Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
12/10/2012 | 01/01/1970 | 4 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
94 minuto(s) |
Dirigido por Wes Anderson. Com: Jared Gilman, Kara Hayward, Edward Norton, Bruce Willis, Bill Murray, Frances McDormand, Tilda Swinton, Jason Schwartzman, Bob Balaban e Harvey Keitel.
Basta assistir aos segundos iniciais de Moonrise Kingdom para perceber que se trata de um filme de Wes Anderson. Com o quadro trazendo uma composição perfeitamente centralizada, o diretor imediatamente inicia um travelling que revela os melancólicos personagens em um ambiente de cores básicas e fortes – e a sequência só seria mais típica do cineasta caso em algum momento adotasse o slow motion. Assim, se você é fã do estilo característico de Anderson, logo estará com um sorriso no rosto; se o julga excessivo ou apenas aborrecido, deverá se preparar para uma longa tortura, já que este talvez seja o mais andersoniano de seus trabalhos.
Não que mesmo os apreciadores da filmografia do sujeito não possam se cansar às vezes: embora tenha me encantado com Três é Demais, Os Excêntricos Tenenbaums e O Fantástico Sr. Raposo, por exemplo, senti-me frequentemente irritado durante as exibições de A Vida Marinha com Steve Zissou e, principalmente, Viagem a Darjeeling, que não pareciam justificar, em suas narrativas, a autoindulgência estética do diretor. Por outro lado, ao assistir a este Moonrise Kingdom, é fácil perceber que todos os floreios, tiques e excessos de Anderson servem à história, criando um tom doce e fabulesco cujo estilo representa metade do prazer experimentado pelo espectador.
Escrito pelo realizador ao lado de Roman Coppola e ambientado na década de 60, o roteiro acompanha a trajetória dos jovens Sam (Gilman) e Suzy (Hayward): enquanto o primeiro, órfão, foge do acampamento escoteiro comandado pelo incompetente líder vivido por Edward Norton, a segunda deixa a casa dos pais advogados (Murray e McDormand), que, vivendo uma rotina entediante, reconhecem a natureza problemática da garota. Juntos, Sam e Suzy iniciam uma jornada pela ilha de New Penzance, sendo procurados pelo capitão Sharp (Willis), responsável pela força policial local e que vem tendo um caso com a mãe da menina. A partir daí, o filme assume um tom aventureiro similar ao das narrativas juvenis tão comuns aos livros apreciados por Suzy ao mesmo tempo em que envolve aqueles personagens no humor melancólico de Anderson enquanto buscam descobrir algum sentido para suas existências vazias.
Neste sentido, é fascinante que Moonrise Kingdom tenha início com a narração de um sujeito que busca explicar como todos os elementos individuais de uma orquestra se unem para criar o harmônico som de uma sinfonia – algo que o próprio longa imediatamente começa a fazer ao apresentar seus personagens de maneira rápida e individualizada. Além disso, é prazeroso constatar a coesão da filmografia de Anderson através da percepção de que o universo aqui visto se encaixa perfeitamente naquele criado ao longo de seus demais trabalhos – e é inevitável perceber que Sam, Suzy e o capitão Sharp habitam um mundo que também comporta Max Fischer, os Tenenbaums e Steve Zissou (aliás, o cineasta faz referências claras aos seus filmes anteriores em determinados instantes: o narrador vivido por Bob Balaban usa um figurino similar ao de Zissou e os animais de O Fantástico Sr. Raposo são vistos nas fantasias usadas pelas crianças).
Porém, talvez a principal ligação entre Moonrise Kingdom e seus parentes cinematográficos resida mesmo no senso estético característico de Wes Anderson, que além dos travellings, planos-sequência e paleta de cores, emprega planos-detalhe de cartas e revistas, canções que combinam melancolia e nostalgia e, claro, investe em composições centralizadas que aqui chegam a sugerir mais um transtorno obsessivo-compulsivo do diretor do que uma escolha plástica. E se o design de produção investe compreensivelmente nas cores favoritas do diretor (amarelo, laranja e vermelho), merece destaque também por criar cenários que, mesmo convincentes à sua própria maneira, frequentemente remetem a ilustrações de livros infantis – algo ressaltado pela bela fotografia de Robert D. Yeoman, colaborador habitual de Anderson, e que aqui compõe imagens marcantes como aquela que traz o farol ao lado da pequena casinha do correio e de um carro em um ambiente enevoado ou aquela que ocorre no clímax da projeção e traz apenas as silhuetas dos personagens.
Igualmente interessante é observar a inteligência do cineasta ao adotar uma abordagem intrigante, já que a narrativa parece ser toda encenada a partir do ponto de vista infantil: não é à toa que a casa da árvore surge impossivelmente alta, que a traição da mãe de Suzy parece se limitar a alguns cigarros fumados na companhia do amante e que a perda da virgindade seja representada através do óbvio (mas inocente) simbolismo das orelhas perfuradas que deixam vazar um longo filete de sangue. Aliás, Anderson é hábil, também, ao retratar a descoberta da sexualidade por parte do casal principal de uma maneira simultaneamente franca, doce e inocente, contrapondo-a ao triste cansaço dos pais da menina, que em certo ponto protagonizam uma conversa triste e madura em sua percepção acertada sobre a falta de paixão e alegria em suas vidas.
Com um elenco homogeneamente eficiente, Moonrise Kingdom representa uma visita nostálgica aos nossos primeiros esbarrões com o amor, quando a descoberta de que somos capazes de suspirar por outra pessoa e de ficarmos extasiados ou arrasados em função de nossas interações com ela acaba moldando, de certa forma, a maneira com que lidaremos com relacionamentos e paixões por toda a vida. E é encantador que Wes Anderson consiga despertar este sentimento de profunda nostalgia em uma história construída com cuidado (como indica a referência a Noé já no primeiro ato) e delicadeza, num exemplo perfeito de estilo que não apenas enriquece o conteúdo, mas mostra-se essencial a este.
Crítica publicada como parte da cobertura do Festival do Rio 2012.
27 de Setembro de 2012