início com o rosto petrificado da protagonista, Iya (Miroshnichenko), em uma de suas frequentes convulsões resultantes de ferimentos no campo de batalha. Agora morando em um apartamento comunal antigo, frio e cheio ao lado do pequeno Pashka (Glazkov), a moça atua como enfermeira em um hospital de soldados, saindo todos os dias na madrugada gelada de inverno para pegar o bonde lotado que a levará até seu trabalho. É então que uma antiga companheira do exército, Masha (Perelygina), retorna para morar com a amiga – e é justamente a complexa dinâmica entre as duas mulheres que conduzirá a obra.
Há, no entanto, um elemento importante que não mencionei e que, inclusive, inspira o título do longa: Iya é uma mulher altíssima, destacando-se no meio de qualquer multidão, e desta forma está sempre exposta ao escrutínio alheio. Se sofre, sua dor é projetada para o mundo e, assim, como meio de defesa, ela parece estar sempre encolhida e sua voz mal pode ser ouvida. Masha, por sua vez, pode parecer diminuta ao lado da amiga, o que lhe permite ocultar por mais tempo sua profunda perturbação psicológica – a menos que notemos seu curioso olhar que, tentando sugerir afeto e alegria, traz uma intensidade que revela uma tempestade sob a superfície.
Não que muitos – além de Iya, que tem suas próprias razões - se esforcem para perceber isso, já que todos oscilam entre a felicidade pelo fim da guerra e a angústia provocada pelas sequelas físicas, emocionais e psicológicas deixadas por esta (e é comovente, por exemplo, observar o júbilo dos pacientes do hospital apesar dos membros arrancados por tiros e estilhaços). Enfrentando a feiura nascida das (ou intensificada pelas) batalhas, a Leningrado retratada em Uma Mulher Alta é um lugar no qual uma criança não consegue sequer imitar um cachorro numa brincadeira por jamais ter visto um, já que todos foram devorados pelos humanos famintos – e elogiar o retrato dos filhos de alguém é algo imediatamente acompanhado pela pergunta “Eles ainda estão vivos?”.
Neste sentido, a própria relação entre Iya e Masha é uma extensão da lógica belicista - esta última, em particular, agindo sempre de forma estratégica e usando a chantagem emocional e as próprias dores como arma. Isto, contudo, não a torna uma má pessoa; apenas alguém que perdeu muito e não faz ideia de como seguir, saltando do hedonismo à autopunição de maneira quase aleatória. Aliás, o belíssimo design de produção reflete a dinâmica entre as personagens através do ótimo uso de cores, ligando o verde e o vermelho a Iya e Masha, respectivamente, e fazendo com que estes matizes se contaminem mutuamente aos poucos, invadindo os espaços uma da outra (nas roupas, nas paredes e nos objetos de cena) até que uma inversão completa ocorra.
Construído a partir de planos que, não raro, se estendem por vários minutos, Uma Mulher Alta é uma experiência densa e que não teme ser desagradável para o público, trazendo ainda aquela que certamente será uma das cenas de sexo mais deprimentes e degradantes (para todos os envolvidos) que o Cinema produzirá em 2019. Curiosamente, na edição anterior do festival, outro trabalho exibido na mostra Un Certain Regard contava com uma transa “memorável”: o sueco Border.
Estou até com medo antecipado da que virá em 2020.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Cannes 2019.
16 de Maio de 2019
(Ei, você gosta do Cinema em Cena e das críticas que lê aqui? Ah, que bom! Então é importante que você saiba que o site precisa de seu apoio para continuar a existir e a produzir conteúdo de forma independente. Para saber como ajudar, basta clicar aqui - só precisamos de alguns minutinhos para explicar. E obrigado desde já pelo clique!)