Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
19/06/2014 | 01/01/1970 | 3 / 5 | 2 / 5 |
Distribuidora | |||
Diamond Films |
Dirigido por Wally Pfister. Roteiro de Jack Paglen. Com: Johnny Depp, Rebecca Hall, Paul Bettany, Clifton Collins Jr., Cillian Murphy, Kate Mara, Cole Hauser, Xander Berkeley, Lukas Haas e Morgan Freeman.
Uma das coisas que mais admiro em uma ficção científica é sua capacidade de usar sua premissa como ponto de partida para explorar questões maiores ou, no mínimo, sua habilidade de expandir suas invenções em vez de se contentar em apenas criar um universo curioso. Assim, é frustrante perceber como um filme como Transcendence parece não fazer a menor ideia acerca das ideias que pretende defender, dos conceitos que quer apresentar ou mesmo da natureza de seus próprios personagens. Para piorar, é triste constatar que esta estreia na direção de Wally Pfister, um diretor de fotografia tão competente, não consegue se tornar atraente nem mesmo do ponto de vista visual, o que não deixa de ser uma surpresa.
Escrito pelo estreante Jack Paglen, o roteiro tem início em um mundo no qual a Internet foi desativada por algum motivo sombrio e no qual conhecemos o narrador Max (Bettany), que deixará de desempenhar esta função imediatamente e cujo off se apresenta, portanto, como um recurso preguiçoso para criar uma estrutura frágil para a narrativa. A partir daí, voltamos no tempo e testemunhamos o momento no qual o cientista Will Caster (Depp), que busca desenvolver um computador dotado de Inteligência Artificial, sofre um atentado planejado por uma organização que combate a tecnologia e que, embora tenha membros ligados ao fundamentalismo religioso (como indica a pergunta feita pelo personagem de Haas), é basicamente uma associação de luditas. Descobrindo ter pouco tempo de vida, Caster tem suas memórias transferidas para o sistema que vinha desenvolvendo e, assim, uma versão virtual de sua consciência passa a ter acesso a todo o conteúdo da Internet enquanto sua esposa Evelyn (Hall) enfrenta a resistência do governo e dos terroristas para desenvolver toda uma pequena comunidade em torno da presença virtual de seu falecido marido.
Mas seria mesmo apenas “virtual”? A princípio, Transcendence parece interessado em investigar o que seria exatamente aquilo que entendemos como “consciência” e até mesmo “identidade”: o que define nossos egos é o conjunto de nossas memórias e de nossas ideias? São estas memórias que formam, em último grau, o que entendemos como nossa identidade presente? Ou a personalidade (ou “personalidade”) é algo intangível, definido por abstrações a partir de nossas ações? Aliás, que tal irmos além: se um ser com consciência é também onipresente, onisciente e, até certo ponto, onipotente, poderia ser considerado uma deidade? Pois a versão digital de Will Caster certamente atenderia a todos estes pré-requisitos.
Como podem ver, Transcende promete questionamentos instigantes – especialmente considerando que, a uma semana de sua estreia, um software passou pela primeira vez pelo rigoroso teste de Turing e enganou mais de um terço dos cientistas que tentavam avaliar se estavam falando com um ser real ou com um computador (e não é à toa que, em certo ponto, a personagem de Rebecca Hall assume o nome “Turing” ao se hospedar em um hotel). Infelizmente, esta promessa é rapidamente abandonada à medida que percebemos que este é um longa que se concentra não em ideias, mas em uma trama – e que esta não só é fraquíssima, mas mesmo ridícula. Aliás, ao incorporar nanotecnologia à sua premissa, o roteiro passa a se tornar uma mistura de Os Invasores de Corpos e X-Men (caso esta tivesse sido dirigida por um débil mental), relegando o conceito de Inteligência Artificial ao segundo plano e descartando qualquer intenção de levar o espectador a refletir sobre suas implicações morais – especialmente se considerarmos que, assim que Caster se manifesta como entidade virtual, o longa passa a sugerir uma natureza de vilão através de acordes sombrios da trilha sonora.
E é então que a coisa se torna realmente confusa: estaria Transcendence sugerindo que os luditas estavam certos desde o princípio em temer a tecnologia? Ora, Caster demonstra capacidade não só de curar doenças graves, como a de regenerar o próprio planeta, mas em troca de controlar o ambiente e a humanidade. Ou não? Mesmo depois que o filme chega ao fim, é difícil entender exatamente qual era a posição da narrativa em relação aos temas que ela mesma desenvolveu e se considerava Caster um vilão ou um herói mal compreendido. Por outro lado, sua visão acerca de tecnologia (e da Internet) parece vir diretamente da década de 90 e ser mais apropriada a uma postura paranoica digna de uma ultrapassada cápsula do tempo como A Rede – isto para não mencionar os furos óbvios, como a súbita percepção de Evelyn acerca da ameaça representada pela aproximação dos “terroristas” (como ela sabia que eram eles e o que pretendiam fazer?) ou a utilização de uma terminologia pseudocientífica que soa simplesmente ridícula (“Você escreveu o código, então pode hackear um ser humano e usá-lo para fazer upload de um vírus” ou “Faça meu upload para o sistema”).
Claro que de um ponto de vista puramente técnico é difícil repreender o filme: o design de produção, por exemplo, consegue fazer um contraponto eficiente entre as geladeiras negras que marcam a tecnologia “primitiva” desenvolvida por Caster e as placas transparentes que representam sua evolução – e, da mesma maneira, os extensos corredores brancos, assépticos, surgem igualmente opressivos e imponentes. Além disso, se os aposentos de Evelyn são aconchegantes, demonstram também a presença incômoda do onipresente Will, o que é interessante. Por outro lado, é bastante tolo que o longa traga o personagem de Morgan Freeman usando figurinos típicos de um guerrilheiro ao perceber que Caster se tornou uma ameaça, ao passo que Johnny Depp falha como ator ao criar exatamente a mesma composição ao retratar o cientista em suas duas “fases”, jamais ressaltando sua transição – para melhor ou pior.
O fato é que, ao final, Transcendence – A Revolução acaba soando como um Ela pobre e sem ambição: onde a obra de Spike Jonze desafiava, comovia e instigava, este apenas desaponta por apresentar, em último grau, uma Ciência tola, uma Filosofia nula e uma Moral terrivelmente confusa.
19 de Junho de 2014