Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
09/08/2013 | 01/01/1970 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Warner |
Dirigido por Guillermo del Toro. Com: Charlie Hunnam, Rinko Kikuchi, Idris Elba, Charlie Day, Burn Gorman, Max Martini, Robert Kazinsky, Clifton Collins Jr. e Ron Perlman.
Ao final dos créditos de Círculo de Fogo, o diretor Guillermo del Toro dedica o filme aos mestres Ishirô Honda, responsável pelo primeiro longa protagonizado por Godzilla, e Ray Harryhausen, criador de monstros e criaturas fantásticas inesquecíveis através da animação em stop motion – e isto não poderia ser mais apropriado, já que a obra do cineasta mexicano é, em sua essência, uma homenagem apaixonada ao gênero kaiju eiga (“filme de monstro”) popularizado na cinematografia japonesa e à imaginação empolgante do homem que criou os esqueletos guerreiros de Jasão e o Velo de Ouro. Aliás, Círculo de Fogo poderia perfeitamente trazer o título Aliens Versus Transformers, considerando que sua premissa absurda e divertida não soaria estranha em uma brincadeira de criança.
Escrito pelo próprio del Toro em parceria com Travis Beacham (não por coincidência responsável pelo roteiro da refilmagem de Fúria de Titãs), o roteiro já começa atirando o espectador em meio à ação ao explicar que uma fenda misteriosa criada no fundo do Oceano Pacífico funciona como um portal que, de tempos em tempos, permite a passagem de alienígenas gigantescos que se encarregam de destruir cidades inteiras com incrível facilidade. Para enfrentar a ameaça, o mundo se une para construir robôs gigantes que, controlados por duplas de soldados ligados mentalmente uns aos outros, tentam conter a ameaça crescente. Comandados pelos marechal Stacker (Elba), estes guerreiros incluem o valente Raleigh (Hunnan), traumatizado pela morte do irmão durante um combate, e a determinada Mako (Kikuchi), que luta para ganhar a chance de guiar um dos robôs e vingar a morte de sua família.
Trata-se, como é fácil perceber, de uma ideia fantasiosa, mas que – graças à abordagem inteligente e ambiciosa de del Toro – ganha até certo peso dramático ao evocar a ameaça ao futuro da humanidade representada pela invasão dos monstros. Assim, enquanto os Transformers de Michael Bay soam como besteiras confusas e entediantes, Círculo de Fogo mantém o espectador sempre envolvido ao criar longas sequências de ação que, além de compreensíveis em sua mise-en-scène (algo que Bay parece incapaz de criar), se diferenciam umas das outras até mesmo através da ambientação dos conflitos, que podem ocorrer no mar, em cidades, no ar ou no fundo do oceano, envolvendo também estratégias e riscos distintos e crescentes.
Beneficiado por um design de produção espetacular (marca registrada das produções do diretor), o longa já acerta ao trazer os robôs como máquinas claramente desgastadas pelo uso e pelo tempo, exibindo manchas, riscos e defeitos em sua lataria, o que imediatamente lhes confere uma surpreendente verossimilhança. Além disso, enquanto os Transformers (perdão, mas a comparação é inevitável) se movimentam de maneira excessivamente veloz, denunciando sua natureza digital, os Jaegers (nome pelo qual os robôs são chamados aqui) se movem pesada e lentamente, o que – mesmo sendo criados por computadores – sugere efeitos mecânicos e, consequentemente, mais realistas. Enquanto isso, os monstros surpreendem com suas aparências diversas, que remetendo de tubarões a dinossauros, muitas vezes sugerem suas naturezas alienígenas através de detalhes sutis como linhas fluorescentes que percorrem seus corpos ou de múltiplos olhos que exibem um brilho inexplicável.
