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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
23/05/2003 07/05/2003 4 / 5 3 / 5
Distribuidora
Duração do filme
138 minuto(s)

Matrix Reloaded
The Matrix Reloaded

Dirigido por Larry e Andy Wachowski. Com: Keanu Reeves, Carrie-Anne Moss, Laurence Fishburne, Gloria Foster, Hugo Weaving, Harold Perrineau Jr., Jada Pinkett Smith, Lambert Wilson, Anthony Zerbe, Monica Bellucci, Randall Duk Kim e Helmut Bakaitis.

Quando assisti a Matrix pela primeira vez, em 1999, saí do cinema com a forte convicção de que aquele filme se tornaria um verdadeiro clássico para as gerações mais jovens: combinando uma trama inteligente e seqüências de ação coreografadas com maestria, o filme dos irmãos Wachowski se tornou, ao lado de Pulp Fiction, a produção americana mais influente da década de 90, servindo de inspiração para praticamente todos os grandes projetos de ação/ficção/aventura realizados nos anos seguintes. Apesar disso, quando me preparei para assistir a Matrix Reloaded, acreditei que esta continuação provavelmente me decepcionaria no quesito `roteiro` (já que julgava impossível ser novamente surpreendido pela inventividade dos Wachowski) e me encantaria com suas batalhas e perseguições. Curiosamente, o que ocorreu foi justamente o oposto: `anestesiado` pelas inúmeras cópias e paródias lançadas nos últimos 4 anos (de Gigolô por Acidente a Blade 2, passando por As Panteras), não senti muita empolgação com as lutas vistas no filme; em contrapartida, testemunhei, com admiração, uma verdadeira reinvenção da natureza da Matrix.


Contando uma história ambientada seis meses depois dos eventos vistos no filme original, Matrix Reloaded nos apresenta a um Neo cada vez mais seguro de suas habilidades: questionado por alguns de seus companheiros de Zion (a última cidade habitada por humanos no mundo real), o Predestinado é tratado como um verdadeiro deus por boa parte daqueles que foram libertados do universo virtual (o que, obviamente, representa uma grande responsabilidade e um imenso peso para alguém que ainda não domina plenamente seus poderes). Depois de se reunir com o Oráculo mais uma vez, Neo recebe a missão de encontrar um certo Chaveiro que, de acordo com as previsões, pode levá-lo ao `núcleo` da Matrix – o que possivelmente significaria o fim da guerra entre Homens e Máquinas. Enquanto enfrentam vários obstáculos em sua trajetória até o Chaveiro, Neo, Trinity e Morpheus são obrigados a confrontar não apenas os temíveis Agentes, mas também novos e ameaçadores programas – entre estes, uma versão virulenta do Agente Smith visto no filme original. Como se não bastasse, as Sentinelas (máquinas semelhantes a polvos voadores) estão prestes a invadir Zion, o que resultaria na destruição da cidade e seus habitantes.

Um dos principais problemas relativos aos confrontos físicos entre Neo e seus inimigos, em Matrix Reloaded, reside no fato mais importante estabelecido ao fim do primeiro filme: ao despertar suas habilidades especiais como O Escolhido, o herói interpretado por Keanu Reeves torna-se absolutamente indestrutível no mundo virtual concebido pelas máquinas – algo que nem mesmo as intensas coreografias criadas pelo veterano Yuen Woo-ping pode alterar. Assim, jamais sentimos que Neo está realmente em perigo (mesmo ao lutar com dezenas de clones do agente Smith), o que elimina a tensão destas seqüências. Para piorar, em vários momentos podemos perceber claramente que Reeves é substituído por um boneco digital, o que compromete ainda mais o impacto das batalhas (algo que também atrapalhou a diversão em O Homem-Aranha e Demolidor).

