Datas de Estreia: | Nota: | ||
---|---|---|---|
Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
10/07/2014 | 01/01/1970 | 2 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Imagem Filmes |
Dirigido por Terry Gilliam. Com: Christoph Waltz, Matt Damon, Mélanie Thierry, Lucas Hedges, David Thewlis, Ben Whishaw, Peter Stormare, Sanjeev Bhaskar e Tilda Swinton.
Mesmo que ignoremos os longas que dirigiu ainda como parte do Monty Python (Em Busca do Cálice Sagrado e O Sentido da Vida), o norte-americano Terry Gilliam traz, em sua filmografia, uma série de obras inesquecíveis: Os Bandidos do Tempo, Brazil, O Pescador de Ilusões e Os 12 Macacos. Infelizmente, o mais recente destes encontra-se prestes a completar 20 anos, já que, de 1995 para cá, Gilliam comandou obras no máximo medianas, mesmo que, aqui e ali, tragam momentos de pura genialidade. Assim, vê-lo retornar à ficção científica é, a princípio, um sopro de esperança – que logo se transforma em desapontamento ao percebermos que, embora ainda inventivo em seus aspectos visuais, o cineasta fracassa mais uma vez ao criar um filme frágil em seus demais aspectos.
Escrito pelo estreante Pat Rushin, o roteiro se passa num futuro não especificado que, embora tomado por cores intensas e personagens que exibem vitalidade, não é muito diferente das distopias vistas em Os 12 Macacos, THX 1138 e 1984. Girando em torno do solitário Qohen Leth (Waltz), que vive à espera de uma misteriosa ligação telefônica que lhe revelará o sentido de sua existência, O Teorema Zero cria um daqueles mundos nos quais todos parecem ser monitorados o tempo inteiro (como o nosso, por exemplo) e o mais importante é trabalhar em prol de alguma grande e poderosa corporação que controla o destino de toda a sociedade. Aqui batizada de Mancom e liderada pelo temido personagem de Matt Damon, a empresa que emprega Qohen se dedica a “processar entidades”: basicamente, números complexos que, depositados em tubos de ensaios que comportam líquidos que assumem o papel de software, são concentrados em um computador central que... bom, parece imensamente importante, embora seu papel jamais fique claro. É neste contexto que o protagonista é escalado para solucionar o teorema do título, que poderá provar a insignificância do universo e o fato de que nossas existências não importam de fato.
Vivido por um Christoph Waltz inicialmente irreconhecível por não trazer um único pelo no corpo, Qohen é um homem ansioso e à beira da insanidade: morando em uma velha igreja abandonada que estabelece forte contraste com o mundo exterior, sua angústia por ter que sair de casa é retratada com eficiência por Gilliam através do silêncio inicial da narrativa, que expõe, por contraste, a brutalidade representada pelos barulhos intensos da rua e sua perturbadora luminosidade. Ainda assim, Waltz consegue a proeza de transformar seu personagem em um homem com o qual somos capazes de estabelecer alguma identificação, já que, mesmo excêntrico, seus modos introspectivos acabam soando quase razoáveis diante da loucura que o cerca – o que inclui, claro, seu supervisor (Thewlis), o gênio da computação Bob (Hedges) e a terapeuta interpretada por uma Tilda Swinton ainda mais estranha que de costume.
Impressionante em seu design de produção que combina elementos desgastados de um passado decadente com tecnologias futuristas em cores chapadas e intensas, O Teorema Zero ainda traz algumas das marcas registradas de seu diretor em seus quadros constantemente inclinados e na utilização de lentes grande angulares que deformam personagens e o espaço que ocupam, conferindo uma atmosfera de estranheza aos momentos mais prosaicos. Além disso, Gilliam e sua equipe se divertem claramente ao incluírem detalhes que, espalhados pelos cenários, não tentam atrair a atenção do público embora componham perfeitamente aquele universo – como um anúncio publicitário que grita “Occupy Mall Street” e um slogan da corporação que prega “Don’t ask; multitask”. Da mesma maneira, é interessante perceber como o filme imagina um futuro em que todos são bombardeados por um excesso de informações, culminando numa festa na qual todos parecem dançar sozinhos enquanto mantêm os olhos grudados em seus telefones e tablets – e as várias placas de “Proibido!” que formam um imenso “X” ao fundo, enquanto Qohen e Bob conversam em um banco, deixam claro que, colorido ou não, aquele é um mundo tão sombrio quanto o de V de Vingança.
Assim, é uma pena que, tentando desenvolver uma série de temas ambiciosos, o roteiro pareça abandonar qualquer discussão mais interessante ao optar por resumir suas discussões filosóficas à necessidade de nos conectarmos a outras pessoas – o que ocorre de forma literal em alguns momentos da narrativa. Como se não bastasse, as metáforas do longa surgem geralmente óbvias (como o rato sempre sobrevivendo através dos restos que lhe são atirados pelos dominantes) – e o fato de o teorema em si ser representado por uma construção de blocos digitais pode até tornar mais fácil a compreensão das dificuldades enfrentadas pelo protagonista, mas também diminui sua gravidade ao fazer com que tudo pareça um imenso videogame.
E ainda que O Teorema Zero traga imagens belíssimas (incluindo o plano que encerra a narrativa), não deixa de ser decepcionante perceber que estas surgem a serviço de um filme que promete uma reflexão interessante sobre a natureza humana e consegue apenas criar uma historinha de amor previsível e rasa.
Com isso, a saudade do velho Terry Gilliam permanece forte.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival do Rio 2013.
2 de Outubro de 2013