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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
13/05/2011 01/01/1970 3 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
71 minuto(s)

Vips - Histórias Reais de um Mentiroso
Vips - Histórias Reais de um Mentiroso

Dirigido por Mariana Caltabiano. Com: Marcelo Nascimento da Rocha, Amaury Jr, Ricardo Macchi, Ed Sá.

Durante a Mostra de São Paulo de 2009, escrevi sobre um documentário que, girando em torno dos Mamonas Assassinas, se revelava interessante apesar de todos os esforços aparentes feitos pelo diretor para sabotar o próprio filme. Pois foi impossível não ter a mesma impressão ao assistir a este Histórias Reais de um Mentiroso, que, acompanhando a trajetória de um personagem fascinante, quase desperdiça uma excelente oportunidade graças à abordagem tola de sua diretora.

Inspirado no livro da própria cineasta, o filme retrata os golpes dados pelo estelionatário Marcelo Nascimento, que, assim como o protagonista de Prenda-me se For Capaz, especializou-se em arrancar vantagens de suas vítimas ao se passar por todo tipo de profissional, de policial a astro de rock. Ganhando fama nacional ao assumir a identidade do dono da Gol e dar uma entrevista para um programa de colunismo social, o sujeito acabou sendo preso – o que, em vez de por fim em sua carreira, apenas alterou o palco de seus golpes, já que, pouco depois, ele encarnaria um líder do PCC durante uma rebelião na penitenciária na qual se encontrava.

É claro que, à primeira vista, há um elemento de simples molecagem nas ações de Marcelo – e, neste sentido, é fácil compreender por que um policial que atuou em sua prisão não consegue conter o riso ao se lembrar de um dos golpes do rapaz. Ator talentoso e cara-de-pau irrecuperável, Marcelo usava, mesmo que inconscientemente, estratégias psicológicas básicas para iludir suas vítimas, explorando a fragilidade de seus egos e a reserva que todos têm em questionar alguém que se articula com firmeza e segurança. Mostrando-se capaz de enganar até mesmo a documentarista – que, àquela altura, já deveria ter aprendido a não confiar em nada que lhe fosse dito por Marcelo, o criminoso só não consegue iludir a própria mãe, que, exausta depois de uma vida de mentiras, finalmente aprendeu a duvidar de tudo que saía da boca de seu filho (“De cada dez coisas que Marcelo diz, onze são mentiras”, ela afirma, em certo momento.).

O problema é que o caráter de “molecagem” logo cede lugar a algo mais grave – e não é à toa que empreguei a palavra “criminoso” no parágrafo acima, já que o protagonista eventualmente mergulha de vez no crime e passa até mesmo a pilotar aviões que transportam armas e drogas através da fronteira brasileira. Infelizmente, a diretora Mariana Caltabiano, talvez seduzida pelo carisma do documentado, parece não perceber as conseqüências graves daqueles atos, continuando a tratar Marcelo mais como um divertido trapaceiro do que como o traficante que obviamente se tornou.

Empregando animaçõezinhas rasteiras dubladas com vozes engraçadinhas, a diretora ainda recheia a projeção com cartuns que ilustram passagens da vida de Marcelo, fragilizando o próprio filme em função do humor juvenil (e nem me perguntem por que uma das vinhetas animadas traz o golpista convertido numa espécie de Homer Simpson). Decidindo apresentar as entrevistas feitas com o protagonista em um preto-e-branco sem a menor justificativa (e que empobrece esteticamente um longa já não muito ambicioso em seus aspectos visuais), Caltabiano ainda demonstra falta de cuidado na edição do áudio, que revela claros cortes durante vários depoimentos. E o que dizer do efeito de “agulha arranhando o disco”, anacrônico, clichê e bobo, que a cineasta utiliza para tentar fazer humor, em certo momento?

Mas talvez o erro mais grave de Histórias de um Mentiroso diga respeito à decisão da cineasta de se inserir à força na história – e já no início da narrativa ela chega a colocar a própria foto na tela ao insistir em explicar, desnecessariamente, como sua trajetória cruzou com a de Marcelo. Como se não bastasse, no terceiro ato Caltabiano resolve fazer um longo desvio na narrativa ao abordar a tragédia ocorrida com o avião da TAM no aeroporto de Congonhas – e mesmo tentando justificar a inclusão desta passagem ao descrever as opiniões de Marcelo (que é piloto) sobre o acidente, o fato é que a diretora emprega muito mais tempo do que o necessário neste incidente apenas para poder fazer uma espécie de terapia pública, já que, lamentavelmente, perdeu dois irmãos no desastre (e embora me compadeça diante de sua perda – e realmente me compadeço – não há como justificar narrativamente a descrição do sofrimento de seu pai e sua morte tempos depois, já que nada disso interessa à história do protagonista).

Soando ainda mais boba ao tentar fazer uma “pegadinha” com Marcelo, a diretora chega ao ponto de enfiar no filme a participação que fez no Programa do Jô (que, como em Lixo Extraordinário, apenas enfraquece o projeto) – e parecendo uma adolescente deslumbrada, inacreditavelmente não hesita em soltar um íntimo “O Jô Soares comentou comigo” em sua frágil narração em off. 

Em vez disso, Mariana Caltabiano deveria ter permanecido mais tempo com o mentiroso que, afinal, dá título ao seu filme – e que, de tão carismático, chega a levar o ator Ricardo Macchi, uma de suas vítimas, a perguntar para a cineasta se Marcelo citou seu nome durante os depoimentos, sorrindo satisfeito ao ouvir a resposta afirmativa (um momento revelador que, justiça seja feita, a diretora ressalta com inteligência ao reduzir a velocidade da imagem).

É uma pena, portanto, que esta maturidade só seja exibida pontualmente, já que, na maior parte do tempo, a abordagem da realizadora soa apenas egocêntrica e infantil – duas características, convenhamos, mais apropriadas ao protagonista do que à documentarista encarregada de entrevistá-lo.

27 de Outubro de 2010

Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura da Mostra Internacional de Cinema de SP 2010.

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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