Além disso, Matrix Reloaded também decepciona ao retratar a população de Zion como uma sociedade primitiva que, durante os intervalos de sua luta contra as máquinas, se entrega a orgias embaladas por som de tambores (aliás, esta seqüência parece ter sido retirada de um videoclipe, sendo embaraçosamente ruim). E se os Wachowski merecem elogios por utilizarem os 40 primeiros minutos de projeção no desenvolvimento de seus personagens, também deveriam ser repreendidos por alguns dos diálogos ridiculamente pretensiosos ouvidos nesta primeira parte do filme (em determinado momento, lembrei-me do personagem de Wes Studi em Heróis Muito Loucos, que se passava por sábio graças às suas frases de efeito, como `Aquele que questiona o treinamento só se treina em fazer perguntas`). E o que posso dizer sobre a desculpa oferecida pela dupla de roteiristas para justificar uma luta perfeitamente descartável entre Neo e o protetor do Oráculo?

Felizmente, há uma longa seqüência, no ato final desta continuação, que faz jus às expectativas criadas pelo original: durando cerca de 15 minutos, a perseguição que se passa em uma rodovia é hábil ao explorar ao máximo as possibilidades oferecidas pela Matrix: libertos das leis da física, os protagonistas se atiram de um veículo para outro, lutam no teto de caminhões e pilotam motocicletas no sentido oposto ao do pesado tráfego – proezas brilhantemente realçadas pelos arrojados movimentos de câmera criados pelos Wachowski, que, contando com o apoio da computação gráfica, mergulham entre os carros, chegando a passar sob as rodas de um caminhão em busca do melhor enquadramento. (E o clímax desta seqüência nada deixa a desejar com relação à inesquecível batalha entre a dupla Neo-Trinity e os seguranças do prédio em que Morpheus foi aprisionado em Matrix.)

Porém, o grande trunfo de Matrix Reloaded reside mesmo nas engenhosas surpresas preparadas por Andy e Larry Wachowski, e que são reveladas em dois momentos-chave: durante a conversa entre Neo e o Oráculo; e no confronto entre Neo e um determinado personagem, nos instantes finais do filme. É então que somos levados a questionar tudo o que julgávamos saber sobre a Matrix, Zion e também sobre a verdadeira natureza de Neo e do Oráculo (leia mais sobre isso na Parte 2 desta análise). Além disso, os roteiristas nos apresentam ao interessante conceito de `programas exilados`, que, sob a ameaça de serem apagados, acabam sendo assimilados pelo sistema, apresentando-se sob forma `física` no mundo virtual.

Deixando o espectador sair do cinema com mais dúvidas do que respostas (e isto é um elogio), Matrix Reloaded é um filme inteligente e fascinante. E uma coisa é certa: caso continue a caminhar na direção sugerida por esta segunda parte, Matrix Revolutions provavelmente trará revelações ainda mais chocantes sobre este rico universo criado pelos irmãos Wachowski, confirmando o potencial desta trilogia em se firmar como um dos projetos mais ambiciosos de ficção científica que o Cinema já produziu.

Parte 2 – Afinal, o que é a Matrix?
(Leia apenas se já assistiu aos dois primeiros filmes)

Como já disse na primeira parte desta análise, o elemento mais interessante de Matrix (ao menos, para mim) residia justamente na natureza da realidade virtual concebida pelas máquinas para ocupar a mente dos humanos. Ao final do filme original, alguns elementos deste universo haviam sido claramente estabelecidos pelos irmãos Wachowski:

