Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
17/05/2013 | 01/01/1970 | 4 / 5 | 3 / 5 |
Distribuidora | |||
Diamond Brasil | |||
Duração do filme | |||
106 minuto(s) |
Dirigido por Steven Soderbergh. Com: Jude Law, Rooney Mara, Catherine Zeta-Jones, Channing Tatum, Polly Draper, Vinessa Shaw, Ann Dowd, Mamie Gummer, David Costabile, Michael Nathanson, Sheila Tapia.
A versatilidade de Steven Soderbergh é admirável. Embora nem sempre consiga escapar da mediocridade dos roteiros com os quais vez por outra trabalha (como em Contágio e nas continuações pavorosas de Onze Homens e um Segredo), o cineasta frequentemente busca sair de sua zona de conforto, desafiando-se com produções complexas (Che: O Argentino e sua continuação, filmados simultaneamente), saltando de um gênero a outro no mesmo ano (Erin Brockovich e Traffic) ou mesmo arriscando-se em projetos com orçamento nulo (Bubble). Agora, aparentemente desgastado, Soderbergh surpreendeu ao anunciar sua precoce aposentadoria ao garantir que este Terapia de Risco será seu último trabalho para o Cinema. Pois se isto realmente se confirmar (algo do qual duvido), a despedida do diretor não terá sido embaraçosa, já que aqui ele realiza um experimento de gênero eficiente e que demonstra certa coragem ao puxar o tapete sob as expectativas do público quanto ao tipo de filme que está vendo.
Escrito pelo mesmo Scott Z. Burns de Contágio e O Desinformante, o roteiro nos apresenta à jovem Emily (Mara), cujo marido Martin (Channing) acaba de deixar a prisão após quatro anos. Enquanto os dois buscam se adaptar à nova rotina, a garota passa a ter pensamentos suicidas provocados por uma depressão aparentemente antiga, o que a leva a conhecer o psiquiatra Jonathan Banks (Law) – que, participando dos testes de um novo antidepressivo, receita o medicamento para a garota. É então que uma tragédia possivelmente causada pelos efeitos colaterais da droga ocorre e as vidas dos personagens sofrem mudanças radicais, lançando uma nova luz sobre suas personalidades e motivações.
Construindo um universo no qual todos conversam em voz baixa e encaram os antidepressivos quase como uma vitamina obrigatória, Soderbergh (assinando a fotografia com seu pseudônimo habitual Peter Andrews) também é hábil ao investir numa paleta triste que, oscilando entre o amarelo-esverdeado e o cinza, surge dessaturada e triste ao mesmo tempo em que mantém a profundidade de campo sempre reduzida (falando a grosso modo: com o fundo desfocado), isolando os personagens ainda mais uns dos outros e do mundo que os cerca. Com isso, o cineasta cria um retrato opressivo e verossímil da depressão e do estado de desesperança no qual esta mergulha suas vítimas – algo ressaltado também pelo uso constante de luzes fluorescentes, que tendem a drenar todas as cores do ambiente.
Igualmente eficaz na montagem (que ele também assina, agora com o nome Mary Ann Bernard), Soderbergh cria um ritmo estudadamente cuidadoso, assumindo assim o ponto de vista de Emily e sua percepção angustiante da lentidão da passagem do tempo – e gosto particularmente da rima narrativa que amarra as pontas do longa com planos similares. Da mesma maneira, o diretor não se furta de apostar em instantes pontuais de maior obviedade (como o plano no qual Emily vê o próprio reflexo deformado em um espelho) que funcionam por ganharem novos contornos à medida que a história se desenvolve.
Rooney Mara, aliás, continua a crescer como intérprete ao criar uma personagem que, mesmo dividindo certas características de temperamento com sua personagem mais conhecida até o momento (a Lisbeth Salander de Millennium), consegue distanciar as duas performances o bastante para que estas se convertam em figuras perfeitamente individualizadas e complexas. Enquanto isso, Jude Law constrói o dr. Banks como um profissional gentil, ético e genuinamente preocupado com os pacientes que, mesmo não hesitando em receber de uma companhia farmacêutica para testar uma droga, se esforça para que isto não afete aqueles sob seus cuidados, informando-os inclusive de suas opções de tratamento. Assim, quando sua natureza afável é levada a sofrer certas alterações a partir da segunda metade, nos surpreendemos com suas atitudes e seu até então insuspeito talento para elaboração de estratégias particulares – o que, no entanto, acaba se encaixando perfeitamente em seu caráter. Fechando o elenco, Catherine Zeta-Jones e Channing Tatum fazem um bom trabalho com um tempo reduzido de tela, encarnando personagens que parecem mais tridimensionais do que de fato são (especialmente o rapaz, que vem se revelando um intérprete bastante carismático).
E se estou sendo vago, é porque não tenho a menor intenção de revelar os curiosos caminhos que Terapia de Risco passa a seguir a partir da metade da projeção, quando gradualmente muda de gênero e adota um tom conspiratório e de suspense. Por um lado, isto exige do público uma readequação de suas expectativas formais, claro, mas por outro intriga e instiga o suficiente para que sejamos convencidos de que as duas metades se encaixam de forma orgânica.
Com isso, este supostamente derradeiro longa de Soderbergh se apresenta como um passo final lógico na carreira do cineasta, que, em apenas 24 anos de profissão, transformou sua inquietação criativa em um combustível que o manteve sempre como um realizador imprevisível – o que, por sua vez, converteu mesmo seus tropeços (e ele tropeçou feio algumas vezes) em falhas no mínimo interessantes. Se realmente se aposentar, Soderbergh fará falta.
16 de Maio de 2013