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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
07/05/2015 01/01/1970 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
Europa Filmes
Duração do filme
107 minuto(s)

A Estrada 47
A Estrada 47

Dirigido e roteirizado por Vicente Ferraz. Com: Daniel de Oliveira, Júlio Andrade, Francisco Gaspar, Thogun, Ivo Canelas, Richard Sammel, Sergio Rubini, Milhem Cortaz.

Quando escrevi sobre o thriller Isolados, apontei que este fazia um exercício de gênero sem adicionar qualquer regionalismo ao projeto, que, assim, poderia ter sido realizado em qualquer país. Pois o contrário ocorre neste A Estrada 47: embora seja um filme de guerra que acompanha um grupo de soldados no inverno europeu durante a Segunda Guerra Mundial, o trabalho de Vicente Ferraz não poderia ser mais brasileiro. Sim, esteticamente o longa remete com eficiência a outros do gênero produzidos por Hollywood e por cineastas europeus; seus personagens e sua sensibilidade, porém, são caracteristicamente brasileiros – e este é apenas um dos elementos que o transformam em uma experiência memorável.


Roteirizado pelo próprio diretor, o projeto acompanha um grupo de soldados pertencentes à FEB (Força Expedicionária Brasileira) que, enviados para lutar sob a liderança de generais norte-americanos contra as forças do Eixo, certa noite entram em pânico quando uma missão é mal sucedida, levando-os a se espalhar pela região. Temendo serem expulsos do exército como desertores, quatro deles decidem assumir uma missão arriscada: liberar a estrada do título, que encontra-se repleta de minas antitanques, e assim abrir o caminho para que as tropas dos Estados Unidos cheguem a um vilarejo local que se encontra prestes a cair sob o domínio de soldados alemães. No processo, eles acabam encontrando um desertor italiano (Rubini) e outro alemão (Sammel), estabelecendo uma dinâmica tensa que se torna ainda mais dramática em função do clima gelado que os envolve.

Abrindo a projeção com imagens de arquivo, A Estrada 47 não demora a ilustrar como mandamos vários de nossos homens para um conflito mortal sem que tivessem preparação tática ou psicológica para o mesmo – e quando o oficial alemão aponta que é “absurdo” que brasileiros se envolvam na guerra, torna-se difícil discordar mesmo sabendo que lutávamos do lado certo. Assim, quando testemunhamos o despreparo do tenente Penha (Andrade), que lidera o grupo e é constantemente desrespeitado pelos subordinados (sendo obrigado a insistir para que o chamem pela patente), isto só ressalta o amadorismo de um grupo que ainda conta com um engenheiro amedrontado que se alistou por insistência do pai (Oliveira), um paraibano que, no auge do pânico, parece regressar psicologicamente, passando a gritar chamados de vaqueiro (Gaspar) e um sargento que, embora valente, não esconde seu desprezo pelo superior (Thogun).

Ancorado pela narração rancorosa de Guima (o engenheiro vivido por Daniel de Oliveira), que encara o horror à sua volta como uma imposição odiosa do pai e não hesita em culpá-lo por sua situação, o longa é, ao mesmo tempo, um road movie, um filme de guerra, um estudo de personagens, um drama pessoal e uma discussão filosófica sobre a natureza da morte e dos conflitos bélicos – e funciona na maior parte do tempo nesta sua combinação complexa. Sua maior virtude, porém, reside em sua capacidade de humanizar todos aqueles indivíduos, do divertido Piauí ao suspeito oficial alemão, não sendo por acaso que, ao longo da narrativa, aqueles homens mudem constantemente de opinião a respeito uns dos outros, refletindo a reação do próprio espectador e comprovando a ótima qualidade do elenco.

Beneficiado pela ótima fotografia de Carlos Arango de Montis, que confere ao projeto tons que salientam o frio e a presença opressiva da neve, A Estrada 47 também emprega com talento as excelentes locações, permitindo que acompanhemos sem dificuldade a trajetória dos personagens, a distância que percorrem e as condições difíceis que enfrentam. Além disso, a montagem de Mair Tavares é eficiente ao manter um ritmo intenso mesmo criando pequenos momentos de pausa para que possamos acompanhar interações mais intimistas entre aqueles soldados.

Divertido e estabelecendo sua particularidade dentro do gênero ao empregar a informalidade típica do brasileiro mesmo em uma situação desesperadora (“Qual é a nossa divisão mesmo?”), o filme de Vicente Ferraz é repleto de instantes tocantes e de delicadeza surpreendente – e a cena que se passa dentro de um tanque e que envolve trocas de fotografias e mesmo um samba improvisado vai do riso às lágrimas sem dificuldades. E, no processo, honra aqueles soldados que, mesmo despreparados para o que viriam a enfrentar, agiram como heróis e honraram a nação amigável e sem tradição bélica que ali representavam.

11 de Agosto de 2014

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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