Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
02/11/2012 | 01/01/1970 | 5 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
Paris Filmes | |||
Duração do filme | |||
110 minuto(s) |
Dirigido por Pablo Trapero. Com: Ricardo Darín, Jérémie Renier, Martina Gusman, Federico Barga, Pablo Gatti, Raul Ramos.
É fascinante acompanhar o crescimento do cineasta argentino Pablo Trapero a cada novo filme. Sem jamais ter realizado uma obra que pudesse ser classificada como menos do que “ótima” (embora o pavoroso desfecho de Nascido e Criado tenha chegado perto disso), o diretor vem se mostrando gradualmente mais ambicioso, saltando de tramas que lidavam basicamente com questões pessoais para outras que, além disso, abordam também aspectos sociais costurados com elegância às histórias que contam. Foi o caso do excepcional Leonera, do ótimo Abutres e agora, em escala ainda maior, deste brilhante Elefante Branco.
Voltando à ótima parceria com o sempre fabuloso Ricardo Darín estabelecida em seu filme anterior, Abutres, Trapero aqui ambienta sua narrativa em uma imensa favela de Buenos Aires na qual o padre Julián (Darín) tenta desenvolver um trabalho social que ao mesmo tempo afaste os jovens da droga e do tráfico e também permita a construção de novas casas populares para os habitantes da região. Enfrentando dificuldades com a falta crônica de verbas, já que a Arquidiocese se preocupa mais com política do que com a população, Julián vive com seus companheiros de paróquia na imensa construção abandonada daquele que deveria ter se tornado o maior hospital da América Latina e que, iniciada em 1937, é chamada de Elefante Branco pelos moradores da favela justamente por representar, com sua carcaça horrorosa, o descaso do governo e da sociedade para com os miseráveis da cidade. É então que o padre convida um jovem sacerdote, o francês Nicolás (Renier), para juntar-se a ele naquele trabalho – mas, traumatizado pelo fim trágico de sua última missão na Amazônia, o rapaz se vê cada vez mais afastado da Igreja e começa a demonstrar interesse romântico pela assistente social Luciana (Gusman, esposa de Trapero e sua colaboradora habitual).
Inspirado pelo assassinato do padre Carlos Mugica em 1974, o roteiro escrito a oito mãos por Trapero, Martín Mauregui, Alejandro Fadel e Santiago Mitre (todos parceiros antigos do diretor) é hábil ao saltar das lutas de Julián, que se vê constantemente pressionado a ajudar todos ao seu redor, para as incertezas de Nicolás – e a óbvia dedicação deste aos trabalhos comunitários, quando contraposta ao seu sofrimento por amar Luciana, aponta a estupidez do celibato exigido pela Igreja sem que um discurso tenha que ser feito pelo filme neste sentido. Aliás, Elefante Branco é hábil ao estabelecer vários argumentos impactantes sem a necessidade de diálogos expositivos – como na sequência que traz três sacerdotes rezando o terço enquanto Trapero e seus dois outros montadores cortam para planos que expõem a miséria ao redor dos homens, apontando ao mesmo tempo o desespero dos padres diante da tarefa que têm à frente e, claro, a inutilidade de suas orações.
Mais uma vez demonstrando seu apreço por (e seu talento para) planos-sequência, o diretor cria, ao longo da projeção, alguns momentos cinematograficamente memoráveis sem jamais parecer estar querendo apenas se exibir, já que as decisões se revelam orgânicas à narrativa – começando pelo plano que se inicia no interior do hospital e acompanha os personagens até a capela, passando por várias ruas e nos apresentados aos moradores e à rotina local sem qualquer corte, permitindo que nos sintamos realmente como parte daquele universo. Já em outro instante, é o desenho de som que merece destaque ao introduzir a trilha de Michael Nyman de forma quase inaudível apenas para gradualmente evidenciá-la à medida que a lógica da cena exige o acompanhamento musical. Para completar, Trapero confere urgência e realismo à dura sequência da invasão da polícia à favela, rodando a ação como algo que poderia ter saído diretamente de um noticiário para a televisão.
Beneficiado por um elenco admirável, Elefante Branco representa, também, um novo momento na carreira de Jérémie Renier, que, cada vez mais distante dos tipos criados nos filmes dos irmãos Dardenne (especialmente A Criança, que o lançou no mercado internacional), vive aqui seu personagem mais humanista e doce, conferindo também peso dramático ao torturado Nicolás. E se Martina Gusman desta vez pouco tem a fazer (embora consiga ilustrar bem o cansaço gradual de Luciana), o destaque, como de hábito, fica por conta de Ricardo Darín, que encarna o padre Julián como um homem completamente dedicado à sua causa e à comunidade, exibindo uma alegria tocante ao receber uma dúzia de fiéis em sua diminuta paróquia e ao batizar novos convertidos – e o espectador chega a se sentir exausto ao acompanhar a rotina do sujeito, cuja presença parece ser exigida por todos ao mesmo tempo. Assim, quando Julián finalmente se mostra cansado e desabafa ter medo de vir a “acabar odiando todo mundo”, sentimos sua dor e sofremos por ele.
Seco e brutal em seu terceiro ato, Elefante Branco não faz concessões ao abordar um material que exige estas características, confirmando a ascensão de Pablo Trapero à elite do Cinema mundial.
Observação: esta crítica foi publicada originalmente como parte da cobertura do Festival do Rio de 2012.
10 de Outubro de 2012