Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
20/11/2014 | 20/11/2014 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
90 minuto(s) |
Dirigido por Carolina Jabor. Roteiro de Jorge e Pedro Furtado. Com: Deborah Secco, João Pedro Zappa, Gisele Froés, Felipe Camargo, Cássia Kiss Magro, Edmilson Barros, Fernanda Montenegro.
Boa Sorte é um drama sobre vidas destruídas por mentes e corações instáveis, pela dependência química e por lares em colapso. Mas é também um filme que consegue encontrar doçura no amor de um jovem que, até então perdido, finalmente se encontra ao achar uma mulher ainda mais derrotada pela vida e suas armadilhas.
Roteirizado por Jorge Furtado (um de nossos melhores realizadores) e seu filho Pedro, este longa acompanha o jovem João (Zappa), que, dependente químico, é encaminhado pelos pais a uma clínica que, ao interná-lo após uma entrevista rápida e burocrática, parece uma daquelas instituições que só curam seus pacientes por acidente, servindo mais para livrar as famílias de um membro inconveniente do que como um local realmente interessado em reabilitar humanos em busca de auxílio. Tratado quase como um produto defeituoso pelos pais (“Eu quero meu filho de volta do jeito que ele era”, exige sua mãe), João logo conhece a machucada Judite (Secco), que, HIV-positiva e encarando a vida como uma roleta russa diária, traz ao rapaz um sopro de amor até então inédito em suas experiências. A partir daí, acompanhamos João, Judite e seus companheiros enquanto experimentam pequenas vitórias e grandes derrotas que, apesar do preço que cobram, muitas vezes soam como conquistas temporárias em um sistema concebido para sufocar.
Dirigido por Carolina Jabor (filha de Arnaldo, que admiro como cineasta e contista e abomino como comentarista político), Boa Sorte representa uma estreia promissora da cineasta na ficção: mesmo exagerando no uso de lentes grandes angulares para sugerir a instabilidade do mundo de seus personagens e mostrando-se incoerente na utilização de subjetivas, que parecem surgir quase aleatoriamente ao longo da projeção, Jabor é sensível o bastante para compreender que a dinâmica entre seus personagens representa o centro da narrativa, permitindo que seus atores explorem alguns longos e brilhantes planos na busca destas relações – como aquele que, trazendo Secco e Zappa em uma árvore, permite que estes encontrem um raro momento de alívio e alegria enquanto brincam com um violão. Da mesma maneira, é impossível não apreciar o plano-sequência que os acompanha numa dança pelos corredores da clínica e que, beneficiado pelo ótimo design de som, sugere a subjetividade da experiência ao mudar a textura da música quando um enfermeiro aparece rapidamente em cena.
Hábil ao transformar a própria clínica em um espaço capaz de representar, em sua decadência, a vida íntima daqueles machucados personagens, o designer de produção Cláudio Amaral Peixoto usa as paredes trincadas do quarto de João, a piscina infestada de plantas e a escadaria cinza e com corrimão enferrujado que leva ao jardim como uma manifestação física da dilapidação emocional de João e Judite, cujos corpos e mentes parecem além de qualquer reparo. Da mesma maneira, os figurinos da avó vivida por Fernando Montenegro contam muito de sua história – e quando esta diz que já “aprontou muito na vida”, acreditamos em suas palavras não só graças à performance sempre fabulosa da veterana atriz, mas também graças ao fato de percebermos que esta ainda se veste como uma sobrevivente de Woodstock.
Ancorado por uma ótima performance de João Pedro Zappa, que encarna o protagonista como um jovem cuja instabilidade psíquica é resultado direto da impaciência do pai, da infelicidade da mãe e da postura hostil de um irmão que surge apenas para ameaçá-lo, Boa Sorte tem, em seu centro emocional, o encontro deste rapaz com a sofrida Judite, pela qual se encanta e que, com sua dolorosa instabilidade, o deixa mais leve e até mesmo infantilizado. Vivida por Deborah Secco em uma performance de entrega absoluta que a traz magra, pálida e com a voz esgotada, Judite é um pequeno suspiro no meio de um mundo de tristeza – e é admirável e tocante perceber como a atriz consegue sugerir, através de um olhar cansado e expressivo, o incômodo da garota diante do efeito que provoca no jovem e que a leva a sorrir diante da ingenuidade deste ao mesmo tempo em que seus olhos denotam uma dor profunda diante da impossibilidade dos sonhos românticos do companheiro.
E como há motivos para esta dor: esgotada física, emocional e psicologicamente, Judite não demora a perceber a incapacidade do jovem protagonista de perceber a realidade da amada, já que a enxerga através do filtro de um amor juvenil enquanto esta já se encontra envolta pelo cinismo de alguém que viveu e sofreu muito. Não é à toa que, enquanto Judite reflete sobre a dor de uma máquina que pensa sobre si mesma (a mente humana), João parece não perceber que o amor é um consolo insuficiente diante de tantas feridas, relevando até mesmo o fato de sua família amá-lo apesar de “não gostar de quem ele é”.
Pecando ao tentar extrair um humor desajeitado em cenas como aquela na qual João vasculha os arquivos da clínica enquanto um companheiro despista a psiquiatra vivida por Cássia Kiss Magro (uma cena que Jorge Furtado certamente conduziria com melhor timing), Carolina Jabor ainda assim revela sensibilidade e talento não apenas ao manter controle sobre a difícil narrativa como ao conceber uma sequência de animação que, revelando a percepção de Judite acerca de suas experiências, representa o momento mais lindo do filme.
Tão lindo, diga-se de passagem, que deveria também ter marcado o fim da projeção, que desperdiça a oportunidade ao insistir num flashback frágil e melodramático. Mas que, mesmo assim, não compromete o impacto de uma obra sensível e doce em sua percepção sobre as dores que, cientes de nossa mortalidade, todos compartilhamos.
12 de Novembro de 2014