Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
01/03/2013 | 01/01/1970 | 5 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Europa/Mares Filmes | |||
Duração do filme | |||
76 minuto(s) |
Dirigido por Paolo e Vittorio Taviani. Com: Salvatore Striano, Cosimo Rega, Giovanni Arcuri, Antonio Frasca, Juan Dario Bonetti, Vincenzo Gallo, Rosario Majorana, Fabio Cavalli.
Assim como Histórias que Contamos e Uma Super-Simplificação de Sua Beleza, dois outros documentários exibidos no Festival do Rio de 2012, este brilhante César Deve Morrer, retorno dos veteranos irmãos Taviani ao Cinema depois de cinco anos de ausência, funciona não só como um registro parcialmente falsificado da realidade como ainda acaba atuando como um reflexo metalinguístico sobre sua própria realização. No processo, o longa estabelece um olhar sensível sobre a natureza libertadora da Arte e se apresenta como uma releitura perfeitamente respeitável do clássico Júlio César.
Rodado ao longo de seis meses em uma prisão italiana de segurança máxima, o filme acompanha a produção do espetáculo teatral montado anualmente com o objetivo de oferecer uma atividade criativa e terapêutica para os prisioneiros, desde os testes feitos com os interessados até a apresentação para familiares numa pequena noite de gala, passando pelos ensaios, conflitos do elenco e autoquestionamentos artísticos. Para isso, os cineastas iniciam César Deve Morrer com o desfecho da performance “pública”, registrada em cores e testemunhada pelos convidados no auditório da prisão – e é então que, findos os aplausos, vemos o elenco extasiado ser escoltado para fora do palco pelos carcereiros e retornando para os bastidores que se resumem a celas no lugar de camarins. A partir daí, retornamos um semestre no tempo e acompanhamos os preparativos para aquela apresentação única e claramente tão especial para os envolvidos.
Em um primeiro instante, claro, o documentário encanta ao revelar o talento insuspeito daquelas figuras ameaçadoras e que, em cena, se mostram capazes de evocar dores e conflitos que os levam às lágrimas no momento dramático mais apropriado; aos poucos, contudo, percebemos que por trás deste talento há um esforço descomunal, já que, contando com todo o tempo do mundo, os atores reanalisam continuamente seus diálogos e movimentos em cena, encontrando espaço até mesmo para confissões pessoais despertadas pelo texto de Shakespeare.
E é aqui que a estratégia dos Taviani se revela especialmente intrigante, já que percebemos que a maior parte do que testemunhamos envolve uma encenação cuidadosa, desde as brigas entre integrantes do elenco até comentários feitos pelos carcereiros que os observam – e mesmo que estas passagens sejam inspiradas por fatos reais (e acredito que sejam), não há dúvidas de que ao longo da projeção são orquestradas em detalhes pelos diretores, que, assim, podem ilustrar até mesmo os comentários jocosos feitos pelos prisioneiros que não participam da produção e enxergam o grupo com hostilidade e desprezo.
Por outro lado, não há como questionar a natureza violenta daqueles homens, que, mesmo se abrindo em cena, são criminosos condenados por envolvimento em homicídios, com a máfia e com o narcotráfico – o que apenas ressalta a transformação em cena, quando, para citar apenas um deles, o obviamente perigoso Juan Dario Bonetti encarna Decio com olhos tremendamente bondosos. Neste aspecto, vale apontar, o filme não só registra uma produção de Júlio César como se transforma numa eficiente releitura da peça de Shakespeare, comprovando sua universalidade ao transformar o povo romano, por exemplo, em presidiários que escutam o inesquecível discurso de Marco Antônio através das barras das janelas de suas celas (e a utilização dos espaços do presídio é inspirada, como na cena que transforma o senado de Roma em um pequeno galpão vazio e empoeirado).
Empolgados com o projeto e demonstrando uma dedicação que expõe o potencial redentor da Arte, os criminosos vistos em César Deve Morrer certamente enxergam a atividade como uma forma de escaparem temporariamente de suas vidas limitadas pelos muros e barras da penitenciária – e, assim, quando finalmente agradecem os aplausos do público e são devolvidos, com postura triste e derrotada, às suas celas, percebemos que o que se encerrou ali foi mais do que um exercício artístico; foi uma breve e legal fuga de sua deprimente realidade.
8 de Outubro de 2012
Crítica originalmente publicada como parte da cobertura do Festival do Rio 2012.