  1. Depois de assumirem o comando do planeta, as máquinas passaram a `cultivar` humanos como fonte de energia;
  2. Para manter os humanos em sua postura passiva, uma realidade virtual foi criada para que ninguém percebesse o que de fato estava ocorrendo;
  3. Alguns indivíduos conseguiram se libertar da Matrix e, fundando Zion, passaram a comandar uma rebelião com o objetivo de destruir o mundo virtual e, com isso, permitir que os demais também pudessem escapar do domínio das máquinas;
  4. Alertado pelo Oráculo sobre a `Profecia`, o comandante Morpheus passa a dedicar sua vida à procura do Escolhido, do Predestinado: um humano que, depois de liberto de seu casulo, seria capaz de manipular a Matrix com maior grau de liberdade do que todas as outras pessoas;
  5. Resgatado por Morpheus, Neo dá início ao seu treinamento e, ao final de Matrix, ele já é capaz de enxergar o `código` daquele universo virtual e de realizar proezas inimagináveis para seus companheiros, como voar e destruir Agentes;
  6. Certo de ter encontrado o Predestinado, Morpheus começa a planejar o ataque final à Fonte da Matrix, destruindo-a.

Pois bem: estas eram as regras estabelecidas por Andy e Larry Wachowski até o início de Matrix Reloaded. E foi então que, de repente, os criativos irmãos introduziram novos conceitos que, indubitavelmente, modificam tudo o que imaginávamos saber sobre a Matrix.

Vejamos, inicialmente, quais são as 10 principais revelações feitas pelos Wachowski:

  1. Depois de encontrar o Oráculo, um dos humanos sai da Matrix carregando algum tipo de aparelho que servirá de guia para que Neo possa se reunir com a personagem;
  2. O Agente Smith, agora liberto da Matrix, torna-se capaz não apenas de reproduzir-se ao contaminar outros indivíduos (na verdade, representações virtuais de pessoas reais e programas da Matrix, como outros Agentes), como também consegue `contaminar` um humano, invadindo o mundo real;
  3. O Oráculo não é um ser humano, mas sim um programa da Matrix;
  4. Alguns programas destinados ao extermínio (ou seja: que serão deletados) podem se `rebelar` e, depois de assimilados pela Matrix, transformar-se em representações físicas anômalas no universo virtual (de acordo com este conceito, criaturas como lobisomens, vampiros e, é claro, o novo Agente Smith seriam programas `exilados` da Fonte da Matrix;
  5. Depois de criar versões fracassadas da Matrix, o Arquiteto (`pai` do programa) percebeu que suas falhas decorriam de sua incapacidade de compreender a falibilidade humana. Assim, ele concebeu um programa capaz de estudar a psique dos seres humanos a fim de encontrar uma solução para o dilema. Este programa é o Oráculo;
  6. Depois de estudar o problema, o Oráculo concluiu que 99,9% aceitariam a existência virtual imposta pela Matrix desde que acreditassem ter a escolha de abandonar aquele universo;
  7. Apesar do sucesso quase absoluto, o Arquiteto ainda se via na obrigação de encontrar uma forma de lidar com os 0,1% restantes;
  8. O Predeterminado tem a função de retornar à Fonte e, em seguida, selecionar 23 indivíduos presos à Matrix para que estes recriem Zion, que já foi destruída seis vezes;
  9. Neo é o sexto Predeterminado a surgir na Matrix;
  10. Depois de voltar para o `mundo real`, Neo consegue paralisar as Sentinelas exatamente da mesma forma com que paralisava as balas na realidade virtual.

A pergunta é: o que tudo isso significa? Depois de organizar as revelações dos dois filmes e colocá-las em um sistema de `causa-e-conseqüência` (como, aliás, advoga o interessante personagem Merovingian), a resposta parece assustadoramente clara. Senão vejamos:

  1. O Oráculo foi criado com o objetivo de conferir estabilidade à Matrix. Para isso, alertou Morpheus para a existência de Neo, que, por sua vez, tem a função (esta foi a palavra utilizada pelo Arquiteto) de retornar à Fonte – algo que Morpheus acredita ser uma missão com o objetivo de destruir o mundo virtual.
  2. Ao contrário do que havia sido estabelecido no primeiro filme, há um trânsito relativamente livre entre a Matrix e o `mundo real`, como pode ser percebido pela passagem de Smith (um programa) para `nossa` realidade e pela transmissão de um aparelho enviado pelo Oráculo.
  3. Zion já foi destruída seis vezes – sempre em conseqüência de `rebeliões` lideradas por humanos que acreditavam ter realizado uma escolha.

Ora, a conclusão lógica (e assustadora, embora fascinante) é a de que o `mundo real` nada mais é do que um sistema concebido pelo Arquiteto para proteger a estabilidade da Matrix, garantindo a passividade dos humanos. Em outras palavras: Zion é tão virtual quanto a Matrix, e é por isso que Smith consegue invadir a `realidade` (como programa, ele tem a capacidade de entrar em outro nível do sistema). Da mesma forma, isso explica a capacidade recém-adquirida por Neo de congelar as Sentinelas: estas não são máquinas reais, mas sim programas que controlam aquele nível virtual (as Sentinelas são, portanto, os Agentes do `mundo real`).

A questão é: qual é a verdadeira natureza de Neo? Será ele um humano? Ou – possibilidade mais plausível para explicar tudo o que foi revelado – será ele um programa, assim como o Oráculo e os Agentes? Se esta for a explicação, confesso que minha admiração pelos Wachowski aumentará ainda mais – e mal posso esperar para ver a reação de Trinity ao descobrir que seu amado não existe, sendo apenas um conjunto de números cujo objetivo era justamente enganar os humanos, levando-os a acreditar na possibilidade da libertação. E qual será a reação de Morpheus ao descobrir que foi manipulado pelo Oráculo e pela Matrix, inadvertidamente ajudando as máquinas a controlarem os humanos?

Por outro lado, é óbvio que Neo conseguiu alcançar um nível de lucidez jamais atingido por seus predecessores, já que, agora, é capaz de utilizar seus poderes em um outro nível da Matrix – o do `mundo real` (resta saber como ele lidará com suas descobertas).

Observações acrescentadas em 26 de maio de 2003 (três dias depois da publicação original da análise):

Assisti a Matrix Reloaded novamente e devo dizer que estou ainda mais convencido de que as teorias acima estão corretas (ou, no mínimo, chegam perto da verdade). Além disso, observei mais dois fatos que julgo curiosos:

  1. Quando Neo, Morpheus e Trinity vão visitar Merovingian, na parede do andar em que o personagem se encontra podemos ver, em fontes gigantes, o número 101. Ora, em Matrix, este era exatamente o número da porta do apartamento de Neo (que, como todos já estão fartos de saber, é um anagrama de `One`, `Um`). Além disso, em sua bela matéria sobre a produção desta continuação, a revista SET esclarece: `(...) Em certos grupos de estudo, [os reis merovingian] são tidos como descendentes da linhagem de Jesus Cristo`. A partir disso (e como sabemos que Neo é o sexto predestinado a surgir na Matrix), começo a crer que Merovingian é, na realidade, uma das primeiras versões (possivelmente, a original) do Escolhido, do Predestinado.
  2. Durante a seqüência situada em Zion, o Conselheiro Hamann (interpretado por Anthony Zerbe) tem uma conversa estranhíssima com Neo – e, em determinados instantes do diálogo, tive a forte impressão de que o personagem é, na verdade, um programa, e não um humano (isto é, desde que Zion seja, de fato, um outro nível de simulação). Sua função seria garantir que Neo tivesse liberdade para cumprir seu próprio programa: retornar à Fonte e garantir a manutenção da Matrix. Por que acredito nisso? Simples: apesar da insistência do Comandante Lock para que Morpheus seja mantido em Zion, o Conselheiro Hamann cria todas as condições para que a nave Nabucodonosor deixe a cidade e parta para realizar uma transmissão para a Matrix. (Esta teoria é aquela sobre a qual tenho menor convicção, apesar de julgá-la viável.)

É claro que estas conclusões podem estar equivocadas, mas, honestamente, não creio que isso ocorra. Mais: torço para que estejam certas, pois, assim, os Wachowski terão criado um universo infinitamente mais fascinante do que poderíamos imaginar a princípio.

23 de Maio de 2003

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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