Da mesma maneira, Círculo de Fogo dedica imensa atenção aos detalhes do restante de seu universo, desde o gigantesco complexo que abriga as tropas e robôs comandados pelo marechal Stacker até a Hong Kong superpopulosa e carregada de neon que serve de cenário para boa parte do segundo ato da projeção. É claro que, aqui e ali, os efeitos visuais se tornam mais óbvios – e a primeira vez em que Raleigh entra no complexo, por exemplo, é fácil perceber pelos movimentos do ator Charlie Hunnam que este caminha sobre uma esteira rolante diante de um greenscreen -, mas estes instantes são relativamente raros, já que na maior parte do tempo o filme impressiona por sua escala e pela competência dos efeitos. Enquanto isso, os figurinos de Kate Hawley são hábeis ao sugerir as personalidades dos personagens com sutileza (os suspensórios conservadores do controlador de Clifton Collins Jr.) ou de maneira mais caricatural (os sapatos de ouro e os ternos aveludados de Ron Perlman), ao passo que a fotografia de Guillermo Navarro, parceiro habitual de del Toro, explora bem o clima sombrio das sequências noturnas, deixando para trazer um dia iluminado e sem nuvens apenas quando isto serve a um propósito narrativo claro.
Merecendo créditos por ser um raro filme de ação que não hesita em trazer uma personagem feminina forte – e cujo gênero jamais é apontado pelos companheiros, tornando sua força algo ainda mais natural -, o longa é populado por criaturas que, embora não exatamente complexas, são encarnadas com tamanho empenho pelo ótimo elenco que se tornam figuras envolventes e memoráveis. Assim, enquanto Idris Elba volta a provar seu carisma e a caminhar rumo ao estrelato absoluto, Rinko Kikuchi, apresentada ao público internacional no mediano Babel, confere força e intensidade à brava Mako. E se Charlie Day parece fazer uma homenagem atrapalhada a J.J. Abrams com seu cientista moderadamente divertido, Ron Perlman mais uma vez rouba a cena em todos os momentos em que aparece como o inescrupuloso Hannibal Chau (e a explicação que o sujeito oferece para seu nome representa um dos pontos mais engraçados da projeção). Para finalizar, Charlie Hunnam, que passei a admirar desde que o conheci em O Herói da Família, empresta força a um protagonista ingrato e sem personalidade – e a falta de características interessantes de Raleigh deve-se mais ao roteiro do que ao bom ator.
Empolgante e divertido em sua entrega absoluta à fantasia lúdica de criaturas gigantescas se enfrentando em nosso mundo, Círculo de Fogo ainda traz instantes de humor inesperados e quase nonsense (como aquele envolvendo um pêndulo de Newton), embora também peque por frequentemente se entregar ao óbvio – e qualquer espectador que já tenha visto meia dúzia de obras do gênero antecipará facilmente os principais acontecimentos da trama. Para piorar, o fato de a narração em off inicial acabar sendo descartada depois de cumprir a função de facilitar a exposição acaba se apresentando como uma incongruência narrativa primária e facilmente evitável. Como se não bastasse, o projeto ainda é vitimado pela necessidade de alcançar uma indicação classificativa baixa, o que o obriga a ignorar as consequências da destruição colossal provocada pelas batalhas, que, embora cause centenas de milhares de mortes, não deixam rastro algum de sangue ou cadáveres, diminuindo o impacto dos acontecimentos.
Com isso, o filme falha ao não forjar qualquer ligação emocional com o espectador: vibramos com as batalhas, nos empolgamos com a vitalidade e a energia da narrativa, mas não experimentamos qualquer sentimento com relação aos destinos dos personagens, tenham sido estes felizes ou trágicos. Ainda assim, é impossível deixarmos a sala de projeção sem uma sensação clara de caloroso retorno à infância e – por que não? – até mesmo com o desejo de reencenarmos os confrontos da história com os velhos bonecos que há muito guardáramos em caixas empoeiradas que armazenavam também nossa saudosa imaginação infantil e que Guillermo del Toro, ao nos mergulhar em sua própria, ajudou tão bem a resgatar.
Observação: Há uma cena adicional durante os créditos finais.
09 de Agosto de 2013
Assista também ao videocast (sem spoilers) sobre o filme: