Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
14/02/2014 | 01/01/1970 | 5 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
H2O Films | |||
Duração do filme | |||
95 minuto(s) |
Dirigido por Rithy Panh.
Em abril de 1975, quando o Khmer Vermelho de Pol Pot tomou o controle do Camboja, o cineasta Rithy Pahn tinha 13 anos de idade. Subitamente, sua vida foi radicalmente alterada: com o projeto de “reeducação” implantado no Kampuchea Democrático (como o regime se batizou), as grandes cidades foram esvaziadas, intelectuais e artistas foram executados, e milhões de pessoas passaram a trabalhar nos campos para construir uma sociedade utópica que, na prática, se revelou um genocídio através não só das execuções, mas também da fome.
Agora um homem de 50 anos, Panh cria, neste magnífico A Imagem que Falta, um depoimento pessoal sobre suas lembranças daquele período – mas o fato de não poder contar com fotos ou qualquer outro objeto de sua infância (todos abandonados às pressas) obrigou o diretor a uma saída única e, em retrospecto, perfeita para seu projeto: a utilização de dioramas para reencenar passagens da época. Empregando bonecos de argila tão frágeis quanto aquelas vidas demonstraram ser, os cenários são complementados por um trabalho impecável de design de som e por imagens de arquivo que o ajudam a estabelecer um retrato talvez mais evocativo e intenso do que um documentário convencional conseguiria sugerir.
Desta maneira, A Imagem que Falta (candidato do Camboja ao Oscar 2014 e meu favorito entre os cinco finalistas a Longa Estrangeiro – e gosto de todos) é um filme memorável que, através de arquivos, bonecos e dores, transporta o espectador à realidade de pesadelo erguida pelo Khmer Vermelho, que via o conhecimento como inimigo, empregava a fome como arma e adotava slogans como linguagem. Trazendo registros feitos pelo regime e que pintavam uma sociedade na qual crianças trabalhavam na colheita enquanto sorriam e cantavam versos inspiradores sobre o governo, o longa comprova ter feito a opção correta ao adotar brinquedos infantis como forma narrativa, já que estes nos apresentam a um mundo mais fiel aos fatos do que as imagens filmadas pelos seguidores de Pol Pot e nas quais os abundantes sacos de arroz provavelmente continham nada mais do que areia, atuando como meros e falsos objetos cenográficos. Além disso, há algo de profundamente patético em testemunhar os líderes de um país em ruínas percorrendo sorridentes os resultados de suas experiências fracassadas de reengenharia social enquanto literalmente aplaudem a si mesmos diante de multidões famintas que, obrigadas por armas, sorriem com seus rostos magros para os homens bem alimentados que as estão matando aos poucos.
Esta, diga-se de passagem, é outra virtude de A Imagem que Falta: seus bonecos, com seus rostos genéricos de argila, acabam funcionando como avatares de toda a humanidade. É fácil e inevitável, para o espectador, se projetar naquelas figuras sem raça, personalidade ou nomes e que, assim, se tornam símbolos de um sofrimento universal e aparentemente infindável – pois antes de Pol Pot, aqueles homens e mulheres já eram vítimas das classes dominantes e também das políticas internacionais norte-americanas.
A história é antiga: mudam os opressores; os oprimidos, porém, são sempre os mesmos.
Ao reconstruir o que viveu com objetos paradoxal e tragicamente lúdicos, Rithy Panh fez mais do que compartilhar suas memórias; compartilhou também a dor que sente ao lembrá-las.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival do Rio 2013.
4 de Outubro de 2013